Um certo devoto
Maria Dolores
Um homem que se entregara à devoçãoHavia muito tempo andava em ansiosa espera,Queria ver Jesus.Por isso, quase sempre, em profunda oração,Vivia em súplica sincera...Até que, certa noite,Viu, reverente, o MestreQue o abraçava e prometia,Com palavras de aviso terno e exato,Visitá-lo no dia imediato.O devoto acordou... Amanhecia...Antes que o Sol surgisse, inteiramente,Apresentando a Terra em novas cores,O amigo de Jesus, agindo como em festa,Varre a casa modesta,Depois, ei-lo a enfeitá-la,Desde a pequena salaAo fogão da cozinha limpa e estreita,Com dezenas de flores,Estampando na face a alegria perfeita.Logo pela manhã,Bateu-lhe à porta um pobre em roupa esfarrapada,Mostrando pés e mãos em estranhas feridas,A rogar-lhe uns minutos de pousada,Através de expressões enternecidas,Alegando sofrer tribulaçõesDe comprida jornada.Mas o devoto respondeu:- Amigo, segue adiante,O seu caso é comum,Espero por alguém muito importanteNão tenho tempo algum.O mendigo saiu, cambaleante,Depois de agradecer.Em seguida apareceuTriste rapaz errante,Demonstrando, no todo, traço a traço,Febre, penúria e dor, indigência e cansaço,Suplicando socorro ao devoto feliz...Ele, porém, lhe diz;- Põe-te à frente, rapaz, não tenho neste mundo,A obrigação de abrir a porta de meu larA qualquer vagabundo...Logo após, um menino pobre e tristeSurgiu descalço e só,Corpo todo a encobrir-se sob o póDas veredas difíceis que trilhara.,.Pedia pão e abrigo,Mas falou o devoto em voz segura e clara:- Hoje, espero um amigo,Não posso recolhê-lo,Peça pão ao vizinhoE segue o teu caminho...Aliás, para mim, é simples desmazeloDos lares sem amorQue deixam a criança, um garoto qualquer,Pedir, pedir, pedir e andar como quiserPara depois fazer-se malfeitor...Mais tarde, ao fim do dia,Um velhinho doente, arrimado a um bordão,Respeitoso, rogava compaixão,Receava dormir exposto à noite friaE sair, ao relento,Aumentando a fadiga e o sofrimento.O devoto, no entanto, informou da janela:- Não posso dar-te asilo,Não bata à minha porta nem te escores nela...Aguardo alguém; contudo, segue em frente,Neste mesmo lugar encontrarás mais genteQue possa agasalhá-lo,Desculpa-me a recusa,É um amigo importante esse alguém de quem falo...Espero que terás leito e pousadaNa primeira pensão, à direita da estrada.O dia terminou, e a noite veio escura,O devoto chorou, tomado de amargura,Mas dormiu e sonhou que reencontrava o Cristo.Assombrado, gritou: - Por que, por que, Senhor,Não me queres a fé, nem me aceitas o amor?Preparei minha casa com cuidadoA fim de demonstrar-te todo o meu carinho,E não quiseste vir ao meu recanto...- Como não? - disse o Mestre em doce explicação- Hoje, por quatro vezes fuiA tua casa, em vão.Por muito que te achasse, eu me via sozinho..Finda uma pausa, o Mestre esclareceu:- Recorda, amigo meu,O mendigo, o rapaz, o menino e o velhinho...Sei que teu coração não percebeu,Mas nos quatro viajores do caminhoEstava euA estender-te clarão renovadorE te buscar em meu imenso amor.Nisso, o devoto em prantoVoltou ao corpo e veio a despertar...E, relembrando o ensino, trêmulo de espanto,Começou a pensar...
Maria Dolores por Chico Xavier do livro:
Assembleia de Luz
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