Sexo e escravidão
Evaristo Nepomuceno
Sofro muito. Fui e sou vítima do sexo, apologista do amor livre assim como da insensatez.
Não há como descrever o que me martiriza, o que me exaure.
As datas me são imprecisas. Sei que pago o preço das dissipações e aqui venho, por misericórdia, banhar-me um pouco em forças magnéticas para restabelecer o meu equilíbrio.
Usei até a exaustão a mente e 0 corpo na concupiscência devastadora. Vivi como servo de apetites, os mais vis, que me entenebreceram e prosseguem escravizando-me.
Não sei como se deu a minha morte. Acordei, no meio de sombras densas, respirando com infinita dificuldade, vilipendiado e achincalhado por um auditório da mais baixa categoria. Dei-me conta que enlouqueceria, e, no entanto, aquilo era apenas o começo da minha nova jornada.
Homem vaidoso, zeloso da aparência, consciente do magnetismo e da atração que possuía, senti-me putrefato, com os trajos orgânicos decompostos, cabelos alongados e barba abundante, sujos, e nauseante, pegajoso, pela decomposição cadavérica, e, sobretudo, animalizado pela insídia de perseguidores implacáveis, que, só mais tarde vim a saber, se utilizavam de mim para o ímpio jogo da sensualidade...
Não sei quanto tempo os padeci, tão nefasta era a minha perturbação. O organismo de que eu supunha libertar-me não me deixou livre de tudo. A morte não se dera, acreditei, em delírio —, perdera somente a constituição física, enquanto carregava as sensações fisiológicas.
Ninguém pode supor o que seja a ardência de uma volúpia devastadora, sem termo e sem lenimento.
Simultaneamente as indagações das pessoas a quem impedi de ser felizes, as de quem abusei, as lágrimas que derramavam, pareciam-me gotas de aço derretido que me alcançavam em forma de remorso incessante, a queimar-me por dentro.
Apelos insensatos de antigos comparsas, a mim ligados pelas recordações pecaminosas, laceravam-me, exaurindo-me. Tudo isto adicionado a angústia da frustração tornava-se dores as mais acerbas que me asfixiavam sem aniquilar e me destruíam sem apagar a consciência.
Ando mergulhado num oxigênio denso e desagradável, pestilento e comburente. Ébrio, depauperado, miserável, acoimado pelo arrependimento, perseguido pelos antigos usurpadores das minhas forças e atraído pelas viciações que ainda me jugulam ao corpo já desaparecido, tentei muitas vezes erguer na sepultura a forma cadaverizada e podre, segurando as carnes a se desfazerem, levantando a ossatura, a fim de evadir-me do cemitério, inutilmente. Busquei socorro, gritei, chamei por todos, exorei compaixão e a minha voz não ecoava: só o remorso de tudo que fiz me alucinava sem cessar.
A cegueira, a ilusão que passou eram a presença truanesca que experimentava e ainda possuo...
Tudo que desperdiçamos, o mal que inspiramos, o enlanguecimento que impomos, o comércio mental que estabelecemos tornam-se algemas de ferro, a que nos submeteremos sem fuga de espécie alguma...
Sofro, enganando, pois só a mim mesmo me enganei. Sedutor, pecaminoso, não me libertei da luxúria em que me decompus.
Sou uma sombra desalentada, aqui trazida para suplicar piedade e socorro e deixar com a minha dorida lição a experiência para que ninguém engane a ninguém, nem cultive espinhos, porque, desgraçadamente, podemos fugir de tudo e de todos, não do que somos e do que fazemos...
Não posso continuar.
Que Deus se amerceie dos que enlouqueceram e fazem enlouquecer pelo sexo!
Evaristo Nepomuceno por Divaldo Franco do livro:
Depoimentos vivos
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