O vir a ser
Joanna de Ângelis
O
Self atual merece repetido, não é uma página em branco, na qual irão ser
escritos os caracteres das necessidades humanas. Herdeiro do psiquismo ínsito
no inconsciente coletivo, é portador do seu próprio inconsciente pessoal, que
são as experiências do processo evolutivo no curso dos renascimentos carnais.
Desde
os primórdios do seu processo antropossociológico, quando se organizaram as
moléculas responsáveis pelo cérebro réptil, que se formou ao impacto das ondas
emitidas pelo Si profundo — a imagem e semelhança arquetípicas de Deus —, é
portador de todos os valores profundos que se devem libertar da argamassa
celular para atingirem o esplendor, a individuação, o numinoso.
Nessa
fase de primarismo, as necessidades eram iniciais, e o automatismo governava os
seres primevos, sem quaisquer complexidades que exigissem equipamentos mais
sofisticados. Esse processo se prolongou por algumas centenas de milhares de
anos, firmando as características das necessidades nele então vigentes.
Posteriormente,
à medida que desabrochavam as faculdades inatas, etapa após etapa, a matéria se
foi adensando no períspirito ou modelo organizador biológico, dando surgimento
ao cérebro mamífero, no qual se desenvolviam os pródromos do aparelho endocrínico,
do cerebelo, da medula espinhal, para que melhor se expressassem as
necessidades compatíveis com as formas em progressivo crescimento.
Só
então surgiria, dezenas de milhares de anos transcorridos, o neocórtex,
encarregado de programar as funções nobres do ser, como a inteligência, o
sentimento, a memória, as aptidões elevadas, o discernimento, a consciência...
Desse modo, foi sendo escrita no Self através da longa jornada molecular guiada pelo Psiquismo Superior, nela existente em forma de princípio espiritual, toda a trajetória a percorrer com infinitas possibilidades de crescimento e transcendência.
Assemelha-se, esse processo, à
experiência de alguém saindo de um túnel em sombras, avançando para as
claridades do dia exuberante.
É esse princípio inteligente, causal e eterno, que programa
as formas físicas e oferece direcionamento aos neurônios cerebrais, às
glândulas de secreção endócrina e outros sensíveis equipamentos encarregados da
decodificação do psiquismo.
Assim considerando, os argumentos da conceituação antiga da
frenologia, que estabelecia a existência de áreas físicas definidas no cérebro
para os vários mecanismos da inteligência, do sentimento, do movimento,
felizmente ultrapassada desde a valiosa descoberta do centro da fala, por
Pierre Paul Broca, em abril de 1864, abrindo espaço para novas e mais
intrigantes conquistas. Assim mesmo, o cérebro prossegue desafiador na sua
estrutura e contextura profunda, responsável pelas inextricáveis complexidades
do ser e da sua vida.
Nada obstante, algumas áreas que correspondem a determinadas
funções e finalidades, quais a memória, a inteligência, o sentimento e outras
faculdades, não se encontram adstritas exclusivamente a localizações
específicas, permanecendo distribuídas por todo o cérebro, que passa a
apresentar-se como um verdadeiro holograma, no qual cada parte possui o
conjunto, que muito bem o pode expressar...
Indubitavelmente, o passado programou no ser as necessidades
da sua evolução, apontando-lhe uma finalidade, um objetivo que deve ser
alcançado mediante todo o empenho da sua inteligência e do seu discernimento.
Deixando de lado os impulsos meramente instintivos que o vêm
guiando através dos milênios, agora desperta para a razão, descobrindo a
essencialidade da vida, que nele próprio se encontra como tendência inapelável
- o seu destino - que é a harmonia, a plenitude ambicionada.
E inevitável que, durante essa trajetória, repontem as
dificuldades, hoje ameaçadoras, que fizeram parte das conquistas pretéritas, e,
no seu momento, foram os mecanismos de sobrevivência e de vitória do ser em
relação ao meio hostil e aos semelhantes primitivos que o buscavam dizimar.
