Técnica da Comunicação Espírita
Hermínio C. Miranda
MUITO INTERESSA AOS espíritas o problema da comunicação. No contexto da nossa Doutrina, a sua técnica se desdobra em dois aspectos distintos e complementares, ambos de extrema importância: a comunicação entre os Espíritos e os encarnados, e aquela que somente ocorre entre estes últimos. A primeira, pela sua condição especial, ficou, na terminologia espírita, com o nome de comunicação mediúnica, por exigir o concurso de um intermediário (o médium) entre as duas faces da vida (1). Na comunicação entre os homens, o processo é direto e prescinde do médium. Numa, recebemos mensagens reveladoras do mundo espiritual; noutra, procuramos transmitir ao nosso semelhante as ideias, que constituem a essência da Doutrina Espírita.
Ao estudarmos com maior atenção as estruturas dos dois processos, verificamos facilmente que têm pontos fundamentais de identidade e semelhança, como veremos.
Antes, porém, uma definição. O verbo comunicar vem do latim communicare, isto é, tornar comum, partilhar, transmitir, divulgar, propagar. Logicamente, portanto, qualquer sistema de comunicação exige um instrumento, um aparelho. Na comunicação mediúnica o médium exerce essa função; nos processos que se desenvolvem entre os homens, os aparelhos são outros: imprensa, rádio, cinema, televisão, todo o instrumental, enfim, da moderna Informática, aliás, chamado media.
(1) É possível que futuramente sejam criados aparelhos suficientemente sensíveis para servirem de instrumentos de comunicação mediúnica, mas até agora estamos na dependência do médium humano. Acho mesmo que é bom que assim seja, pois do contrário, presa ao retardamento moral em que ainda se debate a humanidade terrena, teríamos em breve computadores mediunizados prontos para venderem informações espirituais por linha impressa. Não faltariam, por certo, Espíritos dispostos a prestarem esse serviço" a troco de algumas vitimas para os seus métodos de obsessão.
A decomposição do processo revela o seguinte: em todo sistema de comunicação — mediúnica ou não — o componente inicial é a ideia, concebida na mente daquele que deseja transmiti-la a alguém. É evidente que a clareza da comunicação dependerá fortemente da maior ou menor lucidez que existir na concepção da ideia original. Se o pensamento for confuso e mal formulado, a comunicação não poderá ser bastante clara e bem ordenada. Se for de baixo teor, propagará aspectos negativos da natureza humana e acarretará danos imprevisíveis por onde passar, desde sua fonte até à sua destinação.
O segundo componente do sistema é a expressão formal do pensamento. Aquele que deseja transmitir uma ideia, terá de traduzi-la de alguma forma, segundo o processo que tiver à sua disposição. Isso porque nós não pensamos em palavras e sim em imagens ou impressões fugidias que passam pelo nosso consciente como flashes velozes que precisamos agarrar às pressas para que não se percam. O primeiro trabalho é, pois, o de converter pensamentos, ideias, sensações e impressões em um sistema de códigos, sinais ou imagens sensoriais que sejam comuns a uma grande quantidade de gente. (Notem a expressão comum que espontaneamente aparece no texto, evidenciando o sentido das palavras comunicar e comunicação.) Se o pensamento deve ser expresso em palavras, há que fazer a escolha da língua; se for em imagens, é preciso decidir quanto à forma, à cor, ao tamanho e ao processo de divulgação (serão impressas, desenhadas, representadas em esculturas tridimensionais?).
Com isto chegamos ao terceiro componente do processo de comunicação, que é a interpretação por parte daquele que a recebe. É evidente, portanto, que a mensagem não é recebida na sua forma original, tal como foi concebida na mente daquele que a enviou, e sim já convertida num dos meios usuais empregados para torná-la comum, ou seja, para comunicá-la. Isso quer dizer que ela passou por um processo de codificação, ao ser transformada em sinais ou símbolos de ideias que surgem no plano do nosso entendimento como representações das próprias ideias. É que na fase atual da nossa evolução espiritual ainda não podemos transmitir o nosso pensamento na sua forma original, com a dispensa dos símbolos criados para comunicá-lo. Cabe, assim, àquele que recebe a mensagem, descodificá-la para reconvertê-la à forma original e ser então absorvida como pensamento puro.
