quinta-feira, 1 de junho de 2023

Conselho aos médiuns e experimentadores

Conselho aos médiuns e experimentadores

Gabriel Delanne


Recolhimento – Homogeneidade de pensamentos – Regularidade – Paciência – Circunspeção em relação aos Espíritos que se manifestam – Identidade dos Espíritos – Desconfiar dos grandes nomes – Razão pela qual os Espíritos chamados não se manifestam
O Espiritismo não é uma religião: não tem dogmas nem mistérios nem ritual. É uma ciência de experimentação, da qual emanam consequências morais e filosóficas cuja importância é considerável. O estudo da alma depois da morte, das condições de sua vida no espaço pode ser feito rigorosa e metodicamente, como uma indagação sobre um país desconhecido. Allan Kardec devotou-se pacientemente a esse trabalho e suas obras encerram os dados mais completos que possuímos acerca do mundo de além. Há trinta e cinco anos (data referente à publicação deste texto em 1896 por Gabriel Delanne - nota RDB) que vemos diariamente verificados todos os seus ensinos, podendo julgar-se de seu valor por não terem sido contraditados. Nada podemos fazer de melhor que convidar os investigadores a se aprofundarem no estudo das obras desse eminente homem: nelas encontrarão resposta a todas as questões embaraçantes e, seja qual for o assunto, vê-lo-ão elucidado de um modo claro e lógico. O nosso trabalho aqui é resumir, abreviar as instruções relativas à evocação dos Espíritos; fá-lo-emos, pois, o mais sucintamente possível, convidando todos a ler “O LIVRO DOS MÉDIUNS” , para os desenvolvimentos que os limites deste nosso volume não nos permitem dar.

Uma das primeiras condições, quando se pretende evocar os mortos, é a concentração. É necessário, tanto quanto possível, que os assistentes evitem as discussões calorosas ou fúteis que perturbam os médiuns e alteram a harmonia do grupo. Sem dúvida, não há necessidade de preces, porque evocamos seres como nós, que só por sua invisibilidade diferem dos humanos; mas, a comunhão dos pensamentos, o desejo sincero de instruir-se devem guiar os experimentadores e inspirar-lhes o mesmo respeito que guardariam no seio de uma assembleia de que fizessem parte os seus progenitores. As zombarias, as conversas frívolas geralmente não atraem Espíritos de ordem intelectual elevada, e as comunicações assim recebidas ressentem-se da vulgaridade de seus autores. Portanto, aconselharemos aos investigadores a calma e o recolhimento, como condições indispensáveis para a obtenção de fenômenos espíritas, sérios.

A prática fez notar também que a regularidade nas sessões é uma das causas de êxito. Tanto quanto possível, é necessário que a reunião se dê no mesmo local, nos mesmos dias da semana e às mesmas horas. Sem dúvida, esta recomendação não tem valor absoluto; quando um médium está muito desenvolvido, pode obter efeitos físicos ou comunicações a qualquer hora do dia ou da noite; mas, quando se procura desenvolver faculdades mediúnicas, o melhor modo de proceder é, incontestavelmente, fazer-se as reuniões com regularidade.

As pessoas que se iniciam nessas investigações acreditam, na maioria das vezes, que as sessões espíritas exigem aparato especial ou preparativos particulares; nada é mais falso. Quando quiserdes certificar-vos da realidade dos fenômenos espíritas, reuni-vos, em família ou com alguns amigos, e aí, na intimidade, tomai a primeira mesa que encontrardes, e sobre ela pousai as vossas mãos. No fim de um tempo mais ou menos longo, observareis estremecimentos na madeira, estalidos ou pancadinhas secas far-se-ão ouvir, ou, então, deslocamentos do móvel indicar-vos-ão a presença dos Espíritos. Citamos as experiências da Sra. de Girardin em casa de Victor Hugo, a fim de mostrarmos quanta paciência e tenacidade são muitas vezes necessárias para obter-se resultado. Lembraremos também que o Dr. Cyrias não sentiu a ação dos Espíritos senão na vigésima sessão. Nas experiências de Aksakof, em companhia de Eglinton, grande número de experiências foi infrutífero; e as mais das vezes acontece isso porque, não o devemos dissimular, ainda ignoramos as leis que regem esses fenômenos. O nosso único recurso é recomeçar com infatigável perseverança, até que um resultado venha compensar os nossos esforços.

Vimos que os mais poderosos médiuns podem permanecer por muito tempo sem emitir essa indispensável força psíquica, sem a qual nada se produz.

