sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Lastros Espirituais

Lastros Espirituais

Richard Simonetti


A Vida futura reserva aos homens penas e gozos compatíveis com o procedimento de respeito ou não à Lei de Deus.

Era conhecido como João do Vento.

O apelido não fazia referência a qualquer afinidade com ventanias. Ao contrário, tinha horror a qualquer movimento atmosférico, ainda que leve brisa.

Dentro de casa mantinha hermeticamente fechadas portas e janelas. Considerava aparelhos de ar condicionado uma tortura; puro masoquismo o uso do ventilador.

Não obstante, era um homem bom, caridoso, sempre disposto a socorrer doentes e necessitados.

Com exceção dos problemas gerados por sua fobia, vivia bem com a família, cumpria seus deveres, fazia o melhor...

Por isso, quando morreu foi conduzido ao Céu.

Tinha tudo para desfrutar de inefáveis bem-aventuranças, mas havia um probleminha: as paragens celestiais eram intoleravelmente ventiladas.

Sopravam aragens incessantes, cariciosas para os eleitos, tormentosas para nosso herói.

E tanto se incomodou que um dia procurou São Pedro e pediu transferência para o Purgatório.

O santo ponderou que não seria razoável. Enfrentaria sofrimentos e atribulações...

— Não importa — desabafou —, quero mesmo é livrar-me das correntes de ar.

Ante sua insistência, foi-lhe concedida a autorização.

Passado algum tempo, preocupado, o guardião celeste pediu a um anjo que descesse ao departamento de purgação para ver como estava João.

Para surpresa do emissário, o atendente informou que o inquieto inimigo do vento mudara novamente de residência.

Reclamando contra a existência de correntes de ar, despachara-se para o Inferno. Alegara que em ambiente fechado, aquecido pelas fornalhas, ficaria melhor.

E o anjo desceu mais.

Bateu às portas do pedro-botelho.

Em breves momentos o próprio tinhoso abriu o postigo. Rispidamente, como é próprio do comportamento diabólico, perguntou-lhe o que desejava.

Antes que o anjo pudesse explicar, ouviu-se, lá de dentro, a voz de João do Vento, a pedir, enfático:

— Fecha a porta! Fecha a porta, por favor! Está fazendo corrente de ar!

Há certas ideias que são instintivas.

Exemplos: a imortalidade e as consequências das ações humanas na vida futura.

Antes mesmo de espremermos os miolos em torno do assunto, sentimos que somos imortais, que um dia, em outra vida, nos cobrarão pelo que estamos fazendo ou deixando de fazer.

São raros os negadores autênticos, convictos de que a única realidade é a matéria, num Universo sem criador e sem criaturas.

Semelham-se a filhos que não acreditam na existência do Pai.

Imaginam-se um mero aglomerado de células que o acaso fez pensantes.

Curioso que raros materialistas se suicidem ante as agruras da vida. Concebendo que a vida desemboca no nada, não haveria motivo para temores. Seria uma maneira prática de resolverem seus problemas.

É que têm medo.

Não conseguem compatibilizar a convicção materialista com o sentimento mais profundo, instalado no recôndito de suas almas, a lhes dizer que a sepultura é apenas a porta de ingresso em outra dimensão.

Segundo a Doutrina Espírita, quando o Espírito desencarna, deixa a dimensão física, onde ficou o corpo, a máquina que usava, e entra na dimensão espiritual, que se desdobra em vários níveis.

Os antigos diziam que há sete céus superpostos, acima da crosta terrestre, habitados pelos mortos, de conformidade com seus méritos.

Quanto maior o merecimento do falecido, mais alto vai viver, mais completa a felicidade. Por isso, quando alguém é muito feliz costuma-se dizer que está “no sétimo céu”, uma espécie de cobertura de luxo no edifício celeste.

Nossos ancestrais intuíram a verdade, embora não tivessem uma visão ampla sobre o assunto.

Imaginemos a Terra como uma imensa cebola.

Na primeira camada interior estaria a crosta, onde vivemos.

Nas demais, as regiões espirituais.

A densidade subordina-se à altura.

Nas mais altas estariam os Espíritos depurados.

Nas mais baixas, Espíritos comprometidos com a vida terrestre.

Quando desencarnamos estamos de imediato na primeira camada, muito densa, uma projeção do plano físico.

