quinta-feira, 14 de julho de 2022

A reencarnação e o esquecimento do passado

A reencarnação e o esquecimento do passado

Carlos Imbassahy



Escrevem-nos, perguntando: - “Por que o espírito que volta à Terra, isto é, que se reencarna, há de pagar por faltas cometidas em vida anterior, se não se lembra de coisa alguma?”

O consulente muito delicadamente nos pede desculpas do incômodo que supõe nos dar, e declara que, assediado por amigos que lhe fazem perguntas que tais, não sabe como responder-lhes.

Também não o saberíamos, se os espíritos que nos vieram trazer a nova revelação, já nos não tivesse dito alguma coisa a respeito, como que prevendo essas interrogações e dúvidas.

O esquecimento das vidas anteriores é uma necessidade.

Se não olvidassem o passado, as novas gerações, tendo na lembrança os rancores com que se foram, conservando vívidas, as imagens de antigas inimizades, viriam continuar na nova existência as mesmas lutas, engolfar-se nas mesmas contendas, praticar as mesmas iniquidades; seria uma nova existência com os mesmos ódios, existência, por consequência, ainda de fel e de crimes.

E não é só.

A lembrança das faltas passadas, caso o indivíduo tivesse o propósito de regenerar-se, trar-lhe-ia uma vida de remorsos e de vergonha. Teria ele que viver se escondendo daqueles a quem ofendera ou maltratara. Suplício ingente seria esse, e a que poucos poderiam resistir. E se ele, o indivíduo, soubesse que teria que pagar essas faltas, a expectativa contínua do momento da prova, ser-lhe-ia suplício ainda maior, que a maldade humana até agora não soube inventar.

Espere a criatura uma desgraça e essa desgraça tomar-se-á um castigo inominável.

Deus, porém, na sua bondade, escondeu aos homens a previsão do futuro, como lhes tirou a memória do passado. Assim, eles passam pela Terra, esquecidos do que fizeram e inconscientes do que lhes vai suceder. É essa a lei, lei de benignidade, para a qual só deveríamos ter agradecimentos e louvores.

Depois de passadas as nossas provas, depois de termos na nossa vida de relação, nos aproximado de pessoas outrora desafetas e inimigas, e extinto, por novos atos, por favores, pela convivência e pela amizade que então se forma, os antigos ressentimentos, é que, tornando ao espaço, vemos voltar a pouco e pouco as reminiscências das várias existências que percorremos. Mas aí, já as provas fizeram os seus efeitos; já os inimigos estão amigos, já os sentimentos de rancor estão apagados.

Deus assim fez para que os homens não prolongassem indefinidamente as suas raivas, os seus ciúmes, fugindo à lei divina que é a da estima, da fraternidade, do amor.

Amai-vos uns aos outros - é o grande princípio de direito divino; e para que nós nos amemos, força é que se apaguem, nas sombras do passado, os sentimentos de azedume que nos traziam desunidos.

***
- Por que há de pagar o espírito, se não se lembra, pergunta o amigo.
O fato de se não lembrar tira-lhe, por ventura, a responsabilidade? Deixa ele de ser o criminoso, porque o crime se lhe apagou da memória?

Muitas vezes, o tempo faz com que a justiça humana considere prescrito o delito.

Mas, nem por isso, deixa de ser o seu autor um delinquente. E a justiça divina, que não pode deixar impune o culpado, o traz de novo ao cenário de suas iniquidades para que ele pague o mal que fez.

Não se conta o tempo no além; para as coisas do além, ele é como se não existisse. As vidas são solidárias umas com as outras, e como o ser é o mesmo, qualquer que seja a sua vestidura carnal, uma segunda vida para ele é continuação da primeira, a sua consequência inevitável.

É como se uma criatura, na mocidade, cometesse uma falta que viesse a pagar anos depois. Ninguém acharia isso injusto. Todos diriam: pagou o que fez, ainda mesmo que o faltoso houvesse esquecido a falta.