Crookes conta que a mediunidade do célebre Home era sujeita a suspensões que duravam mais ou menos longo tempo; durante esse intervalo, nada era possível obter-se por esse médium. Bem compreendido isso, é fácil de ver-se que, quando se experimenta, o círculo pode não apresentar as condições exigidas para a exteriorização da força psíquica, e os Espíritos, que não podem agir sobre a matéria senão por intermédio dessa força, ficam na impossibilidade absoluta de se manifestarem. Ficam na posição de um homem cujo braço está momentaneamente paralisado.

Apesar de toda a vontade que esse homem empregue, não lhe será possível utilizar-se do membro enfermo.

Acontece também que os Espíritos evocados nem sempre podem responder ao apelo que lhes é feito, e isso por muitas razões: Supondo que esses Espíritos não estejam reencarnados, isto é, que não tenham voltado à Terra, pode suceder que eles estejam ocupados no espaço em investigações ou em trabalhos que não lhes seja possível abandonar de repente, como acontece aqui na Terra, ou que estejam pouco dispostos a se incomodarem por causa de um estranho, principalmente se a evocação não tiver um motivo muito ponderoso. Em segundo lugar, nem todos os Espíritos que vivem na erraticidade estão no mesmo grau de adiantamento moral. Há grande número deles que não conhece o seu estado. Têm vida análoga à do sonho: vão e vêm, têm consciência de que existem, mas os acontecimentos desfilam diante deles sem que lhes seja possível classificá-los metodicamente. Experimentam sensações às vezes muito vivas, sem poder explicá-las.

As causas disso lhes são estranhas, e a sua vontade é totalmente impotente para modificar-lhes a vida psíquica. Uns não se acreditam mortos, e vivem da nossa existência, admirando-se de que não mais se responda às suas perguntas, ou de que aqueles a quem eles amaram pareçam não mais vê-los ou ouvi-los.

Outros acham-se em obscuridade profunda e buscam, inutilmente, conhecer o lugar em que estão: erram em silêncio e no seio de trevas espessas, as quais nenhum ruído, nenhuma claridade pode romper. Para esses, a evocação é um benefício, porque o nosso pensamento vai arrancá-los desse estado infeliz, a fim de abrir-lhes a porta do túmulo espiritual em que se acham encerrados; mas, o seu estado não permite, as mais das vezes, que eles respondam, apesar de terem vontade de fazê-lo.

Enfim, muitos Espíritos não sabem como devem manifestar-se; é necessário dar-lhes o competente ensino, que pode ser assaz longo e que exige muita paciência, tanto da sua parte como da nossa. Se a todas essas razões juntarmos as condições exteriores, como o calor, a luz, o estado elétrico ou magnético, cuja influência deve ser muito importante, compreenderemos que é necessária muita tenacidade e perseverança para se obter bom resultado.

Um escolho contra o qual se deve estar prevenido consiste no fato de se ligar exagerada importância às comunicações dos Espíritos e em se acreditar cegamente em tudo o que eles contam. Nunca se deve por de parte a nossa razão e o nosso livre-arbítrio; cumpre discutir cuidadosamente com os desencarnados o que parece duvidoso ou contrário à justiça e à razão. Muitos espíritas eram, antes de se convencerem, perfeitos materialistas: não acreditavam em coisa alguma espiritual, e o mundo para eles limitava-se ao que existe na Terra; a sua convicção a esse respeito era tão profunda que não podiam mesmo compreender outra vida. Quando, porém, os fatos vieram radicalmente destruir essa crença, eles caíram no extremo oposto e acreditaram cegamente que os Espíritos eram seres dotados de virtudes especiais, e que se devia seguir todos os seus conselhos, sem discernimento. As ideias religiosas, que formam ainda o fundo das nossas convicções, inclinam-nos involuntariamente a dotar os seres que estão no espaço de poderes superiores aos da Humanidade, parecendo que eles devem exceder-nos muito em ciência e em moralidade, e que nada do desconhecido lhes é oculto.

A realidade está longe de assemelhar-se a esse ideal. O mundo espiritual é como o nosso: nele há inteligências em todos os graus de adiantamento. Os Espíritos nada mais são que os homens que viveram na Terra; a morte não lhes determinou outra mudança que não fosse a de criar-lhes condições físicas diferentes; mas sua ciência ou sua moralidade em nada ficaram aumentadas. Um ser bestial e grosseiro conserva-se o mesmo na erraticidade; um sábio fica com sua ciência; um literato ou um músico mantém o sentimento de sua arte; porém, nenhum fica possuindo faculdades diversas das que adquiriu na vida terrena. Existem, pois, entre os Espíritos, seres ignorantes, sistemáticos e paradoxais, religiosos ou ateus; em uma palavra, o mundo espiritual é a reprodução do nosso, e as comunicações não têm outro valor senão o que resulta da elevação das ideias e da beleza dos ensinos.

