Quem é o Espírito de Verdade, Guia de Allan Kardec?
Hermínio C. Miranda
Embora ele não o suspeitasse, ali estava a tarefa da sua
vida, à qual ele se devotaria com todo vigor durante os quatorze anos que lhe
restavam.
O sisudo professor deve ter meditado muito naquela noite
e nos dias que se seguiram. Dentro em pouco, estaria frequentando regularmente
as sessões realizadas pela família Baudin, que ficara conhecendo na residência
da sra. Plainemaison, onde assistira à reunião de maio de 1855.
Em 11 de dezembro do mesmo ano (1855), através da sra. Baudin, Rivail perguntou a seu amigo espiritual Zéfiro se havia, no mundo dos espíritos, alguém que fosse para ele o que chamou "bom gênio", ou seja, um guia espiritual.
A resposta foi positiva. O professor, contudo, era um hábil e persistente perguntador, e quis saber de quem se tratava. Zéfiro não foi menos hábil nas respostas, cujo conteúdo se resume no seguinte: Sim, Rivail tinha o seu guia espiritual; este, porém, não era seu parente nem amigo pessoal; fora "um homem justo de muita sabedoria" e que viria recebê-lo quando ele regressasse à vida espiritual e felicitá-lo se houveres desempenhado bem a tua tarefa.
Kardec, comentaria, mais tarde, ao reproduzir o breve diálogo com Zéfiro, a sua inexperiência com as "coisas do mundo espiritual" àquela altura, em vista do teor das perguntas formuladas. A questão da identidade de seu guia, contudo, deveria ocupar com certa insistência a sua mente, pois, na mesma reunião do dia 11, ele prossegue, informando a Zéfiro que há algum tempo evocara um espírito, que identifica apenas com a inicial S. e lhe perguntara se ele poderia ser o "gênio protetor" de algum dos presentes, ele, Kardec, inclusive, naturalmente. O espírito deu uma resposta sumária:
- Mostre-se um de vós digno disso, e estarei com esse; Z.(Zéfiro) vô-lo dirá,
A questão é suscitada novamente, ainda em casa da família
Baudin, desta vez através de uma das moças. Na noite anterior, Kardec
trabalhava na redação de suas anotações, quando começou a ouvir leves pancadas
na parede do seu gabinete de estudo. Por várias vezes interrompeu o que vinha
fazendo para investigar o estranho fenômeno, que cessava prontamente. Bastava
sentar-se para retomar o trabalho e novamente as batidas se faziam ouvir.
Lá pelas dez horas da noite, a sra. Rivail, que chegava
da rua, ouviu também as pancadas e perguntou ao marido que era aquilo.
- Não sei, respondi-lhe, há uma hora que isto dura.
Juntos, examinaram tudo e nada descobriram, quanto às
causas do misterioso ruído, que continuou até à meia noite, quando o professor
interrompeu seus trabalhos para deitar-se.
Foi na sessão do dia seguinte, 25 de março, que ele
resolveu pedir aos seus amigos espirituais uma explicação para o insólito
fenômeno. Disseram-lhe que os ruídos foram provocados pelo seu "Espírito
familiar" - ou seja, seu guia - que desejava comunicar-se com ele.
Rivail pergunta prontamente:
- Poderíeis dizer-me quem é ele?
A resposta foi inesperada: Rivail poderia perguntar-lhe diretamente, pois o espírito estava ali, presente.
Em nota explicativa a essa resposta, Kardec informaria
mais tarde, como está em Obras Póstumas, que, por essa época, "ainda não
se fazia distinção nenhuma entre as diversas categorias de Espíritos
simpáticos. Dava-se-lhes a todos a denominação de Espíritos familiares".
Dirigindo-se, pois, ao seu "Espírito familiar",
Rivail agradeceu-lhe a presença e lhe perguntou em tom respeitoso:
- Consentirás em dizer-me quem és?
- Para ti, chamar-me-ei A Verdade - disse ele - e todos
os meses, aqui, durante um quarto de hora, estarei à tua disposição.
Quanto à manifestação em sua casa, na véspera, a
explicação foi a seguinte:
- O que eu tinha a dizer-te era sobre o trabalho a que te
aplicavas; desagradava-me o que escrevias e quis fazer que o abandonasses.
