Da animalidade à angelitude
Richard Simonetti
Os Espíritos são os seres inteligentes da criação. Constituem o mundo dos Espíritos, que preexiste e sobrevive a tudo.
Os Espíritos são criados simples e ignorantes. Evoluem, intelectual e moralmente, passando de uma ordem inferior para outra mais elevada, até a perfeição, onde gozam de inalterável felicidade.
As pessoas que têm animais domésticos surpreendem-se com seu comportamento.
Em algumas iniciativas parecem dotados de discernimento, particularmente o cão, o que melhor se relaciona com o Homem. São incontáveis as histórias sobre sua vivacidade.
No entanto, as religiões tradicionais situam os irracionais por simples máquinas comandadas por programações biológicas — os instintos.
Não seriam, portanto, imortais.
Em círculos religiosos obscurantistas, na Idade Média, acreditava-se que as crianças com sérias limitações mentais não possuíam alma. Daí se aproximarem do comportamento instintivo dos irracionais.
Ainda hoje, superada essa aberração, a questão constitui sério problema para a teologia ortodoxa, envolvendo a situação dos excepcionais após a morte.
Não podem ir para suposto inferno. Sem condições para exercitar o livre-arbítrio, não assumem responsabilidade por suas ações.
Mas, pela mesma razão, também não fazem por merecer o Céu.
Por outro lado, há as crianças que morrem ao nascer.
Para onde vão suas almas, se não tiveram tempo para opções condenáveis ou louváveis?
A solução encontrada por teólogos medievais não satisfaz à lógica.
As almas das crianças, bem como as dos excepcionais, iriam parar no limbo, região intermediária isenta dos tormentos infernais, mas sem a plenitude das venturas celestiais.
Certamente não estariam satisfeitas. Haveriam de reclamar pelo fato de Deus não lhes ter oferecido a possibilidade de conquistar as etéreas paragens.
Assim como os animais seriam seres à parte, na Criação, outros haveria, seres especiais, denominados anjos, superiores em inteligência, cuja principal função seria a de atuar como intermediários entre Deus e os homens.
Cada ser humano teria o seu, designado pelo Criador para protegê-lo.
Poderíamos perguntar, como o fariam os animais se falassem:
— Por que Deus não me fez anjo? Por que a existência desses seres privilegiados, situados em patamar superior à Humanidade, não por méritos pessoais, mas por escolha divina?
É como um pai que, por vontade própria, gerasse filhos irracionais, ou débeis mentais, ou precariamente racionais, ou inteligências geniais, conforme lhe desse na veneta.
Os anjos, embora superiores aos seres humanos, nem sempre foram virtuosos e obedientes. Muitos se rebelaram. Ao invés de ajudar os homens em nome de Deus, passaram a persegui-los em nome de suas ambições, procurando arrastá-los ao mal na Terra, para aprisionar e torturar suas almas no Além.
O diabo seria esse anjo rebelde.
Essas ideias são questionadas na atualidade, quando o homem vai atingindo sua maturidade intelectual e se torna mais exigente quanto aos princípios religiosos, esperando que sejam, sobretudo, racionais, que atendam à lógica.
Ideal seria uma teoria mais abrangente, uma ideia que permitisse explicar melhor a vida, os seres vivos e os propósitos de Deus, atendendo aos imperativos da Justiça.
É exatamente essa proposta da Doutrina Espírita a partir de informações colhidas da Espiritualidade, sem especulações teológicas.
Segundo o Espiritismo, todos os seres vivos têm um princípio espiritual em evolução.
Poderíamos situá-lo como a “alma” dos irracionais.
Submetido à experiência reencarnatória, com breves estágios na Espiritualidade, obedece à sintonia vibratória que o liga a determinada espécie.
Desenvolvendo-se, habilita-se à encarnação em espécies superiores, como quem sobe os degraus de uma escada.
O princípio espiritual chegará um dia à complexidade necessária para conquistar a capacidade de pensar.
Será, então, um Espírito, um ser pensante.
Uma senhora, ouvindo a respeito do assunto, suspirou:
— Ah! Agora está explicado por que meu marido parece um gorila mal-educado. É o próprio!
E ele:
— Agora sei por que minha mulher comporta-se como uma jararaca! Venenosa como ela só!
Ambos estão equivocados, caro leitor.
A transição entre o princípio espiritual e o Espírito ocorre em outros planos do Infinito, demandando largo tempo.
Entre o irracional e o homem, há longos caminhos a percorrer, fora da Terra.
A ideia de que os animais têm um princípio espiritual que evolui explica por que alguns demonstram lampejos de inteligência.
Estão mais perto dela. Já a possuem, de forma rudimentar.
Pode parecer estranho, mas é perfeitamente lógico.
Segundo Darwin, o corpo que usamos levou bilhões de anos para ser preparado por Deus, na oficina da Natureza.
Ora, por que o Espírito, a personalidade imortal, que é incomensuravelmente mais complexo, deveria ser criado num passe de mágica por Deus, dotado da capacidade de pensar e de decidir seu destino?
Como não fomos criados todos ao mesmo tempo, já que Deus o faz incessantemente, é natural que encontremos Espíritos, encarnados e desencarnados, menos evoluídos, mais evoluídos ou no estágio de evolução em que nos encontramos.
A todo momento, no contato com as pessoas, constatamos essa realidade. Não somos iguais, como diferentes são uma criança de cinco anos e um ancião de oitenta.
Os Espíritos mais evoluídos moral e intelectualmente tornam-se intermediários de Deus para ajudar seus irmãos menos experientes.
Daí a existência dos anjos protetores.
Não são seres privilegiados. Apenas irmãos nossos mais vividos, mais esclarecidos e conscientes, a cumprir os programas de Deus.
Como a evolução dos Espíritos está subordinada às suas iniciativas, pode ocorrer que avancem intelectualmente e se atrasem moralmente. Não raro, seguindo por caminhos de rebeldia, pretendem impor a desordem na Terra e o domínio sobre aqueles que se rendem à sua influência.
O diabo nada mais é que a representação desses Espíritos.
Situação transitória, porque Deus nos criou para a perfeição e lá chegaremos quer queiramos ou não, porque essa é a sua vontade.
O demônio de hoje será o anjo de amanhã, quando a vida lhe impuser penosas experiências de reajuste, reconduzindo-o aos roteiros do Bem.
***
Da irracionalidade à angelitude há longa jornada.
A Doutrina Espírita nos diz que poderemos caminhar mais depressa, com mais segurança, com menos sofrimento, com menos problemas.
Sobretudo, podemos caminhar felizes e confiantes.
Como?
É simples.
Basta que nos disponhamos a desenvolver o conhecimento das Leis Divinas, com o estudo, e a sensibilizar o coração, com a prática do Bem.
- Para seguirmos corretamente o espiritismo, devemos submeter todas as mensagens mediúnicas ao crivo duplo de Kardec, sendo eles, a razão e a universalidade.
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