sexta-feira, 1 de julho de 2022

O cultivo da verdade

O cultivo da verdade

Richard Simonetti


“Ouvistes o que foi recomendado aos antigos: ‘Não jurarás falso, mas cumprirás com o Senhor os teus juramentos. Eu, porém, vos digo que não jureis de forma alguma; nem pelo Céu, que é o trono de Deus; nem pela Terra, que é o escabelo de seus pés; nem por Jerusalém, que é a cidade do grande Rei. Não jurareis tampouco pela vossa cabeça, porque não podeis tornar branco ou preto um só de seus cabelos. Limitai-vos a dizer: sim, sim; não, não. O que disso passar procede do Maligno’.” (Mateus, 5:33 a 37.)

O segundo mandamento da tábua da Lei preceitua: “Não pronunciareis em vão o nome do Senhor vosso Deus.”

Isto significava para os judeus que eles deviam abster-se de usar o nome do Senhor como testemunho da Verdade.

Habilmente, segundo suas conveniências, passaram a usar substitutivos, jurando pelo templo, pelo Céu, pela Terra, por Jerusalém, por Moisés, pelos profetas...

Jesus, taxativamente, proclama que não se deve jurar de forma alguma, porque tudo no Universo é obra de Deus. Se jurarmos por alguém ou por alguma coisa, indiretamente estaremos envolvendo seu nome.

Nossas afirmativas, segundo Jesus, devem ser sempre verdadeiras. O fato de alguém exigir nosso juramento significa que nem sempre falamos a verdade, e quando o indivíduo habitua-se à mentira nem assim merecerá crédito, porquanto para ele será fácil evocar a Terra e o Céu, pretendendo dar força de autenticidade às suas mentiras.

As pessoas mentem nas mais variadas situações e pelos mais variados motivos.

Para esconder uma falta: “Não, papai, não quebrei seu vaso de estimação. Foi o Lulu que subiu à mesa...”

Para disfarçar um vício: “Não, mamãe, já lhe disse que não fumo. Não gosto de cigarro! Esse cheiro que a senhora sente está na minha roupa e nos meus cabelos... lá na escola todo mundo fuma e eu fico impregnada.”

Para explicar um atraso: “Desculpe, chefe, o pneu do meu carro furou. Perdi um tempão para trocá-lo!...”

Para justificar uma omissão: “Claro que respondi à sua carta! Não recebeu a resposta? Ah! Esse correio! Está cada vez pior!...”

Para livrar-se de alguém: “Diga que não estou em casa!...”

No fundo todos os mentirosos e todas as mentiras identificam-se em motivação comum: imaturidade. É ela que leva o indivíduo a mentir, seja para parecer o que não é, ou não deixar transparecer o que é, seja para não assumir a responsabilidade dos seus atos, seja por comodismo, ou embotamento de consciência.

É incrível como a mentira está disseminada no meio social! Um exemplo: não é novidade que muitos dos melhores propagandistas dos produtos de consumo são notórios mentirosos, sempre dispostos a envolver os incautos. Neste aspecto, a rainha do engodo é a televisão, que, colocada a serviço de interesses econômicos, condiciona nossos hábitos, nossas iniciativas, nossa maneira de viver. Ante a magia da técnica de envolver e a sutileza das imagens condicionantes, produtos farmacêuticos inócuos transformam-se em panaceias capazes de curar os mais variados males; alimentos de duvidoso valor nutritivo surgem como fontes abundantes de proteínas e vitaminas; lojas que exploram a bolsa do povo transformam-se em paraíso da economia... O que mais espanta são os comerciais de cigarro, apresentados com tais requintes de arte e técnica, que convencem multidões de que fumar significa status, torna o indivíduo importante, senhor de si, corajoso, atraente, campeão do sucesso, capaz de desfrutar plenamente a Vida.

Observando atentamente, verificaremos que nossa existência é tremendamente complicada, justamente por vivermos num mundo onde grassa a mentira. As carteiras de identidade, as cartas de apresentação, os atestados de antecedentes criminais e muitos outros documentos exaustivamente adquiridos, exigidos em qualquer iniciativa que envolva nossa identificação social e profissional, não passam de meros comprovantes de que falamos a verdade ao declinar nosso nome, endereço, idade, estado civil, profissão...

Se efetuarmos uma transação comercial, principalmente envolvendo instituições financeiras, será indispensável comprovemos, mediante vasta documentação, possuir patrimônios que responderão pela dívida.

Além do mais se exigirá o aval de alguém que, por sua vez, também deverá comprovar que possui recursos compatíveis com o montante de nosso débito. Isto porque se parte do princípio de que muita gente assume compromissos que não pretende ou não pode liquidar.

Se todos falássemos a verdade, eliminaríamos não apenas problemas dessa natureza, mas, praticamente, todo o mal do mundo.

Sem a mentira não haveria adultério. Como trair o cônjuge sem iludi-lo?...

Sem a mentira não haveria comerciantes desonestos que apregoam vender com lucro mínimo, que geralmente se situa acima de 100%, alimentando a inflação...

