Nos bastidores da obsessão
Hermínio C. Miranda
Todos aqueles que conhecem razoavelmente bem a Doutrina Espírita sabem dos terríveis dramas da obsessão que atormentam verdadeiras multidões de Espíritos encarnados e desencarnados.
Poucas vezes, no entanto, nos é oferecida a oportunidade de penetrar nos desvãos escuros dos processos obsessivos, nos seus mecanismos, nas suas motivações, nas suas consequências, bem como nos recursos que podem ser empregados para livrar da aflição e da angústia seres que se prendem uns aos outros pelas escuras cadeias do ódio. Aqueles que admitem a vida apenas como um punhado de anos mal vividos entre berço e túmulo nem sequer suspeitam da extensão e complexidade do problema, do qual conhecem apenas a face visível, ostensiva. Mesmo a ciência oficial, a despeito de um século de estudos e de pesquisas realizadas no campo da fenomenologia espírita, praticamente ignora a obsessão.
Cuidando dos efeitos, raramente atinge as raízes, as causas dos problemas humanos por ela suscitados. E por isso, aí estão os desafios permanentes das psicoses, da alienação mental, do abuso das drogas, das taras sexuais, do alcoolismo, terríveis efeitos de causas muito mais profundas e tenebrosas implantadas e impulsionadas até às suas últimas consequências por seres humanos protegidos pela invisibilidade e pela ignorância dos homens.
Aqui e ali aparecem médicos, como o famoso Dr. Carl Wickland ou Denys Kelsey, que não apenas descobrem o mecanismo da obsessão — confirmando os ensinamentos da Doutrina Espírita —, como aprendem a tratar dessa mazela espiritual, investigando, como é certo, as causas provocadoras até chegarem aos Espíritos que as precipitam. Não é com drogas, nem com choques elétricos, nem com terapêutica psicanalítica que se resolvem essas aflitivas doenças espirituais. A utilização consciente dos métodos espíritas poderia libertar parte considerável da imensa e crescente população dos hospitais psiquiátricos, bem como multidões incontáveis de atormentados que vagueiam pelas ruas em variados estados obsessivos. Entre esses, encontramos desde aqueles que de tão afetados não têm condições nem de articular coerentemente o pensamento, até os que, embora afligidos por perseguições inomináveis, conseguem, de certa forma e à custa de tremendo esforço, levar uma aparência razoável de vida, executando normalmente sua parcela de trabalho na coletividade. Nesse meio, quanta dor escondida, quanta tragédia oculta, quanta angústia envergonhada...
Suas causas? São muitas. Seria de estarrecer uma coleta estatística que por certo revelaria a esmagadora incidência de vinganças pessoais desencadeadas por antigos desafetos, ou casos de influência egoísta de Espíritos que, presos aos sofrimentos, entendem que também os que ficaram estão obrigados a sofrer por solidariedade. Em muitos desses Espíritos doentes, vamos encontrar o traço comum do desconhecimento total das leis que regulam o nosso procedimento. Em outros, para surpresa nossa, verificamos estarem familiarizados com as regulações do mundo espiritual, o que os torna especialmente perigosos e bem equipados para a prática dos processos obsessivos.
Tudo isso, minuciosamente pesquisado e explicado, encontramos no livro Nos bastidores da obsessão, que o Espírito Manoel Philomeno de Miranda ditou ao nosso querido Divaldo Pereira Franco e que a Federação Espírita Brasileira acaba de lançar numa daquelas suas bem cuidadas edições. (Em referência ao texto e livro publicados em 1971 - nota nossa)
É uma pena, realmente, que a literatura mediúnica — especialmente desse nível — continue tão ignorada do grande público leitor, fora dos meios espíritas. Os fatos narrados — e são realmente fatos e não ficções — passaram-se no decorrer dos anos de 1937 e 1938 lá mesmo na Bahia, onde Divaldo psicografou o livro. O autor espiritual ainda se encontrava encarnado e servindo ao lado de outro valoroso e dedicado companheiro: José Petitinga.
