sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

O vir a ser

O vir a ser

Joanna de Ângelis



O Self atual merece repetido, não é uma página em branco, na qual irão ser escritos os caracteres das necessidades humanas. Herdeiro do psiquismo ínsito no inconsciente coletivo, é portador do seu próprio inconsciente pessoal, que são as experiências do processo evolutivo no curso dos renascimentos carnais.

Desde os primórdios do seu processo antropossociológico, quando se organizaram as moléculas responsáveis pelo cérebro réptil, que se formou ao impacto das ondas emitidas pelo Si profundo — a imagem e semelhança arquetípicas de Deus —, é portador de todos os valores profundos que se devem libertar da argamassa celular para atingirem o esplendor, a individuação, o numinoso.

Nessa fase de primarismo, as necessidades eram iniciais, e o automatismo governava os seres primevos, sem quaisquer complexidades que exigissem equipamentos mais sofisticados. Esse processo se prolongou por algumas centenas de milhares de anos, firmando as características das necessidades nele então vigentes.

Posteriormente, à medida que desabrochavam as faculdades inatas, etapa após etapa, a matéria se foi adensando no períspirito ou modelo organizador biológico, dando surgimento ao cérebro mamífero, no qual se desenvolviam os pródromos do aparelho endocrínico, do cerebelo, da medula espinhal, para que melhor se expressassem as necessidades compatíveis com as formas em progressivo crescimento.

Só então surgiria, dezenas de milhares de anos transcorridos, o neocórtex, encarregado de programar as funções nobres do ser, como a inteligência, o sentimento, a memória, as aptidões elevadas, o discernimento, a consciência...

Desse modo, foi sendo escrita no Self através da longa jornada molecular guiada pelo Psiquismo Superior, nela existente em forma de princípio espiritual, toda a trajetória a percorrer com infinitas possibilidades de crescimento e transcendência.  

Assemelha-se, esse processo, à experiência de alguém saindo de um túnel em sombras, avançando para as claridades do dia exuberante.

É esse princípio inteligente, causal e eterno, que programa as formas físicas e oferece direcionamento aos neurônios cerebrais, às glândulas de secreção endócrina e outros sensíveis equipamentos encarregados da decodificação do psiquismo.

Assim considerando, os argumentos da conceituação antiga da frenologia, que estabelecia a existência de áreas físicas definidas no cérebro para os vários mecanismos da inteligência, do sentimento, do movimento, felizmente ultrapassada desde a valiosa descoberta do centro da fala, por Pierre Paul Broca, em abril de 1864, abrindo espaço para novas e mais intrigantes conquistas. Assim mesmo, o cérebro prossegue desafiador na sua estrutura e contextura profunda, responsável pelas inextricáveis complexidades do ser e da sua vida.

Nada obstante, algumas áreas que correspondem a determinadas funções e finalidades, quais a memória, a inteligência, o sentimento e outras faculdades, não se encontram adstritas exclusivamente a localizações específicas, permanecendo distribuídas por todo o cérebro, que passa a apresentar-se como um verdadeiro holograma, no qual cada parte possui o conjunto, que muito bem o pode expressar...

Indubitavelmente, o passado programou no ser as necessidades da sua evolução, apontando-lhe uma finalidade, um objetivo que deve ser alcançado mediante todo o empenho da sua inteligência e do seu discernimento.

Deixando de lado os impulsos meramente instintivos que o vêm guiando através dos milênios, agora desperta para a razão, descobrindo a essencialidade da vida, que nele próprio se encontra como tendência inapelável - o seu destino - que é a harmonia, a plenitude ambicionada.

E inevitável que, durante essa trajetória, repontem as dificuldades, hoje ameaçadoras, que fizeram parte das conquistas pretéritas, e, no seu momento, foram os mecanismos de sobrevivência e de vitória do ser em relação ao meio hostil e aos semelhantes primitivos que o buscavam dizimar.

