quarta-feira, 9 de novembro de 2022

O segredo das curas

O segredo das curas

Roque Jacintho



O doutor Fortes era médico generoso.

Interessava-se pelos doentes, fosse qual fosse a sua condição social.

Amparava do senhor ao último dos escravos, sem nenhuma distinção.

A técnica precária da medicina, na época, porém, quase sempre o colocava em desvantagem diante das enfermidades rebeldes.

Clinicando, também, na enfermaria do Convento de Santo Antônio, desde há muito passara a observar aquele enfermeiro Fabiano de Cristo, que vencia onde ele se sentia derrotado.

Daquelas mão dedicadas, vira doentes sem esperança saírem recuperados e retornarem à vida comum, sem sinais das doenças que deveriam tê-los vitimado.

Deveria haver, ali, algum segredo - conjecturava muitas vezes. E certo de que esse segredo existia, disfarçadamente inspecionava a cada um dos atos de Fabiano.

Talvez tudo estivesse na água!

Sim! É que a cada doente em estado grave, Fabiano ministrava uma porção de água. E até para aqueles portadores de feridas graves, ele aplicava gotas d'água na região enferma, provocando miraculosamente a reversão do quadro e obtendo cicatrizações espantosas.

Fortes queria dominar aquele conhecimento.

- Há dias te observo trabalhando na enfermaria, irmão Fabiano! - irrompe o médico, após Fabiano de Cristo haver distribuído porções d'água a diversos internados. 

- Por mais que queiras negar, colocas nessa água algum recurso medicamentoso que desconheço.

O interpelado sorriu candidamente.

- Nada faço, que qualquer um outro não possa fazer, doutor!

- Desculpe-me, porém não creio! Afinal, eu te trouxe dois doentes irrecuperáveis, segundo os meus recursos médicos e, três dias após, ei-los refeitos e a te ajudar! E vi que nada lhes deste além de água.

O médico insistia:

- Se guardas avaramente teu segredo, lembra-te de teu dever de humanidade! Muitas outras pessoas poderiam retomar à normalidade da saúde, se me revelasses o teu conhecimento misterioso.

Fabiano, visivelmente constrangido diante do doutor Fortes, foi direto e incisivo:

- Doutor, apiedo-me e muito diante de cada um que sofre. Eles chegam aqui e nada sei de enfermagem!

Como socorrê-los? E, querendo minorar as suas dores, apanho as canecas com água e faço as minhas orações, para cada doente em particular.

E, diante do médico admirado, complementou:

- Sabendo que a vida vem de Deus, rogo ao Pai de misericórdia que abençoe a água que Ele próprio criou e que nela dê o seu sopro de vida, como dá à vida inicial ao homem.

Houve uma pausa longa, quebrada pelo reticente médico:

- E ... ?!

- E sabendo que o Pai atende a todas as súplicas desinteressadas, sei que a água se transforma num santo remédio. O que Deus coloca nela, nunca perguntei! Só sei que, com muito amor e muita fé, vou ministrá-la aos doentes, em nome de Jesus Cristo!

O doutor Fortes estava sem fala!

- Se o senhor fizer isso, doutor - complementou Fabiano - Deus por certo te atenderá, pois Ele me ouve a mim, que sou ignorante e pecador, e mais te ouvirá pelas tuas virtudes.

Sabe-se que, algumas. vezes, o doutor Fortes foi visto dando pequenas porções d'água a escravos enfermos!

Roque Jacintho do livro:
Fabiano de Cristo - O Peregrino da Caridade

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