terça-feira, 26 de outubro de 2021

Espiritismo e falsas revelações superiores

Espiritismo e falsas revelações superiores

Ignácio Bittencourt


Ignácio Bittencourt

TODOS ESTAMOS JUNTOS no grande barco. Somos forçados a conviver tanto com aqueles a quem admiramos e respeitamos, quanto com os que preferiríamos não ter a nosso lado. Quantas vezes agimos com precipitação, assemelhando-nos a crianças caprichosas, que, aos rompantes, exigem a guloseima de sua preferência. Esperamos, oniricamente, o mar de rosas, mas quase nunca nos lembramos de que os cultivadores das belas roseiras, que nos enchem os olhos, numa estética sublime e nos plenificam o olfato com essência inebriante, enfrentam as mais rudes dificuldades, da semeadura à colheita.

Dentre as roseiras, uma existe, plantada pelas mãos do Senhor, cultivada por emissários divinos, a qual teve um dos seus botões colhidos por Allan Kardec. Que ela prossiga abençoando os pântanos do mundo. Nossa flor não se destina aos jardins da bem-aventurança ou aos jarros de fino cristal, adornando lares diversos; ela está dirigida à nossa conversão para a bem-aventurança, prometida por Jesus, segundo os esforços que empenhássemos.

Decerto, todos os jardins sofrem invasões de ervas daninhas, as quais se disfarçam em subterfúgios incontáveis, às vezes numa humildade superficial, tentando enraizar-se e ganhar força. Lutam pela discórdia na família de Jesus, integrada pelos coxos, pelos estropiados, pelos pobres, abastados e ricos, assim pelos bons como pelos maus, uma vez que existe, aos olhos do Senhor, tão-somente um imenso número de sofredores, todos seus irmãos e nossos irmãos; e, para Deus, só há filhos, a quem Ele jamais dará pedras! Convenhamos que as pedras de nossas existências nada tem a ver com Deus: são escolha nossa. Nada acrescentemos a isso: retornemos à nossa rosa.

Cabe-nos preservá-la, naquilo que nos toque. Não nos esqueçamos, por minuto sequer, de que o Espiritismo abrange as mais surpreendentes formas de consolo, ainda que se revistam de aparentes contradições. Só assim pode ele balsamizar os ares irrespiráveis da Terra onde vivemos. Ele é o elemento vivo da retomada do Evangelho do Senhor, em Espírito e Verdade: todos os homens, das mais longínquas nações, das aldeotas às metrópoles, retornarão a Ele.

Se este é um plano estabelecido, atenção, no entanto, para as influências estranhas: cuidemos da terra, porque reside principalmente nela a força da planta. É sabido que a Verdade assume inúmeras facetas, respondendo pelas necessidades de cada povo. A nós, todavia, há facetas primitivas da verdade restrita que já não mais convêm. Não mais podemos aceitar as fantasias absurdas que, povoando a mente humana, por vezes querem alar voo e ditar normas. Busquemos. Isto sim, a pureza dos princípios espíritas, que Kardec codificou, o que nos manterá em guarda contra os excessos, estes ditados pelos desejos irreprimidos de nosso coração. Se não nos cabe combater nossos irmãos de outras crenças, nem por isso se nos está autorizada uma passividade tal, que tudo nos leve a aceitar sem reservas. Alias, é conveniente ressaltar, se outras religiões agem como estágios antecedentes à verdade espírita, faz-se urgente que nos mantenhamos em guarda contra os falsos profetas, os que nos trazem revelações fantasiosas, fáceis, porém, de serem aceitas pelo Espírito não dado à reflexão, porque, em geral, os emissários do desentendimento aproveitam os primeiros impulsos do homem velho para materializá-los, em forma da barra de chocolate para a criança gulosa, e todas as tentações para o invigilante. Firmam as primeiras impressões, sempre que lhes apoiem as teorias absurdas, para, logo após, hipnotizar as vítimas, boicotando-lhes a atividade libertadora, privando-as das legítimas edificações espirituais, em nada capciosas, para, enfim, quando desejar o homem libertar-se, fazer com que se veja ele preso ao tribunal da própria consciência, onde ouvirá a leitura do libelo. Ante a sentença do juiz, que é ele mesmo, só lhe restará, então, recolher-se a célula, para chorar na solidão o desespero do invigilante e o tormento do culpado. Guardemos atenção.

Ignácio Bittencourt
(Mensagem recebida reunião pública de
02/01/1976 na F.E.B. Seção-Rio.)
Revista Reformador - Fev. 1976 - F.E.B.

Nota: Os destaques são do texto original.
RDB

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Recorte da publicação original:
Revista Reformador - Fev. 1976 - F.E.B.
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