Pois uma segunda existência é uma dilação no tempo, dilação que não é nada perante o Supremo Juiz e diante da Eternidade.

Temos inúmeras provas da sobrevivência, da solidariedade das existências, da justiça do Criador.

Platão dizia: aprender é recordar. Os casos de precocidade, os gênios, as aptidões extraordinárias, nada mais são que a armazenagem de conhecimentos anteriores. E isso vem demonstrar que nem sempre a memória do passado jaz completamente mergulhada em trevas. Mozart é um exemplo. Foram outros tantos exemplos, Paganini, Thereza Milanollo, Liszt, Beethoven, Rubinstein, que, antes dos dez anos de idade já se faziam admirar.

Pascal aos 12 anos descobriu a Geometria plana.

Jacques Chrichton, aos 15, discutia qualquer assunto em latim, grego, hebreu ou árabe.

Henrique de Heinecken falou quase ao nascer; aos dois anos já sabia três idiomas.

Mezzofanti conhecia setenta línguas e atualmente o Sr. Trombetti parece passar, em conhecimentos poliglóticos, o ilustre cardeal. Ele consegue aprender uma língua em poucas semanas.

O prof. Richet, no Congresso Internacional de Psicologia de Paris, apresentou uma criança, que sem saber ler nem conhecer música, aos 3 anos de idade, improvisava vários trechos musicais muito interessantes.

George Stephenson, o inventor da locomotiva a vapor, nunca entrou numa escola. Aprendeu a ler e a escrever já na maturidade.

Donde teriam vindo esses conhecimentos?

A hereditariedade não pode explicar o gênio. Nem sempre os pais inteligentes produzem filhos prodígios; nem os filhos prodígios são sempre nascidos de pais inteligentes.

Os filhos de Péricles, o grande Péricles, que deu nome a um século, eram dois tolos. E o de Cícero, de Carlos Magno, de Goethe, de Napoleão?

E quem eram os pais de Mozart, de Newton, de Shakespeare, de Dante?

Quem nos diz, ainda, a nós, que as pessoas só não recordam das vidas anteriores?

Lamartine, na sua viagem à Palestina, antes de chegar a certos lugares, descrevia-os como se já houvesse passado por eles. Era, no entanto, a primeira vez que os visitava.

São muitas as pessoas notáveis que declaram parecer-lhes ter vivido uma outra vida, de cujos episódios se recordam.

É muito comum, em algumas crianças, ouvi-las dizer que já viveram em outras regiões, que já tiveram outros pais, que já possuíram outro nome.

Tem-se mesmo procurado verificar se o que elas dizem é verdadeiro, quando mencionam nomes e circunstâncias que ninguém conhece, e, por várias vezes, conseguiu-se averiguar que tudo era de exatidão surpreendente.

Enfim, os livros sagrados nos falam dessas vidas sucessivas, doutrina que já vem de remota antiguidade.

Virgílio nos diz que a alma, mergulhando no Letes; perde a lembrança de suas existências passadas.

Assim é. E feliz daquele que, mesmo nesta vida, pode mergulhar no Letes do esquecimento, e assim amortecer na memória os dias que mal empregou, as injustiças que praticou, as más doutrinas que pregou, o que ruim aconselhou, todas as maldades que engendrou.

Feliz seria se tudo pudesse esquecer, como nos esquecemos dos fatos de uma existência para outra.

Mas a voz da consciência nos acompanha às portas da morte e mesmo depois da morte, até que um arrependimento profundo a faça calar. Transpomos, então, de novo o espaço, acalentados pela esperança da redenção e mergulhamos de novo no Letes da vida, onde vimos saldar as nossas contas, sem o peso temível das recordações do passado.

É essa a Lei.

Carlos Imbassahy
Rev. Reformador Jan.1924 - FEB

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Recorte do texto original de Jan. 1924


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