terça-feira, 26 de novembro de 2024

Liderança e comando

Liderança e comando

Hammed


 "Um pouco de ciência nos afasta de Deus. Muito, nos aproxima." - Louis Pasteur
De acordo com os Espíritos Superiores, “(…) passa o Espírito essa primeira fase do seu desenvolvimento (…) numa série de existências que precedem o período a que chamais Humanidade.” (1)

Os chimpanzés não utilizam afabilidade em seus rituais de saudação. Nessas ocasiões, o macho alfa (dominante) apresenta-se por meio de atitudes ritualizadas manifestando agressividade, ostentando pelos eriçados e chocando-se com qualquer um que não saia de sua frente. A demonstração tem o objetivo de atrair e impressionar o bando, para que ele seja notado com muita consideração. Cientistas já observaram um macho alfa que adquiriu certos hábitos de mover pedras enormes e lançá-las barranco abaixo, assim produzindo vanglória e uma exibição presunçosa de total e incontestável supremacia. (2)

Não é difícil imaginar o terror que toma conta do bando. Diante desse espetáculo de poder e demonstração de domínio e força, eles passam a reverenciá-lo. Dizem os observadores que, em seguida, o macho alfa senta e fica como um tirano aguardando que a plateia lhe faça um sinal de submissão. Alguns chimpanzés do grupo dão sinal de aprovação com certa relutância, mas depois, em conjunto, mostram respeito fazendo bobbing (sacudir; fazer reverência), demonstrando ruidosamente, com grunhidos arfantes, obediência à autoridade que veem nele.

O macho líder parece prestar bastante atenção a essas saudações respeitosas, pois, na próxima demonstração de agressividade e poder, escolhe justamente os que deixaram de reconhecer sua importância, dispensando para estes “tratamentos particulares”, para que, da próxima vez, não se esqueçam de demonstrar acatamento e aclamação. (3)

De acordo com os pesquisadores e estudiosos, o gênero Pan é constituído do Pan troglodythes, o mais comum, com várias espécies de chimpanzés; e do Pan paniscus, chamado de bonobo – também designado de “chimpanzés-pigmeus”. Eles se separaram do tronco do nosso ancestral comum há cerca de seis a oito milhões de anos e têm enorme afinidade genética com as criaturas humanas. (4)

Na sociedade dos chimpanzés, reina de modo geral o autoritarismo do macho alfa. No entanto, muitas vezes, um símio jovem une-se a outros para matar o macho dominante e ocupar o seu lugar. É muito comum ver o líder cair em ciladas e ser morto.

São os únicos grandes primatas, além do homem, a matar com o objetivo de alcançar domínio e poder.

Em verdade, o chimpanzé alfa não é essencialmente o mais forte.

A força física deixa de ser a característica vital dos machos dominantes, dando lugar à qualidade de estabelecer, no bando, conchavos ou acordos mais eficientes. Por exemplo: quando morre o dominante e sua sucessão é pleiteada por outros machos com pedigree de condição inferior, é comum vê-los apanhar e atirar as mais gostosas e apreciadas frutas, distribuindo-as aos membros do grupo. A luta pelo mandato, nesse caso, faz surgir uma espécie de ardilosa política como ferramenta de dominância. É criado certo clientelismo para compor um reduto eleitoreiro. Uma vez escolhido um desses chimpanzés concorrentes para o posto de chefia, não mais se vê nenhum deles repetir tal gesto demagógico (ação que se utiliza do apoio popular para conquista ambiciosa de poder).

Já na coletividade bonobo, reina a lealdade ao líder e até um pouco de democracia com certo toque de “aristocracia”. O macho dominante é escolhido pelo grupo de fêmeas, e nem sempre as decisões são tomadas unicamente pelo líder. Há menos manobras políticas entre os bonobos: suas coalizões dependem de parentesco.

O bonobo macho, para ascender na escala social, depende de sua mãe e da posição que ela ocupa (alfa ou não) em relação às outras fêmeas. A vida em uma sociedade matriarcal funciona de forma diferente. (5)

Há incríveis semelhanças quanto à agressividade entre os chimpanzés e o homem quando querem demonstrar autoridade para comandar ou liderar outros, como também há analogia com os seres humanos sobre o sentimento participativo, traços vistos nos macacos bonobos com relação às lides de chefia e mando.

Seja nos suntuosos parlamentos, senados e congressos nacionais da atualidade, seja nas modestas assembleias legislativas, câmaras de vereadores, ou em quaisquer simples associações de bairro, sempre esperamos que os indivíduos que se ocupam dos assuntos públicos e dos interesses da coletividade resolvam suas diferenças partidárias e ideológicas utilizando a atividade mental, por meio de argumentos coerentes, operações intelectuais e recursos de lógica. Infelizmente, porém, não é o que vemos. Com frequência há gritos, contendas e discussões inflamadas, culminando até em agressão física.