Alcançamos o quarto componente do processo de comunicação quando a reação do recipiendário ao conteúdo da mensagem recebida é enviada de volta à fonte de onde proveio (feedback), provocando, por sua vez, eventual reação.
Há, dessa forma, um mecanismo cíclico no processo, condição básica do que hoje chamamos diálogo, mas, para os objetivos da nossa modesta especulação basta ficarmos na terceira fase, que já teremos bastante material para alimentar a meditação, dirigindo-a para os processos da comunicação espírita.
Imaginemos o mecanismo em ação. O Espírito desencarnado deseja transmitir a ideia de que a clareza da mensagem depende da pureza daquele que a recebe, ou seja, da sua boa predisposição psíquica e moral. De muitas maneiras se poderia vestir essa imagem: transmiti-la em palavras — prosa e verso; em imagens — coloridas ou não, fixas ou móveis; e até em sons ou em combinações audiovisuais, tão ao gosto da técnica moderna.
Vejamos o que fez com ela Neio Lúcio, no grande livrinho "Jesus no Lar", 6 . a edição da FEB, capítulo 3, página 15.
Sara, esposa de Benjamim, um criador de cabras, comenta sua dificuldade em integrar-se na ideia do Reino de Deus pregada pelo Mestre. Por onde começar? Que fazer? Como fugir das velhas fórmulas desgastadas, mas persistentes? Como perdoar os que a ofendam? Como livrar-se do apego aos bens terrenos?
Pedro aconselha boa-vontade. A mulher de Simão sugere os caminhos da fé em Deus, mas todos sentem que a grande palavra ainda não foi pronunciada. Ao cabo de longo silêncio, Jesus lhe pergunta qual a principal atividade da casa.
— É a criação de cabras — diz Sara, sem entender o alcance da interpelação.
E como fazia ela para conservar o leite? Isto era simples e disto ela entendia. Era preciso, em primeiro lugar, lavar as vasilhas com extremo cuidado. Se ficasse qualquer detrito, o leite azedaria.
Nesse suporte monta-se a imagem tão sublime e de tão fácil poder de comunicação: assim é a revelação celeste, diz Jesus. Se não purificarmos o vaso da alma, o conhecimento, mesmo que seja superior, se confunde com os detritos que remanescem em nosso íntimo e reduz a importância e o impacto dos benefícios que poderíamos receber, da mesma forma que o leite azedo não está perdido, mas não serve mais para o uso habitual. Lembra Jesus que Moisés e os profetas foram grandes mensageiros, mas aqueles que os ouviram não estavam suficientemente purificados e limpos de espírito para receber as mensagens como deviam e interpretá-las corretamente. "O leite puro dos esclarecimentos elevados penetra o coração como alimento novo, mas aí se mistura com a ferrugem do egoísmo velho. Do serviço renovador da alma restará, então, o vinagre da incompreensão, adiando o trabalho efetivo do Reino de Deus."
E, no fecho da comunicação tão singela e penetrante, um resumo da ideia que a motivou:
— O orvalho num lírio alvo é diamante celeste, mas, na poeira da estrada, é gota lamacenta. Não te esqueças desta verdade simples e clara da Natureza.
Aí está exposto e exemplificado o processo todo da comunicação, tal como ensinam os modernos técnicos e especialistas. A ideia original, na mente daquele que a concebeu, ou seja, o Espírito Neio Lúcio; a sua conversão num dos códigos de comunicação, no caso, palavra escrita da língua portuguesa; o terceiro componente é o leitor que a estuda, interpreta e sente o conteúdo emocional da mensagem. Como se trata de comunicação mediúnica, não poderia faltar no processo a presença do médium, o nosso querido Chico que, cuidando sempre do seu instrumental, procura oferecer aos nossos amigos espirituais o vasilhame limpo de que nos fala Jesus na palavra de Neio Lúcio.
