sábado, 17 de agosto de 2024

O socorro do céu

O socorro do céu

Richard Simonetti



Montado em seu belo cavalo o rico fazendeiro dirigia-se à cidade, como fazia frequentemente, a fim de cuidar de seus negócios. Nunca prestara atenção àquela casa humilde, quase escondida num desvio, à margem da estrada. Naquele dia experimentou insistente curiosidade. Quem morava ali?

Cedendo ao impulso, aproximou-se. Contornou a residência e, sem desmontar, olhando por uma janela aberta, viu uma garotinha de aproximadamente dez anos, ajoelhada, mãos postas, olhos lacrimejantes...

- Que faz você aí, minha filha?

- Estou orando à Virgem Maria, pedindo socorro...

Meu pai morreu, minha mãe está doente, meus quatro irmãos têm fome...

- Que bobagem! O Céu não ajuda ninguém! Está muito distante... Temos que nos virar sozinhos!...

Embora irreverente e um tanto rude, era um homem de bom coração.

Compadeceu-se, tirou do bolso boa soma de dinheiro e o entregou à menina.

-Aí está! Vá comprar comida para os irmãos e remédio para a mamãe! E esqueça a oração!...

Isto feito, retomou à estrada. Antes de completar duzentos metros, decidiu verificar se sua orientação estava sendo observada. Para sua surpresa, a pequena devota continuava de
joelhos.

- Ora essa, menina ! Por que não vai fazer o que recomendei? Não lhe expliquei que não adianta pedir?

E ela, feliz:

- Estou apenas agradecendo. Pedi ajuda à Virgem Maria e ela enviou o senhor!

* * *

Consagrada por todas as religiões, a oração é o canal divino que favorece a assimilação das bênçãos do Céu.

Da mesma forma que é importante ter um roteiro para a jornada terrestre, que nos diga de onde viemos e para onde vamos, é imprescindível manter o contato com a Espiritualidade, favorecendo o amparo de benfeitores espirituais que, em nome de Deus, nos sustentam e inspiram na caminhada.

Esse apoio manifesta-se de duas formas:

Objetivamente, como na historieta narrada, em que mobilizam as circunstâncias em nosso favor.

Subjetivamente, em que nos falam pelos condutos da intuição, oferecendo-nos equilíbrio e serenidade para enfrentar trechos difíceis e incontornáveis do caminho.

* * *
Há quem informe:

- Meu problema é o sono. É só ensaiar a oração e sinto uma insuperável lassidão.

Adormeço de imediato. Deve ser meu obsessor...

Perguntamos:

- Quando você ora?

- Ao deitar...

Está explicado. Normalmente vamos para a cama quando estamos sonolentos. Fica difícil até pronunciar um “Pai Nosso”.

Começamos:

- Pai Nosso... que... estais., no Céu. San... ti... ficado seja... o vosso... nome...

E antes de evocar o Reino de Deus entramos no país dos sonhos. Não foi obsessor.

Foi o sono...

Neste particular não é recomendável a repetição de fórmulas verbais, que transforma a oração em mero exercício vocal, sem repercussões maiores em favor de nossa harmonia interior.

O próprio “Pai Nosso” não deve ser tomado à conta de uma poção mágica, cujos efeitos estejam subordinados à repetição. Trata-se, na realidade, de um roteiro para orar.

Jesus começa explicando o fundamental:

Devemos ver em Deus nosso pai, dirigindo-nos a Ele com a veneração e o respeito de quem santifica o seu nome; e termina com o expressivo “assim seja”, exprimindo a disposição que deve estar sempre presente em nós, no sentido de cumprirmos os desígnios do Criador.

E quais seriam eles?

Jesus os define na própria oração dominical, nos tópicos que aborda, dentre os quais destacaríamos a intransferível necessidade de superarmos mágoas e ressentimentos que tenhamos de alguém (“Perdoai-nos as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores”), já que é inconcebível reverenciar a um pai querendo mal a seus filhos.