Isto lhe lembra algo parecido? Acredite: nada existe aos ventos
do acaso.

As corporações humanas são conduzidas muito mais por ativistas emocionais do que por ativistas de ideias e ideais. A humanidade atual veio de uma longa linhagem, contudo são os traços instintivos que amiúde falam mais alto, denunciando a falsa polidez e evidenciando a ancestralidade.

A observação científica revela que, além da aparência anatômica, compartilhamos certas características comportamentais com esses primatas. Conhecê-los é também um “treino de avaliação” de como governamos a nós mesmos e de como governamos os outros nos diferentes campos da sociedade.

É um equívoco, portanto, julgar que a conduta do homem surgiu do nada ou que é somente um produto dos costumes e da cultura.

Foi a Natureza que proveu a vida em sociedade tal e qual a conhecemos, e não o homem. As leis da Natureza são obras-primas da criação divina.

Tem o mesmo ponto de vista Camille Flamarion (6): “Possam os nossos espíritos se compenetrarem, cada vez mais, do Belo manifestado na Natureza e santificarem-se no Bem, com o apreciarem mais completamente a unidade da obra divina, fazendo uma ideia mais justa do nosso destino espiritual (…).”

Em se tratando de liderança e comando, é necessário validar que o governo mais importante é o de si próprio; por consequência, ele irá determinar a forma de governo que apreciaremos exteriormente.

No mundo pessoal, uma das batalhas mais intensas que temos
de encarar com nós mesmos é a de abrirmos mão da necessidade autoritária de estarmos sempre certos. Comumente, só quando desistimos dessa postura arrogante é que compreendemos que o duelo no “jogo do poder” é uma luta inglória. No momento presente, não precisamos mais dos comportamentos de “machos alfas”, que demonstram seu domínio rosnando coléricos; ou ameaçam arreganhando os dentes e dilacerando, até que sua superioridade seja posta à prova diante de outro integrante do grupo. Se o indivíduo não adquirir o domínio necessário sobre si mesmo, poderá viver como um tirano ou um déspota, querendo controlar o mundo exterior.

No mundo coletivo, certos indivíduos pensam ser verdadeiramente livres, por conviverem num regime de independência política, sem notar, porém, que vivem iludidos em um regime político impositivo, travestido de democracia.

São completamente cegos, pois não percebem que só têm uma possibilidade diminuta de liberdade durante as eleições; depois delas, estarão sujeitos a obedecer às ordens dos governantes autoritários eleitos.

Aliás, é bom lembrar que muitos de nós vivemos contidos numa “robotização de hábitos”, excessivamente ajustados a costumes atávicos: hereditariedade de características biológicas, cármicas, psicológicas, comportamentais e outras tantas.

A necessidade de controlar é um hábito milenar, do qual podemos, porém, libertar-nos com facilidade. Não renovar ideias e condutas é o que nos mantém presos ao círculo vicioso das reencarnações dolorosas, pois a pior guerra é aquela travada em nossa intimidade, num combate silencioso e insensível contra diferentes costumes, povos e culturas. Parece-nos que a estirpe dos primatas ainda se sobrepõe ao modo de proceder com bom senso.

Só quando analisarmos profundamente as raízes do comportamento humano é que entenderemos essa remota compulsão de liderança por meio da força bruta. Segundo Mahatma Gandhi, “Aquele que não é capaz de governar a si mesmo, não será capaz de governar os outros”.

Quando desistimos da posse tirânica, por acreditarmos que nem tudo nos pertence, e renunciamos àquilo que diz respeito ao semelhante, nasce em nós a “noção do direito”. Assim, quando temos visão clara das obrigações mútuas, ficamos cientes da liberdade de escolha e passamos a entender os princípios de ação e reação e, por conseguinte, a compreender que as respostas da vida não funcionam de modo aleatório.

Infelizmente, vemos todos os dias e em todos os rincões do planeta várias comunidades prejudicadas, vítimas da ganância e da incompetência de homens que nem conseguem governar a si próprios e que, por isso mesmo, não poderiam estar liderando povos e nações.

Hammed por Francisco do Espírito Santo Neto do livro:
Estamos Prontos

Notas do autor:
(1) Questão 607 – Foi dito que a alma do homem, em sua origem, está no estado da infância na vida corporal, que sua inteligência apenas desabrocha e ensaia para a vida (190); onde o Espírito cumpre essa primeira fase?
– Numa série de existências que precedem o período a que chamais humanidade.

(2) Frans de Waal, Eu, Primata - Por Que Somos Como Somos, Companhia das Letras, págs. 76  e 77.
(3 e 4) Frans de Waal, Eu, Primata - Por Que Somos Como Somos, Companhia das Letras, págs. 77 e 20 respectivamente.
(5) Frans de Waal, Eu, Primata - Por Que Somos Como Somos, Companhia das Letras, pág. 90.
(6) Camille Flammarion, Deus na Natureza, 7ª ed., pág. 412, FEB Editora.

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