*
A outra face da comunicação que interessa a nós, espíritas, é a da divulgação do conteúdo espiritual da Doutrina entre os homens, através da palavra falada ou escrita.
Nesse campo temos à disposição todo o vastíssimo e aperfeiçoado aparelhamento moderno, mas é evidente que esses mesmos métodos que nos facultam enormes possibilidades de ampliação dos horizontes espirituais da Humanidade ditam, com igual força, as limitações que nos aprisionam dentro dos rígidos esquemas da nossa era. É que a nossa mensagem de paz e de entendimento, de luz e de amor, tem de competir com todo o imenso alarido que as baterias da publicidade moderna criaram para disputar a atenção do homem, atraindo-a para fins imediatistas e materialistas. Além
do mais, pesquisas realizadas por especialistas, revelaram que o impacto da mensagem publicitária sobre as massas humanas está na razão inversa da sua seriedade. Isso quer dizer, portanto, que é mais fácil obter a atenção do público para comunicações frívolas, que apelam para os sentidos e para os interesses imediatos, do que para as que tenham conteúdo sério, elevado, dirigidas para os objetivos superiores da vida. Esses fatores, habilmente explorados pelos técnicos da comunicação, resultam na certeza de que é mais fácil convencer alguns milhões de seres a comprarem determinada marca de cigarros do que levá-los à mudança de um ponto de vista acerca de problemas sociais, políticos, econômicos ou religiosos, em especial estes últimos, que representam conceitos que a muitos parecem enormemente distanciados das realidades do mundo em que vivem.
Cabe-nos, pois, estar preparados para a divulgação das nossas ideias. Os métodos que temos de usar são aqueles que hoje se nos oferecem. Não estamos mais nos doces tempos de Paulo, quando uma simples epístola manuscrita, em uma só via, era remetida por mensageiros a pé, através do mundo, para alcançar Corinto, Roma ou Éfeso. E lá ficavam e de lá se irradiavam lentamente para outros pontos, de mão em mão, de século em século. As comunicações são hoje impressas aos milhares, aos milhões, em livros, jornais, revistas, folhetos e filmes, gravadas em fita magnética, confiadas à memória dos computadores. A palavra falada é ampliada por microfones poderosos, espalhada pelo rádio, pelo cinema e pela televisão, via satélites artificiais que giram acima de nossas cabeças. Os fenômenos psíquicos explodem cada dia mais alto, nas manchetes dos grandes diários da imprensa leiga. Mas, a atenção do homem é errática e superficial, porque inúmeras outras solicitações veementes pululam à sua volta.
Temos, pois, de estudar os métodos do mundo e aperfeiçoar cada vez mais a nossa técnica. Seja o nosso falar sim, sim; não, não, como queria o Mestre. Seja a linguagem direta, sem floreados, que a época não mais comporta, mas com um conteúdo legítimo de autenticidade, apoiado na coragem moral de declarar alto e bom som a nossa posição. Somos espíritas, somos espíritos, temos uma mensagem intemporal de amor e paz. Se falharmos na transmissão dessa mensagem, quem poderá estimar o retardamento das conquistas maiores que nos esperam lá na frente, lá no alto?
Naquilo que recebemos dos nossos amigos espirituais, procuramos encontrar, com honestidade e diligência, a pureza da ideia primitiva que os impulsionou. Naquilo que transmitirmos aos nossos irmãos, tratemos de colocar em ordem o nosso pensamento, para que saia puro o teor da mensagem. Ela corre sempre o risco de "azedar", se não cuidarmos da limpeza imaculada do vasilhame que a recebe e a retransmite. Acima de tudo isso, não abandonemos as fontes de onde flui toda essa água cristalina que aplaca a nossa sede de luz e de amor: o Evangelho de Jesus e a obra monolítica de Kardec.
Hermínio C. Miranda
Revista Reformador Mar. 1971,
posteriormente publicado no livro:
Sobrevivência e Comunicabilidade do Espíritos - FEB
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