Amor e desapego
Joanna de Ângelis
O amor propicia o desapego a tendências negativas, pessoas, coisas e utilidades.
Indispensável tornar o amor um estado de espírito, uma condição natural no processo de crescimento interior, uma fatalidade que deve ser conseguida quanto antes.
A medida que se posterga a vivência desse sentimento, que é força vital e dinamizadora, o sentido existencial padece hipertrofia de finalidade, por que destituído de riqueza, de aspirações do belo, do bom, do libertador. Mesmo que vicejem tais aspirações, apresentam-se debilitadas, porque procedem dos sentidos físicos, de ambições egoístas, de necessidades para o prazer, sem o contributo valioso e de profundidade, que tem por base o Espírito em si mesmo e suas legítimas ambições de imortalidade e triunfo sobre as vicissitudes e amarras com a retaguarda.
Amar deve significar a aspiração máxima do ser que transborda de emoções relevantes e deseja reparti-las a mancheias, como quem distribui luz objetivando a vitória sobre toda treva, qualquer sombra.
Essa força, que domina o coração e se expande mediante as ações, altera por completo o rumo da existência física, concedendo-lhe um colorido especial e uma finalidade superior, que deve ser buscada sem cansaço, adornada de otimismo e de paz.
Trazer esse amor para todos os momentos da vida, é torná-la digna de ser experienciada, capaz de ser transformada em triunfo.
A Humanidade sempre teve expoentes desse amor, que lhe constituíram razão de desenvolvimento e de conquistas em todos os setores do processo de crescimento moral, intelectual, artístico, cultural, tecnológico, religioso, espiritual, sem cujo contributo, por certo, as criaturas ainda se encontrariam às faixas primitivas do processo da evolução.
Foram esses homens e mulheres forjados no amor e distribuidores de amor, que se olvidaram de si mesmos, que promoveram a espécie aos patamares de que hoje desfruta.
Não pensaram primeiro em si, mas desenvolveram interiormente a capacidade de doação, de tal forma que o bem geral constituiu-lhes o motivo para que lutassem estoicamente, vencendo os próprios limites e dificuldades, de maneira que a enfermidade, a intolerância, o atraso moral e mental dos seus coevos não se lhes transformaram em impedimento para a construção do mundo melhor. E mesmo quando se lhes exigiam a existência, deram-na, fiéis à confiança e certeza de que o seu era o trabalho de libertação das massas e de promoção da sociedade.
Tornaram-se modelos porque demonstraram que a felicidade é mais risonha quando objetiva o próximo sem detença, oferecendo-lhe motivações para existir e seguir adiante, conquistando espaços de harmonia.
Isso ocorre porque, toda vez que alguém se ilumina pela chama do amor, oferece mais claridade ao mundo, torna-o melhor e enseja que outras vidas também se clarifiquem, libertando-se dos atavismos cruéis da ignorância, do preconceito, da crueldade.
O amor é sempre feito de compaixão e torna-se finalidade essencial da vida por expressar valores que não se amontoam, que não enferrujam e ninguém consegue roubar, porque se encontram à disposição de todo aquele que os deseje possuir, recebendo-os jovialmente e de maneira especial.
O nosso amor modifica a estrutura da sociedade, que se encontra vitimada pelas guerras e por diversas calamidades que geram sofrimento e alucinação.
Com a contribuição do amor, modificam-se essas condições, e, graças à Ciência e à Tecnologia que aproximam criaturas e povos, ninguém mais desconhece as necessidades que afligem o mundo, permanecendo indiferente ao seu destino amargo.
Assim, qualquer contribuição de afeto, por pensamento, mediante palavras e através de atos, encarrega-se de tornar menos densa a psicosfera em que se movimentam os seres, menos venenoso o ódio que campeia desenfreado, mais animador o espírito de competitividade sem os extremos de dominação e de arbitrariedade.
Isso porque o amor é destituído de vilania e de interesses doentios.
O amor propicia o desapego a tendências negativas, pessoas, coisas e uti-lidades.
É imparcial e generoso para com tudo e com todos, não se permitindo prender, escravizar-se ou reter, impedindo o avanço de outrem, a realização pessoal do ser amado, nem acumulando recursos amoedados ou não, que se transformam em cárcere de sofrimento.
Nesse cometimento em favor do desapego, vale ressaltar que o mais difícil é a libertação das impressões perturbadoras que remanescem no imo como herança do passado infeliz, transformando-se em ressentimentos, ódios, angústias, ciúmes, que necessitam ser superados.
É comum negar-se essas vivas expressões perniciosas do caráter, recalcando-as, sem as eliminar, o que lhes permite reaparecer com frequência, dominando as paisagens interiores e asfixiando as aspirações da felicidade.
Um esforço honesto para reconhecer-lhes a presença dominadora auxilia no empreendimento pela sua superação. Aceitar a sua existência não significa concordar com as manifestações que irrompem com periodicidade, mas substituir, lentamente que seja, porém com denodo, cada uma dessas paixões nefastas, abrindo espaços para o surgimento dos valores positivos, do amor que deverá predominar.
Nesse campo emocional, que está sendo arado com bondade e coragem de produzir melhor, despontam então a alegria, a paz, a vida exuberante, que passam a substituir aqueles cruéis inimigos da plenitude.
O amor preenche os vazios interiores, fazendo que desapareçam as falsas necessidades externas. Por isso, amplia-se sempre no rumo do infinito, envolvendo aqueles que se encontram próximos como a todos quantos se situam a distância.
Quando atinge o seu clímax, tem características idênticas em relação àqueles aos quais se direciona, sem privilégios nem imposições.
Por isso renuncia, ensinando que a posse excessiva é crime contra a escassez dominante.
Da mesma forma, demonstra que os atavismos perversos, a que muitos indivíduos se vinculam, necessitam ser deixados à margem, superados e substituídos, sem saudades ou tormentos, abrindo veredas a experiências novas e a realizações pacificadoras.
É certo que tal providência exige coragem e combatividade, espírito que anseia pelo progresso e se ama, tomando a decisão de não mais permanecer na retaguarda do processo evolutivo, em razão da lucidez mental de que se sente possuidor.
O desapego material é importante na desincumbência do esforço por amar, no entanto, mais grave e significativo é o de natureza emocional, em referência aos vícios, às tendências primitivas, aos sentimentos inferiores.
Não dês guarida à atração do mal, seja como for que se te apresente.
Ama-te, a ponto de te transformares em exemplo de vitória sobre a inferioridade moral, tornando-te cooperador do esforço que outros envidem no mesmo sentido.
Assim, compreenderás quanto é difícil para o próximo libertar-se daquilo que nele te desagrada, em face do que em ti igualmente a outros perturba.
Esse amor, que se inicia no teu esforço, em breve tomará conta de ti com tal força que não mais haverá espaço interior senão para amar e servir.
Joanna de Ângelis por Divaldo Franco do livro:
Garimpo de Amor
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