Cabia, porém, ao próprio Rivail reexaminar o texto, a fim
de identificar as falhas e corrigi-las. Aliás, o capitulo já fora reescrito,
mas ainda não satisfazia ao seu autor e nem ao espírito, que se limitou a
dizer:
- Está melhor, mas ainda não satisfaz. Relê da terceira à
trigésima linha e com um grave erro depararás.
Esclarecido esse aspecto, Rivail retoma a questão da
identidade do espírito e lhe pergunta se o nome que ele adotou (Verdade) é
uma alusão à verdade, que ele procurava.
- Talvez; pelo menos, é um guia que te protegerá e ajudará. (Destaque desta transcrição).
Após receber algumas instruções, o professor insiste em
saber se o espírito com o qual dialoga teria animado na Terra alguma personagem
conhecida"
A resposta é firme, um tanto severa:
- Já te disse que, para ti, sou a Verdade; isto, para ti,
quer dizer discrição; nada mais saberás a respeito. (Os destaques são do
próprio Kardec).
Nas entrelinhas desse breve diálogo encontramos vultosas
implicações. Em primeiro lugar, a autoridade e a segurança que o espírito
revela. É firme e discreto, deixando bem claro que não fará por Rivail, o
trabalho que cabe a este fazer, mas, ao mesmo tempo, supervisiona-lhe a tarefa,
acompanhando-a passo a passo, palavra por palavra, não hesitando em chamar-lhe a
atenção para eventuais erros cometidos e a manifestar-lhe seu desagrado quando
o texto não estiver satisfatório. É evidente que se trata de espírito de
elevadíssima condição evolutiva, mas não deseja que sua autoridade se apoie em
um nome, por mais famoso, importante e respeitado que seja - ela tem que
decorrer do nível, da qualidade, do conteúdo de seus ensinamentos e da sua
orientação.
Na reunião de 9 de abril de 1856, Rivail volta a debater
o problema do texto que fora objeto de seu primeiro contato direto com o
Espirito Verdade. Descobrira os erros e reescrevera o estudo, mas seu Amigo
Espiritual ainda não se dá por satisfeito, limitando-se a dizer-lhe que o acha
melhor, e que aguarde um mês antes de divulgá-lo.
Nova surpresa: Rivail não está pensando em publicar nada daquilo, pelo menos por enquanto. "Não tenho, bem sabes, a intenção de publicá-lo já, se é que o haja de publicar."
O espírito não insiste. Diz apenas que não deve mostrá-lo
a terceiros, pois ainda terá que melhorar o texto. O diálogo termina com a
confirmação de que ele é um guia espiritual e que não apenas proporcionará
orientação aos trabalhos intelectuais de Rivail, mas também, nos aspectos
materiais da vida.
- Nesse mundo - comenta - a vida material é muito de
ter-se em conta; não te ajudar a viver seria não te amar.
Uma bela e concisa resposta. Em nota escrita posteriormente, Kardec prestaria os seguintes e importantes esclarecimentos adicionais:
- A proteção desse Espírito, cuja superioridade eu então
estava longe de imaginar, jamais, de fato, me faltou. A sua solicitude e a dos
bons espíritos que agiam sob suas ordens se manifestou em todas as
circunstâncias da minha vida...
Depreende-se, portanto, destes comentários, que, no
devido tempo, o Espírito Verdade resolveu identificar-se nominalmente a Kardec,
mas este manteve-se fiel ao compromisso de não lhe revelar a identidade. Quanto
à sua condição na hierarquia dos valores espirituais, não resta sombra de
dúvida que se trata de entidade do mais elevado porte evolutivo, pois a ela se
subordina e sob suas ordens serve, na formulação da jovem doutrina, verdadeira constelação de espíritos luminosos: filósofos, teólogos, poetas,
escritores, cientistas, evangelistas, apóstolos, reis e antigos santos da
Igreja, todos empenhados na nobre e urgente tarefa de reformulação do
pensamento religioso.
Em 30 de abril, no mesmo ano de 1856, período de importantes revelações pessoais para o prof. Rivail, um espírito manifestado em casa do sr. Roustan, por intermédio da srta. Japhet, proporciona a Rivail a primeira indicação concreta do vulto de sua missão, chamando-o "obreiro que reconstrói o que foi demolido".
Uma semana depois, ainda pela srta. Japhet, o espírito
Hahnemann confirma-lhe a indicação, acrescentando que lhe caberia
"cumprir aquilo com que sonhas desde longo tempo". Quando Rivail
lembra suas próprias limitações, o espírito lhe diz:
- Deixa que a providência faça a sua obra e serás
satisfeito.
