Razão e Fé
Martins Peralva
E disse-lhe: Sai da tua terra e da tua parentela, e vem para a terra que eu te mostrarei.
Merece consideração a passagem em epígrafe, relembrada pelo jovem Estevão — primeiro Mártir do Cristianismo — ao comparecer ante o Sinédrio, o poderoso tribunal israelita.
Sublinhemos as palavras tua terra — tua parentela e, por fim, a terra que eu te mostrarei.
Meditemos, pois.
O patriarca Abraão vivia, na terra dos Caldeus, atento às atividades normais e rotineiras do campo, cuidando de seus rebanhos de ovelhas, bois e jumentos.
Vivia preso à sua terra, vinculado à sua parentela. Era, por conseguinte, um homem circunscrito, limitado em seus objetivos, confinado em suas aspirações.
O Senhor, pela voz de Poderosas Entidades que se comunicavam pela voz direta — pneumatofonia, retira-o da Mesopotâmia para cumprimento, junto ao heroico povo hebreu, de elevada missão fraternista.
Retira-o de sua terra, de sua parentela, de sua família, para confiar-lhe uma família maior, numerosa descendência, incontável como as estrelas: “Olha para o céu, e conta, se podes, as estrelas.” Depois, acrescentou:
“Assim será a tua descendência.”
Nenhuma força transformará o Cristianismo em “uma religião” formalista, convencional, subordinada a rituais, desvitalizada.
Ninguém lhe alterará a substância, a feição universalista, abrangente, eterna, divina.
O Cristianismo não cabe numa redoma.
Sendo a Religião do Amor, é, por conseguinte, a Religião Cósmica — eis que o Amor é a força que rege o Universo em todas as suas manifestações visíveis e invisíveis, objetivas e subjetivas.
Universo físico.
Universo moral.
Universo mental.
O Cristianismo nunca foi, não é, nem será, jamais, um movimento condicionado — familiar, grupal, racial.
Nem mesmo planetário.
A sua essência oloriza não só a Terra — mundo onde a Divina Bondade nos situou, presentemente.
Não exerce sua influência, apenas, nos orbes que gravitam em torno do Sol.
O Cristianismo — Filosofia do Amor Universal — aromatiza e vivifica os bilhões de planetas que rolam no Infinito de Deus.
* * *
O Pai Celestial, pela voz de Seus iluminados Servidores, do plano extrafísico principalmente, vem, com ternura, desde os primórdios das humanidades, procurando dilatar o nosso entendimento.
Ampliar a nossa capacidade efetiva.
Despertar-nos para o altruísmo.
Libertar-nos, enfim, dos acanhados preconceitos de família, grupo, crença, raça.
À maneira do velho Abraão, o homem terrestre precisa deixar a sua terra, a sua parentela, e integrar-se na grande família universal.
Tão grande, tão numerosa quanto as estrelas que refulgem nas constelações distantes, que não podem ser contadas.
O homem que deixa, subjetivamente, filosoficamente, mentalmente, a sua terra, a sua parentela, não as repudia, como pode parecer.
Longe disso.
Estima-as com a mesma intensidade com que estima outras terras e outras gentes, porque sabe que o menor pedaço de terra e a criatura que nasceu no ponto mais distante do Globo pertencem — terra e criatura — a Deus, que é também o seu Criador.
Ama-as com a mesma pureza, o mesmo carinho com que ama a terra onde nasceu e seus compatriotas.
Ama-as sem quaisquer laivos de egoísmo.
Sabe que o povo mais humilde, como o mais civilizado, é filho de Deus quanto ele próprio aqui e em qualquer recanto do Universo.
Sabe, outrossim, que o habitante de Marte ou de Júpiter também é seu irmão, membro da grande família universal.
Assim como Deus indicou a Abraão outra terra, que seria o santuário da Primeira Revelação, o Templo da Segunda também nos mostra o abençoado rumo da fraternidade, preparando-nos a Inteligência para a Sabedoria.
O Coração — para o Amor.
A Alma Eterna — para a Luz que se não extingue.
* * *
Estevão é bem o símbolo do homem realizado, do homem que encontrou outra terra.
“... cheio de graça e poder, fazia prodígios e grandes sinais entre o povo.”
“E não podiam sobrepor-se à sabedoria e ao espírito com que ele falava.”
“Todos os que estavam assentados no Sinédrio, fitando os olhos em Estêvão, viram o seu rosto como se fosse de anjo.”
Abraão simboliza o ontem da Humanidade, arrancada de sua terra e de sua parentela.
Estevão, inundado de amor evangélico, simboliza O amanhã da Humanidade, vivendo já noutra terra.
Abraão, numa demonstração de fé — da fé que não encara a razão face a face — ergue o cutelo contra Isaac, seu amado filho, para entregá-lo em holocausto.
É sem dúvida, o homem de ontem.
Estevão, sentenciado à morte, apedrejado, vertendo sangue por todo o corpo, o semblante esfacelado, confia-se, ele mesmo, sereno, imperturbável, ao sacrifício. É, sem dúvida, o homem de amanhã.
O primeiro, preserva a sua vida e entrega a do próprio filho; o segundo, entrega a própria vida para salvar a de muitos.
Estevão, fitando a Jesus, cujos olhos pousavam com amargura em Saulo, roga compreensão para seu implacável verdugo: “Senhor, não lhe imputes este pecado.”
E quando sua extremosa irmã Abigail lhe apresenta o algoz por noivo, por depositário de suas juvenis esperanças, tem forças ainda para dizer: “Cristo os abençoe... Não tenho no teu noivo um inimigo, tenho um irmão... Saulo deve ser bom e generoso; defendeu Moisés até o fim... Quando conhecer a Jesus, servi-lo-á com o mesmo fervor... Sê para ele a companheira amorosa e fiel.”
Estevão simboliza, indubitavelmente, o homem do amanhã.
Guarda no peito a fé iluminada pela razão.
Possui no cérebro a razão sublimada pela fé.
“ ...viram o seu rosto como se fosse de anjo.”
Martins Peralva do livro:
Estudando o Evangelho (FEB)
José Martins Peralva
Nasceu em 1º de abril de 1918, em Buquim (SE). Uma das figuras mais destacadas do Movimento Espírita de Minas Gerais, Martins Peralva iniciou-se no Espiritismo sob assistência e orientação diretas de seu pai, excepcional médium curador. Teve a infância e a adolescência enriquecidas por fatos extraordinários e pelo contato com a Doutrina, o que lhe proporcionou formação espírita essencialmente baseada em Allan Kardec. Quando chegou a Belo Horizonte, em setembro de 1949, a Mocidade Espírita “O Precursor”, contava apenas 6 meses de existência. Integrou-se ao movimento juvenil, foi um dos mentores da Mocidade, função que corresponde hoje à de coordenador. Escreveu cinco obras evangélico-doutrinárias de reconhecido valor: Estudando a Mediunidade, Estudando o Evangelho, O Pensamento de Emmanuel, Mediunidade e Evolução e Mensageiros do Bem. Sempre colaborou em jornais e periódicos espíritas, escreveu durante muitos anos artigos sobre Doutrina Espírita no principal jornal dos mineiros – o matutino O Estado de Minas. Martins Peralva desencarnou em Belo Horizonte (MG), em 3 de setembro de 2007. (Fonte: Reformador, 2007.)
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