O que vai definir quanto tempo ficaremos por aqui é a condição de nosso perispírito, o corpo celeste, a que se refere Paulo, na Primeira Epístola aos Coríntios.

Quanto mais envolvido o indivíduo com a vida material, seus vícios e paixões, maior a densidade perispiritual.

Pessoas assim, ao desencarnarem permanecem em convivência com os homens, geralmente sem consciência de sua nova condição, por absoluto despreparo para a vida além-túmulo.

Não raro, atormentadas e perplexas, perturbam os familiares, procurando socorro.

Com o passar do tempo, desfazendo-se as vibrações mais grosseiras, o Espírito terá uma densidade perispiritual menor, como um balão que reduz o lastro que o prende à Terra.

Poderíamos situar as regiões próximas à Terra, que o Espírito André Luiz denomina umbral, como purgatoriais.

Nelas os desencarnados fazem estágios depuradores para “perder lastro”.

Na sua famosa A Divina Comédia, Dante Alighieri, poeta florentino, reporta-se a uma excursão que teria feito pelo Inferno e o Purgatório, guiado pelo poeta latino Virgílio; depois no Céu, conduzido por sua amada Beatriz.

Não obstante o caráter poético e fantástico da obra, tem-se a impressão de que Dante transitou pelo umbral durante o sono, quando ocorre a emancipação da alma.

Imaginou-se no Inferno ou no Purgatório, segundo o que via e os contatos que estabelecia com seus habitantes.

Depois, com Beatriz, identificou por celestes as regiões etéreas de nosso planeta, morada de Espíritos luminosos, em altos estágios de espiritualidade.

Existe muito de fantasioso em sua narrativa, mas há, também, aspectos surpreendentemente próximos do que nos revela a Doutrina Espírita.

Aprendemos, por exemplo, que os Espíritos em regiões purgatoriais tendem a se reunir, de conformidade com a natureza de suas mazelas e crimes. Constituem grupos afins, os avarentos, os assassinos, os assaltantes, os maledicentes, os invejosos, os viciosos, os pervertidos, exatamente como Dante descreve.

Destaque especial, nas informações espíritas, para os suicidas, que se situam em regiões específicas, de sofrimentos inenarráveis, sem similar na Terra.

São os chamados vales dos suicidas.

O estágio do Espírito em regiões umbralinas não é um castigo de Deus, nem implica o pagamento de suas dívidas, que deverão ser ressarcidas em novas existências na carne.

Está ali porque sua densidade perispiritual impede o acesso aos planos mais altos.

E ali ficará até que reconheça sua miséria moral e deseje sinceramente, do fundo de seu coração, modificar-se. Isso o libertará dos lastros da rebeldia e da revolta, habilitando-o a ser atendido em organizações assistenciais, em pleno umbral, verdadeiros oásis em meio à aridez do deserto.

Aqueles que praticam o bem e evitam todo mal apresentam, ao desencarnar, uma leveza perispiritual que os habilita a atravessar rapidamente as camadas densas do umbral, amparados por benfeitores espirituais.

Elevam-se a moradas espirituais que homem comum chamaria de paradisíacas.

Consideremos, entretanto, que isso jamais será garantia de felicidade em plenitude.

Semelhante realização só será concretizada quando nos integrarmos na dinâmica do Universo, cultivando o aprendizado incessante, o empenho permanente de renovação e o esforço no bem.

Aqui voltamos ao João do Vento.

O vento da renovação, o convite ao desenvolvimento de nossas potencialidades criadoras sopra em todos os quadrantes do Universo, como o hausto do Criador, na Terra e no Além, no Inferno ou no Céu.

Onde quer que estejamos, é de fundamental importância que nos movimentemos, porque, se pretendemos a beatitude e a contemplação, fechando-nos em nós mesmos, recusando-nos a caminhar, haveremos de nos sentir desajustados e infelizes, ainda que eventualmente estagiemos em regiões etéreas.

Se não tivermos medo dos desafios do progresso, se não nos furtarmos ao arejamento pelo vento da renovação, estaremos bem, mesmo nos sufocos da Terra.

E se parece estranho a alguém essa necessidade de atividade incessante, progredindo sempre, consideremos que isso não é novidade.

Jesus deixou isso bem claro, ao proclamar, conforme está em João, capítulo 5:

Meu Pai trabalha desde sempre, e eu trabalho também.

Richard Simonetti do livro:
Espiritismo, uma nova era

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