domingo, 25 de dezembro de 2022

Natal de Sabina

Natal de Sabina

Francisca Clotilde


I

  NATAL!… A cidade vibra.
  Desde muito anoiteceu.
  Ouvem-se vozes cantando:
  “Hosanas!… Jesus nasceu!…”

  Rodam carros apressados,
  Muitos grupos vão a pé…
  A alegria, em toda parte,
  Traduz esperança e fé.

  Enfeites! Guirlandas! Lojas!…
  Cores de todo matiz…
  Quantas mães falando em Deus!…
  Quanta criança feliz!…

  Estrelas lembram na Altura
  Alampadários em flor
  Descendo em bandos à Terra
  Para uma festa de AMOR.

  Em meio a tanto brilho,
  Quase de rastros no solo,
  Sabina passa na rua
  Com trapos a tiracolo.

  Andrajos cobrem-lhe o corpo;
  Na face desconsolada
  Traz ainda o pó viscoso
  Do leito sobre a calçada.

  Abeira-se de uma casa,
  Pede pão, diz que tem fome,
  Afirma-se fatigada,
  Há dois dias que não come…

  Um senhor enraivecido
  Ataca de rosto em brasa:
  — “ O hospício fica mais longe,
  Afaste-se desta casa…”

  Sabina toma outro rumo,
  Pede bolo à padaria,
  Vem um rapaz e responde
  Com manifesta ironia:

  — “Não vê que está na cachaça?
  Não nota que cambaleia?
  Saia daqui, saia agora!…
  Peça bolo na cadeia!…”

  A pobrezinha se arranca,
  Procura, em travessa ao lado,
  Antiga caixa de esgoto
  Num recanto abandonado.

  Em torno, a cidade brilha,
  Toda envolvida de luz!…
  Deitada no chão de pedra,
  Sabina pensa em JESUS…

II 
  Onde nascera Sabina?
  Vivia, afinal, com quem?
  Era inútil perguntar,
  Ninguém sabia, NINGUÉM…

  Lavava roupa em fazendas,
  Capinava milharais;
  Depois, ficara doente…
  Ninguém a queria mais.

  Tivera um filho, o Antoninho,
  Que lhe fora apoio à vida…
  Morrera aos oito de idade,
  Com febre e tosse comprida.

  Desde a morte do menino,
  Fazia em tudo supor,
  Abatida e desgrenhada,
  Que enlouquecera de dor…

  Era triste, desleixada,
  Andava, de déu em déu,
  Se parava era somente
  A fim de fitar o céu.

  Nessa noite de alegria,
  Embora sem entende-las,
  Enfraquecida e cansada,
  Sabina olhava as estrelas.

  Parecia o firmamento
  Um campo da primavera…
  Onde estaria no Alto
  O filho que Deus lhe dera?

  Em lágrimas, recordava
  O Natal de antigamente,
  O barraco improvisado,
  O bule de café quente…

  Revia, a fel de saudade,
  Os sorrisos de Antoninho,
  Ao despejar-lhe nas mãos
  As dádivas do vizinho…

  Restava-lhe, unicamente,
  Depois do filhinho morto,
  Doença, frio, abandono,
  Sofrimento, desconforto…

III 
  Nisso, alguém lhe surge à frente,
  Homem moço em largo manto,
  Por tudo e em tudo irradia
  Incomparável encanto.

  — “Sabina — falou o estranho —
  Em que pensa, triste assim?
  Não vê que a cidade inteira
  É um luminoso jardim?”

  Ela explica: — “Não, senhor,
  Nada vejo, em derredor,
  Quando é Noite de Natal,
  Meu sofrimento é maior…”

  — “Que quer você? — disse o jovem —
  Dinheiro? Roupas de renda?
  Um tanque para lavar,
  Um milharal de fazenda?!…

  — “Ah! Senhor — clamou a pobre,
  Tremendo na ventania —
  Se o Céu me escutasse agora,
  Nada disso pediria…

  “Como sempre, rogo em prece,
  Enferma e só como estou,
  O filho que Deus me deu
  E a morte me arrebatou…”

  — “Sua oração foi ouvida…” —
  Ele informa, face em luz.
  — “Quem ouço?… — indaga Sabina.
  Ele diz: — “Eu sou JESUS!…”

  Do manto Dele um pequeno
  Sai envolto em doce brilho…
  Clama o garoto: — “MAMÃE!…”
  Sabina grita: — “Ah! meu filho!…”

  Encontro, surpresa, bênção,
  Júbilo imenso depois…
  SABINA beijava o filho,
  JESUS abraçava os dois!…

  Naquelas pedras de rua,
  Que a luz do Céu banha e doura
  Clarões pintavam em prata
  Lembranças da Manjedoura.

  Logo após, os três partiam
  Ouvindo canções ditosas,
  Em nave feita de estrelas
  Emolduradas de rosas.

  Em toda parte, as legendas
  Que o mundo nunca esqueceu:
  — “Glória a Deus!… Paz sobre a Terra!…
  Hosanas!… Jesus nasceu!…”

  No outro dia, cedo ainda,
  Uma senhora na estrada,
  De longe, enxerga Sabina
  Como a dormir, recostada…

  A dama quase supõe
  Na pobre que conhecera
  Um retrato da alegria
  Numa escultura de cera.

  Volta à casa… Traz um caldo,
  Quer saber se a reconforta.
  Chama Sabina, de leve,
  Mas Sabina…estava morta.
Francisca Clotilde por Chico Xavier do livro:
Natal de Sabina

Nota: O livro Natal de Sabina foi composto entremeando textos e imagens representativas, que poderão serem apreciadas consultando o original impresso em papel.
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