Manoel Philomeno aguardou seu retorno ao mundo espiritual para estudar em todos os seus pormenores a trama dolorosa que ajudara a desfazer enquanto ainda encarnado. É certo que, mesmo conhecendo o lado ostensivo do drama espiritual, faltavam-lhe alguns elementos complementares e esclarecedores para que a narrativa guardasse todo o seu impacto e ao mesmo tempo sua autenticidade. Algumas das personagens reais desse drama real ainda permanecem na carne e, por escrúpulos compreensíveis, o autor espiritual quis evitar que fossem identificadas.
Muito sabiamente, o Espírito comunicante faz preceder a história propriamente dita de uma introdução esclarecedora, dividida em três partes distintas: um “Exórdio” explicativo, no qual o autor declara que “diante dos lancinantes problemas da obsessão na atualidade, tem-se a impressão de que nada até o momento haja sido feito a fim de ser modificado esse estado de coisa”. E, no entanto, desde que Kardec lançou a Doutrina Espírita, quantas realizações, quantos estudos, quanta pesquisa, quanta documentação que a ciência oficial continua teimosamente a ignorar, enquanto milhões de seres gemem aflições que nem mesmo conseguem entender.
Nos “Prolegômenos” é feito um breve relato histórico acerca do fenômeno mediúnico, pelo qual a todo instante, através do tempo, os espíritos dos “mortos” vêm atestar a sua própria sobrevivência. Finalmente, no texto “Examinando a obsessão” o autor apresenta um estudo doutrinário extremamente lúcido e útil tanto àqueles que já têm algum conhecimento da Doutrina como para os leigos. Dessa forma, qualquer pessoa razoavelmente esclarecida, mesmo sem estudo aprofundado do Espiritismo, pode beneficiar-se dos conhecimentos que os fatos relatados vão revelando ao longo de todo o livro.
Por isso, a narrativa mesma somente começa no capítulo 1 do livro.
Ângulos insuspeitados dos processos obsessivos começam a desdobrar-se diante dos nossos olhos à medida que a história se revela nos seus intrincados meandros. Lá está a grande luta da vida, nos seus diversos setores e nos dois planos da existência: ódios que geram vinganças, angústias que clamam por socorro, dedicações que redimem.
E assim como há equipes voltadas para o bem, tentando libertar tantos seres acorrentados às suas dores, vemos que há também organizações bem estruturadas, dirigidas com mão de ferro e inteiramente consagradas à prática de espalhar aflições. Assistimos estarrecidos ao funcionamento de uma instituição dessas, sob a direção do Dr. Teofrastus, espírito altamente inteligente, experimentado e conhecedor das leis do mundo espiritual, às quais desobedece deliberadamente, com o intuito não apenas de saciar suas paixões pessoais de vingança como ainda de instruir outros para também saciarem com rigor e conhecimento os seus ódios.
Teofrastus, por certo, não ignora as responsabilidades que assume, nem desconhece a extensão e gravidade dos compromissos que subscreve para futuro resgate. Nem por isso, no entanto, recua diante da tarefa a que se impôs livremente e que exerce com a prepotência de um soberano impiedoso na administração absoluta de seus domínios.
Como, então, subtrair alguém da influência desse homem que o crime endureceu e que conta com uma organização rígida ao seu dispor? Até mesmo o acesso às regiões tenebrosas onde opera é difícil e arriscado: tudo é vigiado; os desconhecidos são examinados e mantidos sob suspeita, num ambiente opressivo de angústias indefiníveis. É preciso, no entanto, encontrar uma brecha nas muralhas de ódio que cercam o poderoso mago, para que a luz penetre na sua alma. Dedicadíssimos benfeitores espirituais descobrem-na afinal. A
fórmula mágica e infalível é, como sempre, o amor. Numa pobre criatura que sofre horrores na carne, identificam os mensageiros do Bem a secular paixão de Teofrastus. Somente quando o impiedoso diretor das trevas recebe o impacto da dor, ao ver a bem-amada sob a angústia da perseguição espiritual, é que começa a compreender a extensão da sua própria tragédia íntima e da inutilidade do seu programa de trabalho.
