quinta-feira, 28 de julho de 2022

Porque sofrem os animais?

Porque sofrem os animais?

Francisco de Assis Carvalho Cajazeiras


O progresso anímico, ao longo das reiteradas transmigrações, é substrato indispensável para a explicação de um sem-número de situações vigentes no existir planetário que, sem o seu concurso, deixar-nos-iam indubitavelmente, na melhor das hipóteses, descrentes da justiça e da misericórdia divinas. De fato, unicamente através de uma mais judiciosa consulta aos mecanismos e objetivos da Lei de Causa e Efeito e portanto, levando-se em conta o desenvolvimento evolucional do ser, é que se vai tornar possível, pelo menos dentro dos limites da lógica e da racionalidade, entender o porquê das imensas desigualdades sociais entre os homens, das diferentes condições que se lhes apresentam no estágio terreno, da presença do aguilhão da dor e do peso dos sofrimentos. As ações, determinando reações de mesmo módulo e intensidade, porém em contrária direção, associadas ao indiscutível predomínio do egoísmo em nossa sociedade, elucidam, de forma plenamente satisfatória, essas aparentes injustiças. Por outro lado, a própria Natureza costuma acionar os dispositivos desencadeadores de situações e obstáculos indispensáveis à impulsão do aprendizado no passageiro espiritual da matéria, capaz de capacitá-lo a galgar, sempre e sempre, postos cada vez mais avançados no que concerne ao progresso. A Doutrina Espírita, entretanto, longe de sugerir simplesmente uma postura conformista, induz-nos à busca e ao trabalho incessantes em prol da felicidade, lembrando-nos apenas de casos bem específicos que podem sugerir uma imutabilidade a curto prazo. Nada obstante, a despeito da elucidação do processo evolutivo que governa todos os seres, são muitas as pessoas que, por devotarem grande amizade e carinho aos denominados animais irracionais, perturbam-se diante da dor, das enfermidades e dos sofrimentos por que passam esses nossos irmãos inferiores da Escola Terrena. Questionam, estribados na inexistência da razão nesses animais e, portanto, de responsabilidade pelos próprios atos, as verdadeiras causas dos sofrimentos e enfermidades torturantes, doenças crônicas e malformações congênitas que incidem sobre criaturas inocentes. Na busca dessas respostas, consideremos:

 

1. LEI DE DESTRUIÇÃO 

1.       Quando voltamos os nossos olhos para o estreito círculo do mundo visível e não permitimos à nossa lente intelectiva sua análise e incursão no terreno da transcendentalidade, podemos ser levados a um estado de condolência pelos sofrimentos dolorosos que culminem com a desencarnação de um animal. No entanto, preciso é lembrar que aquilo que se desorganiza, perdendo a unidade, é tão-somente a vestimenta biológica. O princípio espiritual mantém-se preservado e logo será reencaminhado a uma nova investidura no mundo formal. É, pois, natural que ocorra a morte e que as doenças dos mais variados tipos venham a se exteriorizar, desde que decresça a vitalidade e predomine a imperfeição do ser em sua reduzida capacidade de mantença da vida orgânica. A cadeia alimentar, por exemplo, onde se dizimam tantos animais, é em verdade uma adequação à autorregulação das espécies em desenvolvimento sobre a face da Terra, ensejando as múltiplas experiências do princípio inteligente, como também do seu renovado vaivém, sendo a desencarnação violenta um recurso indispensável à estimulação desse princípio inteligente, com o escopo de cada vez mais facilitar-lhe o entendimento da própria individualidade. Atentemos para a lição sempre oportuna dos Espíritos Reveladores, em "O Livro dos Espíritos." (Allan Kardec - Questão 728):

"(...) o que chamais destruição não passa de uma transformação, que tem por fim a renovação e melhoria dos seres vivos".