Mais do que nunca a palavra de Buffon é aplicável: é bem aí que o estilo é o homem. Não podendo ver o interlocutor, ficamos reduzidos a julgá-lo por seus discursos; e, se devemos receber com reconhecimento os bons conselhos, as exortações para o bem, as teorias científicas que nos pareçam racionais ou bem firmadas, do mesmo modo cumpre-nos rejeitar as comunicações frívolas, tolas e insípidas, vindas de Espíritos pouco elevados.

Na vida comum, buscamos as pessoas instruídas e bem educadas; façamos o mesmo a respeito dos nossos visitantes do espaço, e não demos ao primeiro que vier a honra de ser recebido entre nós.

Isso nos conduz à identidade dos Espíritos. Vós que experimentais, nunca temais pedir muitas informações aos Espíritos que se manifestam.

Exigi que vos digam seus nomes e sobrenomes, a idade que tinham quando deixaram a Terra, o lugar em que viveram, as circunstâncias em que se relacionaram convosco; em uma palavra, certificai-vos, por todos os meios possíveis, de que aquele que se manifesta é bem a individualidade que conhecestes em vida. Se o Espírito responder que lhe é proibido dar essas informações, ficai convencidos de que ele não diz a verdade, de que procura enganar-vos, e, neste caso, cessai de interrogá-lo; ele não mais virá, quando perceber que não vos pode enganar.

Uma das causas do descrédito do Espiritismo em certos Centros é o fato de, muitas vezes, as comunicações espíritas serem assinadas por nomes pomposos, próprios para entontecerem os ignorantes ou atraírem a consideração dos papalvos. Infelizmente, é exato que, em certos Centros Espíritas, Napoleão I mostra-se ao lado de Maria Stuart; é exato que Semiramis, Zoroastro, Sócrates e Jesus desfilam ditando comunicações de repugnante frivolidade; em outros, vêm os oradores da Revolução pregando disparates pela boca de mulheres velhas; em outros, enfim, sábios, como  Lavoisier ou Berthollet, Laplace ou Mesmer, formulam sistemas que fariam sorrir de dó o mais fraco dos colegiais preguiçosos.

É necessário reagir fortemente contra essa facilidade de acreditar em assinaturas. Não evoqueis senão Espíritos que conhecestes, com os quais estivestes em relação. O Espírito do vosso conhecido, desde que se manifesta, é tão interessante quanto o de Confúcio, e talvez ainda mais, porque o conhecestes, ao passo que o do filósofo chinês precisa sujeitar-se às maiores dificuldades para estabelecer a sua identidade.

E entretanto, bastante evidente que os Espíritos elevados também se podem manifestar; não chegamos até ao ponto de contestar-lhes esse poder, que pertence ao primeiro que vier do espaço, porém o fazem muito menos vezes do que se pode crer, considerando como válida a sua assinatura em todos os casos em que ela é dada. Em um meio instruído, inteligente, artístico, necessariamente aparecerão poetas, literatos e, mesmo, sábios; porém, ainda uma vez sua personalidade deverá ser bem patente, para que a dúvida não seja permitida.

Quão preferível é, para todos aqueles a quem a perda de um ser amado feriu, conversar com esse seu afeiçoado! Com que satisfação uma mãe verá o seu filho! Com que prazer se verá uma bem amada ou um esposo! Em vez de arrebicadas páginas de filosofia, dar-se-ão diálogos comoventes, ternos, de dois seres que se amam, que se reveem e que conversam através do túmulo! Evocai, pois, os vossos afeiçoados, aqueles cuja vida vos foi familiar, cujas circunstâncias vos são conhecidas: e, quando estiverdes bem certos de que eles não estão mortos, que vivem convosco, que só o corpo desapareceu aos vossos olhos, pedi-lhes detalhes da sua situação, do modo de existência, de suas ocupações.

Instruí-vos acerca do mundo espiritual para o qual temos todos de ir e, então, verificareis, por vós mesmos, que o Espiritismo é uma grande verdade, uma imensa consolação e que ele se baseia na mais alta e interessante ciência: a do ser humano em todas as suas manifestações anímicas, tanto na Terra quanto no Espaço.

Gabriel Delanne do livro:
O Fenômeno Espírita

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