Em 12 de junho, Rivail tem oportunidade de conferir as informações anteriores acerca da sua tarefa, com o Espírito Verdade, seu guia. A sessão é realizada na residência do sr. C. e a médium é Aline C. O momento parece algo solene. Até então, Rivail vinha dialogando com seus amigos espirituais, elaborando perguntas, anotando respostas e escrevendo comentários com a finalidade de instruir-se. Não tinha em mente nenhum outro propósito. Não pensava sequer em publicar suas anotações, como vimos. Agora, porém, os espíritos começavam a falar-lhe de uma tarefa de vulto, verdadeira missão, na qual ele parecia figurar como o principal responsável e líder entre os seres encarnados. Seria isso verdadeiro, ou estariam apenas testando seu amor próprio, ou seja, incensando sua vaidade? Segundo entendia ele, acertadamente, claro, colaborar na divulgação da verdade era uma coisa, mas incumbir-se de liderar o movimento, era algo bem diferente e ele se mostra perplexo ante a preferência que isso significaria, se confirmada a sua escolha. Em suma: queria uma palavra final do Espírito Verdade, no qual aprendera a confiar e respeitar.
A resposta não poderia ter sido mais clara. Vale a pena
relê-la:
- Confirmo o que te foi dito, mas recomendo-te muita discrição, se quiseres sair-te bem. Tomarás mais tarde conhecimento de coisas
que se te explicarão o que ora te surpreende.
Não esqueças que podes triunfar, como podes falir. Neste
último caso, outro te substituiria, porquanto os desígnios de Deus não assentam
na cabeça de um homem. Nunca, pois, fales de tua missão; seria a maneira de a
fazeres malograr-se; ela somente pode justificar-se pela obra realizada e tu
ainda nada fizeste. Se a cumprires, os homens saberão reconhecê-lo, cedo ou
tarde, visto que pelos frutos é que se verifica a qualidade da árvore.
Resposta modelar, na qual estão definidos com impecável nitidez, os riscos, as responsabilidades e as consequências do êxito ou do fracasso da missão que lhe é atribuída. Nada de elogios vãos - que muitos, até hoje, chamam estímulo - nem o menor interesse em minimizar as dificuldades da tarefa; pelo contrário.
A uma nova observação de Rivail, o Espírito Verdade
prossegue, dizendo:
- A nossa assistência não te faltará, mas será inútil se,
de teu lado, não fizeres o que for necessário. Tens o teu livre-arbítrio, do
qual podes usar como o entenderes. Nenhum homem é constrangido a fazer coisa
alguma. (Destaque desta transcrição).
Quando Rivail deseja saber o que poderia acarretar-lhe o
malogro da sua tarefa, o espírito lembra que a missão dos reformadores é
espinhosa. E lhe fala mais longamente do assunto, nestes termos:
- Previno-te de que é rude a tua (missão), porquanto se
trata de abalar e transformar o mundo inteiro. Não suponhas que te baste
publicar um livro, dois livros, dez livros, para em seguida ficares
tranquilamente em casa. Tens que expor a tua pessoa.
O trecho seguinte adquire as tonalidades de verdadeira
profecia, que, aliás, cumpriu-se rigorosamente:
- Suscitarás contra ti ódios terríveis; inimigos
encarniçados a se conjugar para tua perda; ver-te-ás a braços com a
malevolência, com a calúnia, com a traição mesma dos que te parecerão os mais
dedicados; as tuas melhores instruções serão desprezadas e falseadas; por
mais de uma vez sucumbirás sob o peso da fadiga; numa palavra: terás que
sustentar uma luta quase contínua, com o sacrifício de teu repouso, da tua
tranquilidade, da tua saúde e até da tua vida, pois sem isso, viverias muito
mais tempo.
Após essa antecipação profética dos percalços que o aguardavam, o espírito parece deixar entreaberta a opção de retirada, ainda a tempo, enfatizando as responsabilidades, que eram pesadíssimas:
- Ora bem! Não poucos recuam quando, em vez de uma
estrada florida, só veem sob os passos urzes, pedras agudas e serpentes. Para
tais missões, não basta a inteligência. Faz-se mister, primeiramente, para
agradar a Deus, humildade, modéstia e desinteresse, visto que Ele abate os orgulhosos, os
presunçosos e os ambiciosos. Para lutar contra os homens, são indispensáveis
coragem, perseverança, e inabalável firmeza. Também são de necessidade
prudência e tato, a fim de conduzir as coisas de modo conveniente e não lhes
comprometer o êxito com palavras ou medidas intempestivas. Exigem-se, por fim,
devotamentos, abnegações e disposição a todos os sacrifícios. Vês, assim, que
a tua missão está subordinada a condições que dependem de ti. (Novamente os
destaques são meus).