Ressumando através de imagens arquetípicas e complexos tormentosos, a psicoterapia constitui instrumento seguro para a recuperação de valores no paciente e a libertação dos traumas profundos que remanescem do pretérito, assim como das injunções penosas da hereditariedade, da vida perinatal, do convívio familial, que se encontram incursos nesses impositivos estabelecidos pela evolução.

Vencendo as impressões que permanecem do ontem, o seu vir a ser desenha-se atraente e enriquecedor, por propiciar-lhe metas idealistas que irão desenvolver os sentimentos e a inteligência, encarregados de selecionar os recursos que o podem impulsionar para a conquista da saúde integral e do equilíbrio social.

Ante as psicopatologias e transtornos da afetividade que aturdem o ser humano, procedentes dele mesmo, o esforço do paciente, dos seus familiares e da sociedade em conjunto deve ser estimulado, a fim de que se inicie um programa de ajuda mútua, de companheirismo fraternal e psicológico, trabalhando-se pelo bem-estar geral.

Quanto possível, a liberação da culpa constitui elemento de harmonização interna, propondo novas diretrizes de trabalho interior para o crescimento pessoal, no que redundará o estabelecimento de novas metas que devem ser vencidas, a passo e passo, sem castração nem ansiedade, sem tormento nem vacilação, o que seria igualmente perturbador se ocorresse em desalinho emocional.

A conquista do amanhã é relevante para o ser, que se sente impulsionado a vencer os desafios atuais, porque então a sua existência dispõe de sentido e de significado real.

Descobrindo-se capaz de amar e percebendo-se amado - o que não ocorre no período do transtorno da afetividade — o paciente fica estimulado a avançar, porque agora, desalgemado dos conflitos que o infelicitavam, encontra razão para prosseguir em paz.

Ninguém vive realmente sem objetivo existencial. Pode-se ser desamado, nunca, porém, perder-se o sentido do amor.

O ser humano suporta qualquer tipo de perda, naturalmente dentro dos seus limites emocionais, não, porém, a perda do objetivo existencial.

Os instrumentos do otimismo, sem abuso ou exagero, da confiança, sem a irresponsabilidade que leva aos desatinos, da alegria, sem as ambições do gozo excessivo ou da inibição, da busca da autorrealização, sem fugas do mundo nem exacerbação dos seus convites, da esperança, sem a resignação estática dos inúteis ou a aflição dos desarvorados, constituem meios eficazes para se trabalhar o próprio vir a ser.

Uma visualização correta dos planos que podem ser antecipados pelo pensamento, gerando imagens ideais para a existência, na saúde, no trabalho, na sociedade, no comportamento, faz-se psicoterapia edificante para ser alcançada a posição que se anela. Isto porque, as imagens construídas no psiquismo terminam por impregnar o superconsciente e alimentá-lo, auxiliando o ego a superar as constrições impostas pelos fenômenos decorrentes do curso existencial.

Se o indivíduo perde a motivação para o crescimento interno e a conquista de valores externos, porque se encontra sob recriminação e culpa incerteza e desinteresse existencial, a sua se torna uma jornada exaustiva e enfermiça, porque destituída de ideais e de realizações.

A existência saudável é dinâmica, referta de ações exitosas e malsucedidas, que se inter-relacionam em um panorama de acertos e de erros, enganos esses que se convertem em aprendizagem para futuras conquistas que enobrecem o ser humano.

A vida sem sentido é uma experiência sem vida.

O vir a ser dá sentido existencial à vida, promovendo-a e dignificando-a, tornando-a saudável e bela.

Estabelecido, portanto, um roteiro psicoterapêutico valioso, ou organizada uma simples proposta de bem-estar pessoal, o vir a ser é essencial na estruturação da saúde do indivíduo, que se trabalha motivado para alcançar o objetivo da existência humana, que é a busca da felicidade.

Joanna de Ângelis por Divaldo Franco do livro:
Triunfo Pessoal

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