Solidariedade e Bondade
Hammed
(…) Vemos em Deus a essência virtual que sustenta o mundo em cada uma de suas partes microscópicas, daí resultando ser o mundo como que por Ele banhado, embebido em todas as suas partes, e que Deus está presente na composição mesma de cada corpo.(…) - Camille Flammarion (Deus na Natureza - FEB.)
Nossa forma de entender o mundo interfere em nossa visão de Deus, assim como a maneira de concebermos Deus influi na visão de nós mesmos. Os limites da consciência são as divisas do nosso mundo; só há mudança para melhor quando se enxerga, com clareza, por cima das fronteiras físicas.
Isaac Newton e René Descartes cedem lugar a Albert Einstein, e a chegada da astrofísica e da física quântica obriga-nos a encarar o Universo de modo diferente e, pelas mesmas razões, a ideia da Divindade.
“Não há efeito sem causa – disse Allan Kardec – e todo efeito inteligente tem forçosamente uma causa Inteligente.”
Ora, se Deus é a inteligência suprema e causa primária de todas as coisas, Ele transcende a natureza física de tudo quanto existe, ou seja, Deus, como Criador, está presente nas Suas obras, através de Suas leis, que representam a ligação do todo existente com Sua potencialidade divinal. As leis da evolução e de causa e efeito explicam a Sua imanência – o que está inseparavelmente contido no âmago dos seres.
Deus é inerente, quer dizer, Ele está em tudo e tudo está n'Ele, mas tudo não é Deus. Deus está em todas as criaturas e criações, mas é distinto, não Se confunde com nenhuma delas.
Os indivíduos e todos os seres inanimados do Universo não são Deus, mas não estão separados d'Ele.
Pananteísmo significa “Deus Se revela em tudo”; existe no imo de todas as coisas, existe acima de tudo e além de tudo.
Entretanto é necessário não confundirmos panteísmo com pananteísmo. No panteísmo, diz-se que todas as coisas são Deus; no pananteísmo, que Deus tem presença marcante em tudo. Corroborando esse conceito, disse Paulo de Tarso (Atos, 17:28.): “N'Ele vivemos, movemo-nos e existimos”.
Os Benfeitores Espirituais disseram a Kardec que a ideia de Deus é intrínseca aos povos primitivos, uma espécie de sentimento inato(*) impresso no espírito, que não foi imposto pela educação, ou seja, pelas tradições nem pelos valores intelectuais, morais e religiosos. Essa noção faz parte do sentimento natural, bem como outras tantas riquezas e bens de cunho imortalista, que estão gravadas no imo da humanidade.
(*) O Livro dos Espíritos / Questão 652 – Pode-se considerar a adoração como tendo sua origem na lei natural?
– Ela está na lei natural, uma vez que é o resultado de um sentimento inato no homem. Por isso, ela se encontra em todos os povos, ainda que sob formas diferentes.
A presença de Deus constitui a essência que não se restringe unicamente à consciência humana, mas se estende a toda a Natureza. O Espiritismo elucida-nos a ideia de Deus, apresentando-a com todo o seu poder de esclarecimento, de modo simples e preciso, retirando o véu que cobre a transcendência divina e colocando-a sob a luz do bom senso e da razão, dos princípios lógicos e da fé raciocinada.
Parafraseando as afirmativas de Frans de Waal a respeito da solidariedade no mundo animal, escrevemos: o sentimento de acolhimento, cujo intuito é socorrer e ajudar, faz parte da nossa herança primata, mas os seres humanos têm imensa resistência em admitir que essas boas qualidades são parte da evolução filogenética de todo o reino animal. Quando indivíduos cometem genocídio – destruição de populações ou povos –, nós os chamamos de “animalizados”; mas, quando são solidários e bondosos, nós os elogiamos por serem “humanitários”.
Em 16 de agosto de 1996 (Frans de Waal, Eu, Primata - Por Que Somos Como Somos/Cia das Letras), uma fêmea de gorila de oito anos, denominada Binti Jua, resgatou uma criança de três, que subiu em uma grade e caiu a uma altura de aproximados seis metros, dentro da jaula dos primatas. Funcionários agiram quase que de imediato, mas foi Binti que reagiu prontamente, levantou o menino, embalando-o com o braço direito, e o carregou para um lugar seguro.