Ressumando através de imagens arquetípicas e complexos
tormentosos, a psicoterapia constitui instrumento seguro para a recuperação de
valores no paciente e a libertação dos traumas profundos que remanescem do
pretérito, assim como das injunções penosas da hereditariedade, da vida
perinatal, do convívio familial, que se encontram incursos nesses impositivos
estabelecidos pela evolução.
Vencendo as impressões que permanecem do ontem, o seu vir a
ser desenha-se atraente e enriquecedor, por propiciar-lhe metas idealistas que
irão desenvolver os sentimentos e a inteligência, encarregados de selecionar os
recursos que o podem impulsionar para a conquista da saúde integral e do
equilíbrio social.
Ante as psicopatologias e transtornos da afetividade que
aturdem o ser humano, procedentes dele mesmo, o esforço do paciente, dos seus
familiares e da sociedade em conjunto deve ser estimulado, a fim de que se
inicie um programa de ajuda mútua, de companheirismo fraternal e psicológico,
trabalhando-se pelo bem-estar geral.
Quanto possível, a liberação da culpa constitui elemento de
harmonização interna, propondo novas diretrizes de trabalho interior para o
crescimento pessoal, no que redundará o estabelecimento de novas metas que
devem ser vencidas, a passo e passo, sem castração nem ansiedade, sem tormento
nem vacilação, o que seria igualmente perturbador se ocorresse em desalinho
emocional.
A conquista do amanhã é relevante para o ser, que se sente
impulsionado a vencer os desafios atuais, porque então a sua existência dispõe
de sentido e de significado real.
Descobrindo-se capaz de amar e percebendo-se amado - o que
não ocorre no período do transtorno da afetividade — o paciente fica estimulado
a avançar, porque agora, desalgemado dos conflitos que o infelicitavam,
encontra razão para prosseguir em paz.
Ninguém vive realmente sem objetivo existencial. Pode-se ser
desamado, nunca, porém, perder-se o sentido do amor.
O ser humano suporta qualquer tipo de perda, naturalmente
dentro dos seus limites emocionais, não, porém, a perda do objetivo
existencial.
Os instrumentos do otimismo, sem abuso ou exagero, da
confiança, sem a irresponsabilidade que leva aos desatinos, da alegria, sem as
ambições do gozo excessivo ou da inibição, da busca da autorrealização, sem
fugas do mundo nem exacerbação dos seus convites, da esperança, sem a
resignação estática dos inúteis ou a aflição dos desarvorados, constituem meios
eficazes para se trabalhar o próprio vir a ser.
Uma visualização correta dos planos que podem ser antecipados
pelo pensamento, gerando imagens ideais para a existência, na saúde, no
trabalho, na sociedade, no comportamento, faz-se psicoterapia edificante para
ser alcançada a posição que se anela. Isto porque, as imagens construídas no
psiquismo terminam por impregnar o superconsciente e alimentá-lo, auxiliando o
ego a superar as constrições impostas pelos fenômenos decorrentes do curso
existencial.
Se o indivíduo perde a motivação para o crescimento interno e
a conquista de valores externos, porque se encontra sob recriminação e culpa
incerteza e desinteresse existencial, a sua se torna uma jornada exaustiva e
enfermiça, porque destituída de ideais e de realizações.
A existência saudável é dinâmica, referta de ações exitosas e
malsucedidas, que se inter-relacionam em um panorama de acertos e de erros,
enganos esses que se convertem em aprendizagem para futuras conquistas que
enobrecem o ser humano.
A vida sem sentido é uma experiência sem vida.
O vir a ser dá sentido existencial à vida, promovendo-a e
dignificando-a, tornando-a saudável e bela.
Estabelecido, portanto, um roteiro psicoterapêutico
valioso, ou organizada uma simples proposta de bem-estar pessoal, o vir a ser é
essencial na estruturação da saúde do indivíduo, que se trabalha motivado para
alcançar o objetivo da existência humana, que é a busca da felicidade.
- Para seguirmos corretamente o espiritismo, devemos submeter todas as mensagens mediúnicas ao crivo duplo de Kardec, sendo eles, a razão e a universalidade.
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