Ninguém melhor do que Rivail sente a solene importância
do momento. Agradece as palavras do Espirito Verdade, aceita "tudo, sem
restrição e sem ideia preconcebida", e faz uma comovida prece a Deus, para
que se faça a vontade d'Ele. "Está nas tuas mãos a minha vida - diz na prece
-, dispõe do teu servo".
Em longa nota que se segue a esse emocionante diálogo,
Kardec declararia, cerca de dez anos mais tarde, que a previsão realizou-se
"em todos os pontos", nas dificuldades e amarguras das aflições, mas
também colheu inefáveis alegrias e bênçãos, sempre sob a atenta cobertura
espiritual de seus amigos espirituais, com o Espírito Verdade à frente.
Ao iniciar-se o ano de 1860, Kardec especula sobre a
duração de seus trabalhos. Imagina que lhe restem ainda cerca de dez anos para
conclusão de sua tarefa, mas, como de seu hábito, não comenta com ninguém tal
suposição. E, pois, com surpresa que recebe de Limoges uma comunicação na qual
um espírito ali manifestado dissera precisamente isso, ou seja, que em dez anos
estariam concluídos seus trabalhos.
Mais uma vez recorre ao seu guia, o Espírito Verdade, que confirma, em sessão de 24 de janeiro de 1860, em casa do sr. Forbes, 0 "recado" dado em Limoges. A médium foi a sra. Forbes.
Em 10 de junho de 1860, em sua própria casa, por
intermédio da sra. Schimidt, o Espirito Verdade informa que ele, Kardec, teria
"grandes satisfações" antes de voltar para junto dos amigos espirituais "por um pouco".
Atento a qualquer palavra de seu guia espiritual, Kardec
pergunta prontamente a razão daquele enigmático " por um pouco".
- Não permanecerás longo tempo entre nós - diz-lhe o
Espírito Verdade. - Terás que volver à Terra para concluir a tua missão, que
não podes terminar nesta existência. Se fosse possível, absolutamente não
sairias daí; mas, é preciso que se cumpra a lei da Natureza. Ausentar-te-ás por
alguns anos, e, quando voltares, será em condições que te permitam trabalhar
desde cedo. Entretanto, há trabalhos que convém os acabes antes de partires;
por isso, dar-te-emos o tempo que for necessário a concluí-los. (Destaques
meus).
Como sempre, a sobriedade, a firmeza, a autoridade, a precisão de linguagem, a objetividade na avaliação do contexto. Kardec é informado para concluir a sua tarefa. No exercício de poderes e de uma autoridade inquestionáveis, o espírito acrescenta, com singeleza, que concederá ao seu pupilo o tempo necessário à conclusão daquela etapa do seu trabalho entre os homens. O restante ficaria para a próxima existência, quando começaria a trabalhar bem jovem.
Creio legitimo supor que, dos frequentes diálogos de Kardec com seu guia espiritual, resultaram inúmeras instruções e até revelações de maior importância, que ele não tenha achado prudente ou oportuno divulgar, ou sobre as quais tenha sido instruído a manter-se em silêncio. O que nos chegou, porém, ao conhecimento é suficiente para se ter uma ideia da elevadíssima condição dessa entidade. É importante observar-se, ainda, que o espírito apresenta-se invariavelmente, com as mesmas características, a mesma autoridade e segurança, concisão e objetividade, pelos diferentes médiuns através dos quais manifesta seu pensamento: sra. e srta. Baudin, srta. Japhet, Aline, sra. Forbes, sra. Schimidt. Não estava, pois, ligado a nenhum deles em especial, o que, evidentemente, tranquilizava Kardec quanto à sua condição e sua individualidade, ainda que não identificada, àquela altura, com qualquer personalidade histórica conhecida, como desejava Kardec.
