quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Amor e ressentimento

Amor e ressentimento

Joanna de Ângelis


O amor é portador da magia renovadora, abrindo espaços para a instalação da felicidade.

Os relacionamentos humanos, em razão da falta de profundidade, são extravagantes, quer pelas suas exigências ou pelas suas necessidades de complementação afetiva.

Invariavelmente rápidos, expressam-se através de metas a serem conquistadas, sejam de caráter emocional, social, econômico, físico, espiritual...

Os indivíduos refletem as suas nas necessidades dos outros e nas aspirações dos demais, tornando-os ou transformando-se em espelhos através dos quais se contemplam.

Enquanto não definidos, esses relacionamentos fazem-se encantadores, entusiásticos, à medida que se aprofundam, mesmo que, em superfície, passam à constatação da realidade do outro, dos seus limites, dos seus conflitos, das suas necessidades.

Do júbilo inicial transferem-se para o desencanto gradativo, caracterizando-se como decepção em relação de uns pelos outros, pela falta de entendimento, para a compreensão de que ninguém pode ser ou deverá tornar-se a imagem que dele se elabora.

Quando os interesses e os objetivos propostos não se fazem conforme desejados, ocorrem os choques, o desrespeito, as agressões, as lamentáveis inimizades, que se abrem em feridas purulentas de curso largo...

Remanescem os ressentimentos, as acusações, as referências desmoralizantes, as culpas, o recuo para as atitudes formais e de indiferença pela afetividade, os propósitos de não mais se permitirem atingir pelas agressões que transferem para os outros.

Sucede que a criatura humana, invariavelmente, ainda não aprendeu a amar sem mergulhar nos sentimentos do outro, procurando devassar-lhe o mundo íntimo, descobrir-lhe os impedimentos e desaires, administrar-lhe o comportamento.

Logo que se aproximam, os indivíduos, desacostumados à renúncia, tendem à submissão em aparência de bondade e de enternecimento, ou à imposição, por cujo mecanismo procuram assumir o comando da existência do outro, que sempre viveu sem esse direcionamento.

Surgem as exigências descabidas de um ou do outro lado, atravessando-se a linha do respeito que se deve manter em relação aos sentimentos pessoais, às ocorrências do passado, aos erros ou às conquistas, vivendo-se o claro-escuro perigoso dos desentendimentos.

Ninguém existe que se compraza em viver sem identidade, exceto nos casos patológicos.

Cada indivíduo é a soma das próprias experiências, dos seus erros e acertos. Pode aceitar amizade, sugestão, esclarecimento, nunca porém imposição, domínio, viver em posição subserviente.

No início, numa falsa tolerância, resultado do deslumbramento e do júbilo do encontro, da conquista, cede-se para agradar; age-se dessa forma para conquistar, mesmo que a prejuízo momentâneo das próprias aspirações, na certeza de recuperar-se o comando oportunamente, e quando isso não ocorre, ou surge ocasião de ruptura, o inevitável da agressividade faz-se abruptamente, gerando ressentimentos injustificáveis.

Enquanto se demoram as lembranças amargas dos relacionamentos malsucedidos, por exclusiva responsabilidade das atitudes levianas e da falta de respeito pela vida interior do outro, o amor permanece congelado. Toda vez que ocorre uma oportunidade de diluir a camada que o esfriou, a imagem do insucesso anterior é projetada e o recuo faz-se inevitavelmente.

Trata-se de uma atitude equivocada, porquanto não se pode mensurar todas as pessoas com os dados adquiridos na convivência com alguém.

O desacerto em um relacionamento deve ensinar a como não mais comportar-se em nova ocasião.

Para tanto, torna-se imperiosa a conduta de libertação da mágoa, abrindo-se ao milagre do amor.

Deve-se aprender a deixar-se amar, não permanecendo, no entanto, na postura daquele que somente merece ser amado, sem os estímulos para distender o amor em outras direções.

As feridas do ressentimento devem ser cicatrizadas com as novas experiências do amor de plenitude, aquele que não se denuncia, não aguarda retribuição, não trombeteia doações.

Mesmo em se tratando da sua manifestação física – passo inicial para sua mais ampla expressão – o respeito pela liberdade e dignidade do outro deve constituir atitude nunca desconsiderada.

Ninguém realiza uma viagem de muitos quilômetros sem que ocorram incidentes, dificuldades, ou surjam desafios a enfrentar. Nada obstante, o prazer do empreendimento supera os problemas e enseja valiosas experiências que irão aprimorar futuras programações, que evitarão as ocorrências ora enfrentadas.

Na experiência do amor, não serão poucos os fenômenos desafiadores, os insucessos, as conquistas de entendimentos e de realizações, os enfrentamentos emocionais.

Cultivar-se, porém, os ressentimentos que decorrem das experiências malogradas, cuja finalidade é proporcionar amadurecimento psicológico, desenvolvimento emocional, não passa de capricho infantil.

Todo aquele que espera uma existência rica de facilidades, um solo atapetado pelos prazeres e um céu sempre azul de bênçãos, detém-se em infância espiritual, negando-se ao desdobramento das diversas fases do aprendizado, no rumo da conquista interior.

Esse esforço é pessoal e intransferível, porque a evolução é individual, abrindo as portas para o progresso coletivo.

Cicatrizando o ressentimento nos refolhos do sentimento, qualquer mossa que permaneça facilita futuros atritos que se transformarão em novas feridas propiciadoras de sofrimentos.

Uma atitude, portanto, aberta em relação ao futuro, sem lembranças amargas do passado, nem ansiedades pelo porvir, constitui uma excelente forma de preservar-se receptivo ao amor, aceitando-o conforme se apresente, e esforçando-se por oferecê-lo consoante as próprias possibilidades, assim vivendo em harmonia consigo mesmo e com todos aqueles que constituem a sociedade.

O amor é portador da magia renovadora que tudo apaga e consome, abrindo infinitos espaços para a instalação da felicidade.

Ninguém existe, que haja transitado pelos sublimes caminhos do amor, sem que tenha experienciado algum tipo de desafio, que nunca se deve transformar em ressentimento.

O amor humano, com as suas características – limites do processo da evolução de cada qual – avança inevitavelmente para o estágio divino, aquele que um dia a todos alcançará, instalando na Terra o Reino de Deus, a que tanto se referiu Jesus.

Joanna de Ângelis por Divaldo Franco do livro:
Garimpo de Amor

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