O criminoso e o crime
Pedro de Camargo (Vinícius)
No conceito que geralmente se faz do mal, sob seus vários aspectos, confunde-se o mal, propriamente dito, com aquele que o pratica. Dessa lamentável confusão advêm não pequenos erros de apreciação, quanto à maneira eficiente de combater-se o mal.
Para bem agirmos em prol do saneamento moral, precisamos partir deste princípio: o crime não é o criminoso, o vício não é o viciado, o pecado não é o pecador, do mesmo modo e pelo mesmo critério que o doente não é a doença. Assim como se combatem as enfermidades e não os enfermos, assim também se devem combater o crime, o vício e o pecado, e não o criminoso, o viciado e o pecador.
O mal não é intrínseco no indivíduo, não faz parte da natureza íntima do Espírito; é, antes, uma anomalia, como o são as enfermidades. O bem, tal como a saúde, é o estado natural, é a condição visceralmente inerente ao espírito. Um corpo doente constitui um caso de desequilíbrio, precisamente como um espírito transviado, rebelde, viciado, ou criminoso.
Há tantas variedades de distúrbios psíquicos quantas de distúrbios físicos, aos quais a medicina rubrica com variadíssimas denominações. A origem do mal, quer no corpo, quer no espírito, é a mesma: infração das leis de higiene.
O homem frauda essa lei por ignorância, por fraqueza e, finalmente, pelo impulso de certas paixões que o dominam. Não devemos votá-lo ao desprezo por isso, nem, muito menos, malsiná-lo como réprobo, pois, em tal caso, se justificaria tratar-se de igual modo os enfermos.
Aliás, em épocas felizmente remotas, se procedeu assim com relação aos enfermos de moléstias infectuosas. Esses infelizes eram tidos como vítimas da cólera divina e, por isso, perseguidos desapiedadamente pela sociedade.
A ignorância torna os homens capazes de todas as insânias. Pois é essa mesma ignorância, com referência aos transviados da senda nobre da vida, que gera a repulsa e mesmo o ódio contra os delinquentes. Os velhos códigos humanos, assim civis que religiosos, foram vazados nos moldes dessa confusão entre o ato delituoso e o seu agente.
Quando Jesus preconizou o — amai os vossos inimigos; fazei bem aos que vos fazem mal — não proclamou somente um preceito altamente humanitário, proferiu uma sentença profundamente pedagógica e sábia. A benevolência, contrastando com a agressão, é o único processo educativo capaz de corrigir e regenerar o pecador.
Cumpre notar, e o declaramos com toda a ênfase, que nada tem esta doutrina de comum com o sentimentalismo piegas, estéril e, às vezes, prejudicial. Trata-se de repor as coisas nos seus lugares. Para varrer-se o mal da face da Terra, é preciso que se apliquem métodos naturais, conducentes a esse objetivo. O método natural é a educação do espírito. Com o velho sistema de castigar, ou eliminar as vitimas do crime e do vício, nada se logrará de positivo, conforme os fatos atestam eloquentemente.
A medicina jamais pensou na eliminação dos enfermos; toda a sua preocupação está em curar as doenças. Pois o processo deve ser o mesmo, em se tratando dos distúrbios que afetam o moral dos indivíduos.
Felizmente, os primeiros pródromos de uma reforma radical neste sentido já se observam nos meios mais avançados. O único castigo capaz de produzir efeito na regeneração dos culpados é o que se traduz pela natural consequência dolorosa do erro ou mal cometido, consequência que recai fatalmente sobre o culpado. É necessário fazer que o delinquente reconheça esse fato, e isto se consegue por meio da instrução moral.
Toda punição imposta de fora, como revide social, é contraproducente, conforme os fatos, em sua irretorquível expressão, têm comprovado mil vezes.
É muito fácil encarcerar ou eletrocutar um criminoso. Educá-lo é mais difícil, mais trabalhoso, demanda esforço, tempo, saber e caridade. Por isso, o Estado manda os criminosos à forca e as religiões remetem os pecadores, que não são da sua grei, para o inferno.
Mas, se aquele é o único processo eficaz, procuremos empregá-lo, e não este, anticientifico, imoral e cruel.
A educação vence e previne o mal. O homem educado conhece o senso da vida, age conscienciosamente com critério, com discernimento: é um valor social. É pela educação que se hão de vencer os vícios repugnantes (haverá algum que o não seja?), que se hão de domar as paixões tumultuárias que obliteram a inteligência e a razão. E, de tal modo, sanear-se-á a sociedade.
Retirem-se os delinquentes do convívio social, como se faz com o pestoso que ameaça a salubridade pública; mas, como a este, preste-se àquele a assistência que lhe é devida: educação.
E não se suponha, outrossim, que só os criminosos devem ser educados. A obra de educação é obra de salvação, é obra religiosa em sua alta finalidade, é obra científica e social em sua expressão verdadeira. Eduquem-se a todos, cada um na sua esfera, até que a educação se transforme, em cada indivíduo, numa autoeducação contínua, ininterrupta.
Na educação do espírito está o senso da vida, está a solução de todos os seus problemas.
Nota: Pedro de Camargo, mais conhecido por Vinícius (pseudônimo que adotou e usou por mais de 50 anos), nasceu em Piracicaba (SP) em 7 de maio de 1878. Desde muito jovem abraçou com entusiasmo o Espiritismo, tendo fundado e dirigido em sua terra natal a instituição espírita “Fora da caridade não há salvação”. Por muitos anos presidiu também a “Sociedade de Cultura Artística”, na mesma cidade. Em 1938, mudou-se para a cidade de São Paulo, onde permaneceu até a sua desencarnação em 11 de outubro de 1966. A partir de 1949, desenvolveu, através do rádio, um programa evangélico de grande proveito para os espíritas. Teve participação destacada nos esforços em prol da unificação do Movimento Espírita Brasileiro que culminaria com a criação do Conselho Federativo Nacional (CFN). Colaborou por dezenas de anos com artigos que primavam pela essência altamente doutrinária e evangélica publicados em Reformador. (Trecho extraído do site da FEB)
- Para seguirmos corretamente o espiritismo, devemos submeter todas as mensagens mediúnicas ao crivo duplo de Kardec, sendo eles, a razão e a universalidade.
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