É de supor-se, ainda, que Kardec tenha levado alguns anos
para obter a identificação precisa do espírito, mas é certo que esta lhe foi
revelada em alguma oportunidade muito especial, pois, como vimos, ele diria
mais tarde que, àquela época (1856), estava longe de imaginar a superioridade
desse espírito. Mesmo depois de conhecida sua identidade, porém, Kardec
manteve-se fiel ao seu compromisso de discrição, em obediência, aliás, a
instruções específicas do espirito.
Não é, contudo, difícil descobrir-se de quem se trata, ou
seja, quem é o Espírito Verdade, guia espiritual de Allan Kardec e dirigente
máximo da equipe que formulou e transmitiu a Doutrina Espirita.
Em O Livro dos Médiuns, cuja primeira edição é de 1861, Kardec reproduz, no Capítulo XXXI - Dissertações Espiritas, várias comunicações, separando as que considera boas e autênticas, de outras, que ele não hesita em reunir sob o título "Comunicações apócrifas", ou seja, falsas. Uma delas, em especial, merece longa e interessantíssima referência, por trazer as seguintes características: 1) Fora recebida, em 1860, por um dos melhores médiuns do seu grupo; 2) o texto revela "superioridade incontestável da linguagem e das ideias"; 3) vinha assinada por Jesus.
Mesmo assim, contudo, a divulgação era feita "sob todas as reservas", em vista do respeito devido ao nome daquele que a subscrevia, o que representaria "insigne favor". Não que ele, Kardec, excluísse a possibilidade de uma comunicação direta do Cristo: "De modo algum - escreve - duvidamos de que ele possa manifestar-se". Preferiu, contudo, deixar as coisas ainda sob reserva, convidando os leitores a que "cada um julgue por si mesmo se aquele de quem ela traz o nome não a renegaria"
É evidente, porém, que ele a considera aceitável e
autêntica, a despeito das ressalvas. Do contrário, tê-la-ia classificado como
duvidosa, ou sumariamente apócrifa, como, aliás, fez com outras, também
assinadas com o nome de Jesus. Ao comentar estas últimas, ele declara que nada
há nelas de intrinsicamente mau, mas adverte que o Cristo não usou jamais
aquela linguagem pretensiosa, enfática e empolada".
Três anos depois, contudo, ou seja, em 1864, ao publicar
a primeira edição de O Evangelho Segundo o Espiritismo - com o título
originário de Imitation de l'Evangile selon le Spiritisme (Ver 1ª edição
brasileira do original francês, FEB, 1979, Rio), Kardec não teve dúvida em
incluir, com algumas alterações redacionais de pequena monta, a mesma
comunicação que, em O Livro dos Médiuns, fora atribuída a Jesus. A assinatura, porém, não é a de Jesus e sim do Espírito Verdade, bem como em outras que ali estão transcritas, no capítulo VI de O Evangelho, páginas 123 a 126,
57ª edição da FEB.
Essa é, aliás, a mensagem na qual figura a dramática e
muito citada exortação:
- Espíritas! Amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí- vos, este o segundo. No Cristianismo se encontram todas as verdades; são de origem humana os erros que nele se enraizaram. Eis que do além-túmulo, que julgáveis o nada, vozes vos clamam: Irmãos! nada perece. Jesus Cristo é o vencedor do mal, sede os vencedores da impiedade.
Não há como duvidar, portanto, de que, em algum momento,
presumivelmente entre 1861 e 1863, Kardec foi informado de que o Espírito
Verdade era o próprio Cristo.
Essa identificação está clara, aliás, nos textos das
mensagens reproduzidas em O Evangelho Segundo o Espiritismo, no já mencionado
capítulo VI - O Cristo Consolador.
- Venho, como outrora, aos transviados filhos de
Israel... O Espiritismo, como o fez antigamente a minha palavra... Revelei a
doutrina divinal. Como um ceifeiro, reuni em feixes o bem esparso no seio da
humanidade e disse: Vinde a mim, todos vós que sofreis.
Em mensagem recebida em Paris, em 1861, também reproduzida em O Evangelho Segundo o Espiritismo, encontramos esta outra observação:
- Estou convosco e meu apóstolo vos instrui.
- Sou o grande médico das almas - diz a comunicação
recebida em Bordéus, em 1861 - e venho trazer o remédio que vos há de curar.
(...) Vinde, pois a mim, vós que sofreis e vos achais oprimidos, e sereis
aliviados e consolados.