* * *
É comum ouvirmos pessoas atormentadas a pedir que oremos por elas. De si mesmas não conseguem. Sentem-se envolvidas num turbilhonamento mental, com imensa dificuldade de concentração. Um exemplo típico: o alcoólatra, que geralmente tem a mente embotada pelo vício.

No entanto, a oração é o grande remédio. Em situações assim a pessoa deve simplesmente abrir seu coração e conversar com Deus, como o filho que pede o socorro do Pai:

- Meu Deus! Sei que estou errado. Que a bebida é uma perdição! Que estou comprometendo minha saúde e meu futuro, mas não consigo vencer o vício!... Senhor! Vós que tudo podeis, amparai este filho transviado! Ajudai-me a deixar este poço de perdição!...

Nesta oração singela temos os ingredientes básicos para receber decisivo apoio do Céu:
  • Primeiro: o alcoólatra confessa que está em erro; 
  • Segundo: reconhece que o álcool está destruindo sua existência;
  • Terceiro: Sabe que Deus pode ajudá-lo;
  • Quarto: Dispõe-se a combater o vício.
Em síntese: humildade, contrição, confiança e anseio de renovação. Com tais ingredientes não há vícios ou mazelas que resistam aos misteriosos poderes da prece.

* * *

Temos conversado com pessoas que alegam inusitado e contraditório problema:

- Quando penso em ligar-me mais intimamente ao Plano Espiritual, cultivando a oração, parece que “as coisas pioram”.

Brigo com o cônjuge, perco a paciência com os filhos, o ambiente do lar fica tumultuado...

Lembramos certos medicamentos que provocam sequelas desagradáveis, como erupções na pele. O médico informa:

- E natural. O organismo está sendo depurado. Isso passa...

Algo semelhante ocorre quando nos dispomos a orar regularmente, buscando disciplinar nossos sentimentos. E como se revolvêssemos os refolhos de nossa alma. O resultado inicial pode ser contrário à paz pretendida, num processo de afloramento de males íntimos, como uma reação do “homem velho”, que reluta em ceder lugar ao cristão renovado em Jesus, conforme propunha o apóstolo Paulo.

Considere-se, ainda, que se estivermos sob a influência de Espíritos perturbadores, “amigos”, que exploram nossas mazelas e viciações, o que geralmente ocorre, eles fatalmente nos pressionarão, tentando nos convencer de que a oração complica a existência.

Semelhantes contratempos serão superados facilmente se perseverarmos na oração, aprimorando nossa sensibilidade, nossa capacidade de nos ligarmos a Deus que, em sua infinita bondade, espera que lhe estendamos as mãos para nos erguer da perturbação para o equilíbrio, da tristeza para a alegria, da enfermidade para a saúde, da indiferença para o serviço do Bem.

***

- Habitue-se ao cultivo da oração. Ela se situa como precioso alimento, tão importante para a alma quanto o oxigênio para o corpo.

- Converse com Deus, falando-lhe de seus ideais, anseios e receios. Invariavelmente o Senhor nos ajudará a por ordem em nossa casa mental, definindo o que é melhor para nós.

- Não se preocupe em falar muito, 0 que vale é o sentimento. Sempre que nossa prece exprimir o desejo sincero de fazer o melhor, no propósito de cumprir a vontade do Criador, poderemos ouvi-lo na intimidade de nosso coração.

- Evite transformar a prece em mero petitório. Considere que se não houver compatibilidade entre o que pedimos e o que Deus nos reserva, encontraremos imensa dificuldade para colher benefícios na oração.

- Ao pronunciar o “Pai Nosso ”, faça-o lentamente, como um exercício de meditação, procurando definir o significado das expressões de Jesus. Nelas está o roteiro precioso de renovação, em favor de uma comunhão perfeita com Deus.

Richard Simonetti do livro:
Uma razão para viver

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