O boneco
Richard Simonetti
Osório, sua esposa Selma e o filho Tiago almoçam, tranquilos, quando ouvem gritos. É Carmem, a filha mais nova, nos fundos da casa. Acodem rápido!
- Vejam que horrível! - mostra a jovem, assustada.
Num canto do quintal, perto da piscina, o objeto de tamanho alarido: um boneco de pano, muito estranho, com várias costuras no ventre e na boca, manchas de sangue no tecido surrado, espetado por várias agulhas...
- Não toquem! Cuidado! É um “despacho”! - adverte Felismina, a serviçal doméstica.
- Meu Deus! Quem será o malvado que nos quer prejudicar?! Não fazemos mal a ninguém! - reclama a dona da casa.
E dirigindo-se ao marido:
- Certamente é arte daquela sirigaita que trabalha em sua repartição! Ela não esconde que o considera um ótimo partido. Seria um viúvo disputado! Valha-me, Jesus amado! Sinto falta de ar!... É para mim essa encomenda das trevas!...
- Ora, querida - responde o esposo, conciliador - não julgue assim a pobre Anita. Conheço-a bem. Seria incapaz de semelhante maldade! Suspeito antes do Costinha e sua mulher. São invejosos!... Provavelmente, estão pretendendo “amarrar” nossa prosperidade! É preciso fazer algo rápido para neutralizar essa nefasta influência, porquanto também fui atingido... Ah! Minha enxaqueca!... Parece que martelam meus miolos!...
- Coisa boa não é! - acrescenta, perturbado, Tiago - As agulhas parecem enterradas em meu próprio corpo. Dói tudo! O “despacho” é para mim! Quando me apaixonei pela Margarida e rompi o noivado com Júlia ela jurou que eu pagaria pela desfeita. A família dela mexe com “saravá”!
- Você, que entende dessas coisas, o que nos diz, Felismina?
A serviçal responde, enfática:
- Não sei quem fez, mas é para prejudicar a família toda. Com a confusão que mora nesta casa não tenho dúvida de que há males encomendados!...
O grupo assusta-se mais! O medo cresce fermentado pela dúvida! O desajuste encontra portas abertas! Todos tensos e angustiados! Selma está na iminência de um colapso nervoso!...
Batem à porta. É o vizinho que, levado ao quintal, vai dizendo:
- Bom dia! Desculpem importuná-los. Queria pedir licença para levar o boneco de meu filho. O irmão o jogou neste quintal. O garoto está em prantos. Seu sonho é ser médico cirurgião. O fantoche é seu “paciente”. Já o “operou” muitas vezes. Não tem mais onde costurar... Até sangue inventou, usando molho de tomate. E pratica acupuntura, espetando-o com agulhas...
O “despacho” é devolvido. O visitante retira-se. Olham-se todos, atônitos! Descontraem-se. O riso solto saúda abençoado alívio. Osório comenta, bem humorado:
- Felizmente o vizinho chegou a tempo! Se demorasse um pouco poderíamos morrer de susto!...
Ignorância, crendice e superstição são grilhões terríveis que semeiam perturbação.
Tudo será diferente quando compreendermos que nenhum mal tem acesso ao nosso universo íntimo sem transitar pelas vias da aceitação.
Por isso, a melhor defesa exprime-se no empenho por compreendermos melhor a existência humana com os valores do estudo e da meditação, aprendendo sempre.
Era isso que Jesus ensinava ao proclamar “Conhecereis a Verdade e a Verdade vos fará livres”.
- Para seguirmos corretamente o espiritismo, devemos submeter todas as mensagens mediúnicas ao crivo duplo de Kardec, sendo eles, a razão e a universalidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário, sugestão, etc...