Sem a mentira desapareceriam os profissionais da política, hábeis na arte de iludir o povo, que prometem tudo e não cumprem nada...

Sem a mentira não haveria “fofocas”, comentários maldosos, boatos maliciosos. Como veicular algo negativo sobre alguém baseado no “ouvi dizer”?...

Sobretudo, sem a mentira haveria maior confiança entre as pessoas, esta virtude tão escassa hoje em dia, sem a qual a vida se torna um fardo terrivelmente pesado, principalmente quando isto ocorre no relacionamento familiar.

Talvez o mais importante, como estímulo ao cultivo da verdade, seja o fato de que a mentira jamais resolve os problemas humanos — apenas os transfere, não raro em regime de débito agravado, sob o ponto de vista espiritual. E antes de facilitar a Vida, a mentira a torna mais difícil, complicando-a. O mentiroso torna-se escravo de suas mentiras. Para sustentar a mentira inicial, ele é obrigado a mentir sempre, comprometendo-se moral e espiritualmente.

É preciso, pois, cultivar a Verdade, não apenas em favor de nosso equilíbrio, mas também como indispensável contribuição em favor da confiança e da paz entre os homens. Impressionante como um comportamento autêntico acaba por impor-se diante das pessoas, convocando-as a meditar sobre os valores da verdade, ainda que o exemplo parta da mais humilde criatura.

Uma moça pobre foi tentar a vida na Capital. Empregou-se em casa de abastada família como doméstica. No segundo dia de trabalho, cuidava de suas obrigações quando soou o telefone. Após atendê-lo foi à procura do patrão, que naquele momento almoçava, dizendo-lhe que o chamavam. A resposta veio pronta:

— Diga que não estou.

A jovem teve um sobressalto.

— O senhor quer que eu fale que está ocupado ou almoçando?

— Não! Diga simplesmente que não estou!

— Desculpe, mas isso não posso fazer...

— Ora essa, por quê?

— Porque sou cristã e desde cedo minha mãe ensinou-me que devemos levar muito a sério nossos compromissos religiosos, principalmente em relação à Verdade.

— Ora essa, menina, você não vai mentir. Apenas transmitirá um recado.

— Sim, mas se não for verdade também estarei mentindo.

O patrão exaspera-se.

— Você é empregada aqui e tem que cumprir minhas ordens!

Ela, humilde:

— Sinto muito, mas essa ordem não vou cumprir.

— Será despedida!

— Deixarei esta casa ainda hoje, se for sua vontade, mas não posso negar meus princípios.

O patrão, profundamente irritado, levantou-se e foi atender o telefone, prometendo a si mesmo providenciar sem demora a demissão da atrevida.

Contudo, não obstante voluntarioso, ele era um homem inteligente e sensível. Durante a tarde, em sua indústria, não conseguiu esquecer o episódio, impressionado com aquele exemplo de fidelidade à Verdade, principalmente por partir de alguém tão jovem e tão pobre! Comentando o acontecido com um amigo, dizia:

— Sinto-me arrasado. Aquela menina está morando em minha casa, longe dos familiares. Se eu a despedir não terá onde ficar. No entanto, não vacilou em sacrificar sua segurança, seu emprego, sua moradia, por amor à Verdade. E eu, com toda a minha cultura, meu dinheiro, minha posição social, pretendia que mentisse apenas por comodismo.

Regressando ao lar, à noite, foi procurar a jovem:

— Se você pretende sair de minha casa em virtude do incidente, saiba que não é preciso. Peço-lhe que me desculpe. Eu lhe prometo: tal fato não mais se repetirá. Sei agora da confiança e consideração que você merece.

Alguém poderia contestar: valerá a pena tanto rigor conosco? Não estaremos em desvantagem num mundo onde as pessoas mentem até por comodismo?

Responderíamos com outra pergunta: O que seria do Cristianismo se os primitivos seguidores de Jesus negassem sua condição para escapar ao Circo Romano? Para eles seria muito fácil uma simples mentira: “Não sou cristão” — e estariam salvos da fogueira e das feras.

Foi sua fidelidade à Verdade que permitiu ao Cristianismo sobrepor-se às perseguições, ao apodo, às zombarias, para estabelecer-se na Terra como supremo marco de luzes, inspirando os corações sensíveis na gloriosa edificação do Reino de Deus.

Devemos convir em que os testemunhos a que somos chamados hoje não são tão terríveis. Pede-se apenas que vivamos com autenticidade, conscientes de que nosso empenho nesse sentido é fundamental para que a Doutrina Espírita, Cristianismo Redivivo, se estenda sobre o mundo, não como simples repositório de fenômenos transcendentes, mas essencialmente como um roteiro de renovação e progresso para a Humanidade.


Richard Simonetti do livro:
A voz do monte

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3 comentários:

  1. Maravilhoso texto sobre o compromisso que devemos ter, como espíritas ou como seres humanos, para com a verdade.

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  2. Perfeito Joseph!

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