Sentou-se em um tronco à beira d’água com a criança inconsciente no colo, afagou-o delicadamente com as costas da mão, deu-lhe umas pancadinhas nas costas e carregou-o por dezoito metros até uma entrada de acesso, para que o pessoal do zoológico, que já estava à espera, pudesse socorrê-lo. Esse gesto amoroso de solidariedade, gravado em vídeo e exibido para o mundo inteiro, sensibilizou muitos corações, e constatou a possibilidade de haver humanidade nos primatas não humanos. Binti Jua foi aclamada heroína e tida como um modelo de compaixão.
Ser solidário implica, em primeiro lugar, o respeito à dignidade individual. A solidariedade tem como intuito socorrer e confortar a outrem em suas dificuldades e colaborar, de modo efetivo, para uma vida melhor no meio social em que se vive. Ela é sempre mais verdadeira quando praticada de modo espontâneo ou com quem nem mesmo se conhece.
Constata-se hoje que certos traços, antes considerados exclusivamente humanos, são também encontrados em outros primatas. Solidarizar-se é tão frequente na Natureza quanto o comportamento belicoso.
A regra áurea do Novo Testamento – não fazer aos outros o que não desejamos que nos façam – é um exemplo de solidariedade; é uma característica inerente à raça humana, uma importante qualidade para fortalecer relações interpessoais.
O objetivo do ato solidário não é somente o de dar alguma coisa, por assim dizer, mas também o de doar-se; acolhendo, ouvindo, dialogando, ajudando na mais profunda dor ou necessidade de uma pessoa.
Não queremos dizer que, para sermos solidários e bondosos, devemos comungar de modo absoluto com os pontos de vista alheios; sobretudo, isso significa que devemos estar dispostos a tentar compreendê-los e respeitá-los. Não devemos supor que pensem do mesmo modo nosso. Só haverá real solidariedade quando alcançarmos uma forma de sair de nós mesmos e avaliar como cada individualidade vê o mundo com seus próprios olhos. As experiências de vida de outra pessoa são válidas para quem as experienciou e, mesmo que contestem as nossas, devemos levá-las em consideração.
Solidariedade não é uma “fidelidade exagerada” ou “devoção patológica” com relação a pessoas, ideias e causas.
Comportamentos de “atendimento extremado”, “delicadeza excessiva” e “constantes atitudes obsequiosas” podem revelar traços de uma necessidade doentia de reconhecimento e aceitação, a fim de receber, por exemplo, segurança ou proteção.
Quando a solidariedade se torna um hábito e deixamos de empolgar-nos pelo julgamento precipitado, nossa capacidade de amar amplia-se.
Segundo George Bernard Shaw, dramaturgo, romancista e jornalista irlandês, “o pior pecado que cometemos com nossos semelhantes não é odiá-los, mas sermos indiferentes a eles. Essa é a essência da desumanidade”. O maior presente que podemos oferecer ao mundo é a total atenção à existência das criaturas. Vivemos hoje uma espécie de cegueira pública.
Criamos uma sociedade que não enxerga “os invisíveis”, ou antes, os servidores subalternos, os quais deixam de ser notados como pessoas e passam a ser tratados como coisas transparentes.
Existem só uniformes, utensílios e ferramentas; sua individualidade é por completo ignorada e, mais do que isso, a própria natureza humana desses indivíduos deixa de ser admitida e reconhecida.
Compartilhamos com a humanidade jornadas diárias e a nossa destinação mais completa se resume em dar atenção, compartilhar e compreender. São essas ações que, desenvolvidas, poderão resultar em qualidades, as quais serão via de mão dupla, ou seja, diretamente proporcionais à solidariedade que dedicarmos a nossos semelhantes.
Cada instante de nossa existência nos faculta experiências indispensáveis para o desenvolvimento de nossas qualidades inatas.
Precisamos sair do “pecado da indiferença”, que tem como cerne a “essência da desumanidade”; não devemos nos afastar da presença uns dos outros, das contribuições e até mesmo das vicissitudes, dos altos e baixos que todos enfrentamos. Sendo solidários e bondosos avançamos tanto em conjunto como individualmente.
- Para seguirmos corretamente o espiritismo, devemos submeter todas as mensagens mediúnicas ao crivo duplo de Kardec, sendo eles, a razão e a universalidade.
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