A identificação do Espírito Verdade com Jesus é confirmada em outro livro de boa fonte mediúnica, publicado após a partida de Allan Kardec para o plano espiritual. Chama-se este Rayonnements de la vie spirituelle, tendo funcionado como médium, a sra. W. Krell, de Bordéus, autora também, do prefácio. (Suponho ter sido ela a médium que recebeu, em 1861, a mensagem subscrita pelo Espírito Verdade e incluída por Kardec em O Evangelho Segundo o Espiritismo). Rayonnements... é uma coletânea de comunicações de escritores e poetas da língua francesa, como André Chénier, Lamartine, Musset e mensagens outras de autoria de espíritos respeitáveis, inclusive Kardec e o próprio Espírito Verdade, que comparece com cinco textos de elevado teor.
No Natal de 1873, por exemplo, o Grupo de Bordéus recebeu
a famosa Prece de Cáritas, e, no Natal seguinte, em 1874, o Espírito Verdade
traz uma luminosa palavra de consolo e encorajamento, que assim começa:
- Qual o país que, nesta noite, meu nome não seja
pronunciado?
Por toda parte, onde se encontrem corações sinceros,
envio um raio de luz, mas, como outrora, não manifestarei minha presença entre
o incenso, o ouro e as flores; como outrora, não escolho um palácio, mas
humilde manjedoura, berço de devotamento e de amor, asilo de felicidade!
Em abril de 1873, uma "sexta-feira santa", escreve
o Espirito Verdade, por intermédio da Sra. Krell:
- Filhos, por toda parte, nesta noite, glorifica-se a
morte do Cristo, por toda parte, o engano, pois não é a sua morte que vos
resgatou, é a sua vida!
Não é, também, pelo seu sofrimento de algumas horas
prossegue - que o ser humano se resgata, porque muitos outros foram
martirizados por suas ideias, e sim pela sua doação "na plenitude da minha
vontade e do meu amor".
- O que resgata a terra é a realidade espiritual, cuja
existência demonstrei; é o meio de vencer a matéria e chegar à perfeição, que
ensinei em cada momento de minha vida aqui embaixo.
- Um só caminho - diz, mais adiante - leva à perfeição: a
Caridade! Ensinai a minha doutrina em toda a sua simplicidade.
Mostrai aos cegos que vos cercam, a puerilidade dos seus
costumes, a vaidade de seus cultos. Mostrai que é somente a Deus que se deve
adorar. Dizei-lhes que o mais belo templo é um coração puro; que a melhor
prece, é o trabalho, é o pensamento de amor pelas criaturas e de reconhecimento
ao Criador!
- Pregai não somente por palavras - é o ensinamento final
desta bela mensagem - mas sobretudo, pelo exemplo! Eu vos dou meu pensamento,
eu vos atraio a mim, caminhai em paz à sombra do meu estandarte.
Na Introdução, também recebida mediunicamente por Madame Krell, Melanchthon (espírito) diz que é à entidade que hoje se chama
Espírito Verdade, que devem ser dirigidas as nossas homenagens, "a esse
espírito sempre grande, espirito perfeito que jamais se desviou do caminho da
virtude".
Em instruções transmitidas pelo médium sr. Albert, da Socidade de Paris, conforme se lê na Revista Espírita, de janeiro de 1864,
Hahnemann discorre sobre o grave problema da obsessão, que poderá ser minorado
quando, "pelo melhoramento de sua conduta, cada um procurará adquirir o
direito que o Espírito de Verdade, que dirige este globo, conferirá quando for
merecido".
Em Missionários da Luz, reproduz André Luiz emocionada
prédica do mentor Alexandre, que adverte:
-... Porque audácia incompreensível imaginais a
realização sublime sem vos afeiçoardes ao Espírito de Verdade, que é o próprio
Senhor?
Não há, pois, como ignorar a óbvia e indiscutível conclusão de que, sob o nome Espírito Verdade, o Cristo dirigiu pessoalmente os trabalhos de formulação e implementação da Doutrina dos Espíritos, caracterizando-a como o Consolador que prometera há dezoito séculos. A Doutrina Espírita é a sua doutrina. Os espíritos que nela colaboram, a ele estão subordinados, Kardec é o seu apóstolo e o trabalho terá prosseguimento em nova etapa, quando o próprio Kardec, ainda jovem e reencarnado em novo corpo, retomar a sua tarefa para levá-la a novos patamares de realização.
- Para seguirmos corretamente o espiritismo, devemos submeter todas as mensagens mediúnicas ao crivo duplo de Kardec, sendo eles, a razão e a universalidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário, sugestão, etc...