quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Allan Kardec e a unidade doutrinária

 Allan Kardec e a unidade doutrinária

Deolindo Amorim


(...) Embora já se conheça suficientemente a biografia do Codificador do Espiritismo, há sempre o que estudar e meditar, principalmente quando nos fixamos em determinados aspectos. Vamos considerar, por exemplo, a preocupação de Allan Kardec com o ensino espírita. Como pedagogo, voltado a vida inteira para os problemas da instrução e da educação, entendia ele, e a experiência lhe dá toda razão, que o movimento espírita deveria, desde cedo, cuidar do ensino da Doutrina para a formação de adeptos capazes. Uma antecipação que podemos chamar de luminosa, sem a menor dúvida.

Uma vez concluída a obra da Codificação com o livro A Gênese (em 1868), depois de um trabalho de mais de 11 anos a fio, quis o Codificador traçar, agora, os rumos que deveria seguir o movimento espírita, ainda no início da difusão doutrinária. Veja-se, aí, a visão lúcida e penetrante de Allan Kardec: quando muita gente ainda estava no entusiasmo das primeiras impressões, quando nem todos, entre os próprios aderentes na França, haviam tomado pé no terreno, como se costuma dizer, já ele pensava na organização de um plano de atividades, prevendo providências práticas, a fim de que os continuadores soubessem conduzir bem a nova bandeira, daí o projeto de 1868 no qual incluiu a previsão de um curso regular de Espiritismo.

Curso pressupõe sequência, método, regularidade. Era justamente o que ele queria: um curso para ensinar a Doutrina. Claro que não seria um curso acadêmico, visando ao bacharelado, por exemplo, com vestibular, diploma, etc... Não! Um curso regular, na realidade, para ministrar o ensino dos princípios básicos do Espiritismo, sem formalismo nem títulos. E qual o objetivo desse curso, antevisto por Allan Kardec? Preparar adeptos capazes. Quem o diz é o próprio Codificador da Doutrina. Queria ele evitar o estudo desordenado, a improvisação e, sobretudo, a preponderância dos elementos despreparados. Como confiar a divulgação ou a interpretação de uma Doutrina a pessoas que não se prepararam convenientemente ou falam apenas por alto, quando não por momentâneo entusiasmo, mas que não têm a verdadeira segurança de conhecimento?

Era justamente a preocupação de Allan Kardec em relação ao futuro do Espiritismo, que deveria espalhar-se em todas as direções, mas poderia correr o risco de ser mal interpretado ou desfigurado em seu verdadeiro pensamento, exatamente pela falta de adeptos capazes, e não apenas crentes ou seguidores ocasionais.

Todos nós sabemos, pela experiência cotidiana, que há muita diferença entre apenas acreditar na comunicação dos espíritos e aceitar conscientemente os princípios espíritas. Kardec previa, de começo, precisamente a formação de um corpo de doutrinadores responsáveis, isto é, de pessoas identificadas com o pensamento doutrinário através de estudos metódicos, e não de leituras a esmo, leituras que podem dar noções esparsas, mas que não revelam a verdadeira linha de sequência dos ensinos básicos.

Evidentemente, não queria ele abrir caminho para a criação de elites no movimento espírita, uma espécie de cúpula intelectual, que fala de cátedra, como se estivesse muito acima da planície. Absolutamente! Nem o movimento espírita comportaria inovações deste tipo. Mas de uma coisa podemos estar certos: se é verdade que não há lugar, em nosso meio, para elites sofisticadas, também é verdade, e verdade demonstrada pela experiência, que as ideias espíritas não podem ser conduzidas ou esclarecidas sob o primado da ignorância. Exatamente por deficiência de estudo regular ou metódico, e de mais penetração no âmago da Doutrina, é que estamos vendo, lamentavelmente, tantas distorções e tanta inoculação de ideias pessoais, em nome do Espiritismo...

Um curso regular de Espiritismo, assim preconizava Allan Kardec, teria a vantagem de fundar a unidade de princípios, "fazer adeptos esclarecidos, capazes de espalhar as ideias espíritas e de desenvolver grande número de médiuns". Ainda mais encontramos em Obras Póstumas: "Considero esse curso como de natureza a exercer capital influência sobre o futuro do Espiritismo e sobre as suas consequências."

Estão associados, aí, dois pontos substanciais ou inequívocos: a unidade doutrinária e o futuro do Espiritismo. O futuro do Espiritismo depende da unidade doutrinária. Sem unidade, cada qual fará o seu Espiritismo ou apresentará a Doutrina a seu modo, como se ela não fosse realmente um corpo homogêneo, É natural que todos nós tenhamos nossas ideias particulares ou possamos ver certos aspectos do Espiritismo por um prisma muito próprio. Mas não podemos deslocar a posição dos verdadeiros conceitos espíritas a fim de acomodá-los ao nosso modo de ver. Seria a quebra da unidade doutrinária que é a espinha dorsal da estrutura doutrinária, como já se disse inúmeras vezes.

Por causa de uma visão parcial ou incompleta do Espiritismo, justamente sem a noção exata de sua unidade capital, é que muitas pessoas, por terem sido mal encaminhadas nos primeiros passos de participação espírita, ainda não compreendem que só existe UM Espiritismo, embora existam muitos campos de trabalho, muitas formas de ação.

Há quem fale em Espiritismo social, com tanta ênfase, como se o Espiritismo fosse exclusivamente campo de assistência social... Há quem realce com ardor o Espiritismo evangélico em contraposição ao Espiritismo científico. E assim por diante. São particularizações muito enfáticas, mas prejudicam a visão global, o sentido de unidade, justamente porque dão ideia de que existem diversos Espiritismos: o social, que é de uma área, o evangélico, que é de outra área. 0 científico que é de gabinete, etc. Ora, tudo isto constitui apenas uma desfiguração que incide sensivelmente na unidade doutrinária.

As consequências do Espiritismo atendem a necessidades diversas e, por isso mesmo, os campos de trabalho se desdobram cada vez mais através da pesquisa científica, da meditação e da explanação evangélica, assistência social, etc... Mas o foco que projeta luz sobre todos esses ângulos é um só — o ensino fundamental da Doutrina. A diversificação é apenas no trabalho humano, de acordo com o momento, o ambiente e as circunstâncias. A Doutrina, porém, não se diversifica nem se desfigura. Justamente por isso, é indispensável que tenhamos em vista, acima de tudo, a unidade doutrinária, que Allan Kardec tanto encareceu.

(Trechos de uma palestra proferida em 17/10/76 na Sociedade Espírita Allan Kardec, em Porto Alegre — RS)

Deolindo Amorim do livro:
Ponderações Doutrinárias
(Coletânea de artigos publicados por Deolindo Amorim, em diversos jornais e revistas espíritas do Brasil e do Exterior / Livro organizado por Celso Martins)
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