A trama começa a desenovelar-se pouco a pouco, libertando-se das suas aflições tanto perseguidos como perseguidores. Só daí em diante os conflitos começam a resolver-se em processos reencarnatórios, pelos quais antigos desafetos se reencontram sob as bênçãos de novos lares constituídos na Terra.
*
Quanto à história, em si, seria impraticável resumi-la numa apreciação sumária como esta; julgo, no entanto, oportuno destacar um episódio do relato, ocorrido do lado de cá da vida.
José Petitinga, venerável figura do Espiritismo na Bahia, subira à tribuna para uma palestra evangélica. Estudava-se O Evangelho segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, e o texto do dia era a mensagem intitulada “Perdão das ofensas”, ditada em Bordeaux, em 1862, por um Espírito que assinou apenas Simeão.
Numa das pausas da dissertação de Petitinga, entrou pela sala um pobre homem atormentado, evidentemente sob o controle de um Espírito infeliz, o qual bradou ruidosamente:
— Hipócrita! Quem és para pregar? Imperfeito como tu, como te atreves a falar da verdade e ensinar pureza, possuindo largas faixas de desequilíbrio íntimo, que ocultas dos que te escutam? Dize!
Caiu sobre todos na sala um pesado constrangimento. Petitinga, sob forte emoção, fitou o pobre homem e declarou com humildade:
— Tens toda a razão e eu o reconheço. O tema em pauta, hoje, que o caro irmão não ouviu, se refere exatamente ao “Perdão das ofensas”...
Mas o Espírito não estava disposto a ouvir e acusou-o de tentar escapar covardemente.
— Refiro-me às condições morais de que se devem revestir os que ensinam ao que chamas a verdade, e que te faltam... Desafio-te a que abandones a tribuna religiosa ou abandones a vida que levas...
Não era possível continuar o duelo verbal diante da assistência
atônita e que conhecia muito bem as claras virtudes pessoais do bondoso pregador espírita.
Voltando-se, então, para o público, Petitinga fez longa, humilde e serena confissão daquilo que, a seu ver, constituía suas deficiências espirituais. Falou das lutas íntimas que experimentava, tentando melhor servir à causa que abraçava. Que persistiam no seu espírito arestas ásperas que procurava eliminar. Que ainda lhe pesava um passado sombrio de erros. Mas que jamais abandonaria o serviço do Mestre só porque tinha “as mãos impróprias”, pois que por toda parte nascia a erva daninha e escasseavam obreiros. Que preferia “ser enfermo ajudando doentes” a ficar na ociosidade, esperando tornar-se bom para então trabalhar pelo próximo. E depois de desfiar todas as suas fraquezas humanas, concluiu com uma prece:
“Perdoa-me, Senhor, na imperfeição em que me demoro e ajuda-me na redenção que persigo...”.
A essa altura, a tensão do ambiente era insuportável e Petitinga deixava correr suas lágrimas. Subitamente, o Espírito
invasor atira o seu médium ao chão e pede perdão a Petitinga, em altos brados, vencido pela humildade cristã do velho pregador.
Petitinga desceu da tribuna para socorrer com o poder da prece comovida o Espírito arrependido que antes lhe dizia palavras tão duras e injustas.
Pouco depois o médium despertou para a realidade que o cercava, sem saber o que se passara naqueles momentos dramáticos.
Que estava fazendo ali? Petitinga esclareceu-o em poucas palavras e retornou à tribuna para prosseguir sua preleção, como se nada houvesse acontecido.
Hermínio C. Miranda do livro:
Reencarnação e Imortalidade
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