2. EVOLUÇÃO DO PRINCÍPIO INTELIGENTE

De início, as experiências marcam-lhe compulsoriamente o âmago, através da dor-evolução, despertando-lhe o instinto até que a inteligência e o pensar contínuo transformem-no em responsável pelo próprio desenvolvimento, tornando-o, cada vez mais, diretor do seu destino. A partir de então, auxiliados pelos que já se libertaram do visco material, passa por paulatino e marcante progresso educativo, sob as mais diversas situações e direções. Na reta final, há o conhecimento racional, consciente, de cada uma das suas necessidades e em sintonia com as imutáveis leis naturais. Apreendendo o conhecimento, ele se esforça por vivenciá-lo e, após continuado esforço, automatiza-o, incorpora-o definitivamente ao seu patrimônio íntimo.

Concomitante a todas essas transformações, também se dá o desenvolvimento do seu envoltório fluídico, onde se vão armazenando os "disquetes" dessas aquisições.  

Assim se dá com os instintos, a inteligência e a capacidade sempre maior de manter funcionando as reações vitais do edifício orgânico.

 

3. OS OBJETIVOS DA REENCARNAÇÃO

Ao contrário do que se possa imaginar, tendo em vista a disseminação planetária dos sofrimentos e da indiscutível ação da dor como instrumento operacional utilizado para o progresso da centelha anímica, não objetiva a palingênese criar um estado crescente e ininterrupto de sofrimento, senão o de favorecer esse mesmo crescimento também pela sensação prazerosa, precursora da felicidade indizível do Espírito liberto da ação gravitacional da matéria.

Tanto isso é verdade que, nas ações mais elementares para a manutenção do complexo celular que animamos. sentimos prazer, alegria, sensação de bem-estar. Esses estados são encontrados sob todos os pontos de vista: anatomofuncionais, psicoafetivos, sociais. As dores. aliás, aparecem para sinalizar uma necessidade, carência nu disfunção, também em todos os aspectos

A reencarnação objetiva a felicidade, o bem-estar e a paz interior e não é sinônimo de sofrimentos, somente, mas, acima de tudo, de progresso.

Não são. pois, sem motivos as conclusões a que chegaram os pesquisadores do cérebro, procedendo a experimentações com ratos, sobre as áreas cerebrais relacionadas com o prazer e a dor.

"A dor é meio a não um fim, por isso, somente se pode aceitá-la diante de objetivos espirituais bem definidos, jamais regulamentados pelo egoísmo e a vaidade."

Alguns cientistas implantaram eletrodos em várias áreas do cérebro, sendo  que esses eletrodos podiam ser acionados livremente pelos animais através  de um sistema de alavancas, que estimulavam eletricamente a área cerebral onde os mesmos se inseriam. Vejamos a conclusão da experiência:

“'Verificou-se que os animais evitam estimular determinadas áreas do cérebro (áreas de punição), mas estimulavam com uma frequência muito alta um grande número de áreas (áreas de recompensa), onde, segundo se admite, a estimulação resulta em prazer para o animal. (...) Com esta técnica verificou-se que as áreas de recompensa são em muito maior número do que as áreas de punição, localizando-se principalmente no sistema límbico e no hipotálamo.”  (“Neuroanatomia Funcional”. Ângelo Machado - Ed. Atheneu / 2ª Ed. Pags. 284/285.)  (Grifo do autor.)

De maneira simplista poderíamos afirmar que quando solucionamos um problema doloroso advém-nos sensação de bem-estar, sendo que há muito maiores possibilidades de se alcançar o prazer que a dor, a alegria que a tristeza, a felicidade que o sofrimento...


4. A DOR E SUA NECESSIDADE

Quando um animal está carente de alimento, seu corpo assinala essa situação com a sensação de fome, que é uma espécie de dor que se vai agudizando à medida que cresce essa necessidade. A fome impele o animal à busca de alimento e ele passa a desenvolver seus potenciais instintivos e consequentemente sua embrionária. Toda dor que estimula no ser espiritual encarnado uma ação no sentido do desenvolvimento de seus potenciais, anulando-lhe a inercia, recebe por isso mesmo a designação de dor-evolução; sendo em termos de frequência inversamente proporcional ao estado evolutivo da criatura é uma das facetas dinâmicas do determinismo.

Os outros tipos de dor são apanágio do Espírito, pois dependem de sua aquiescência, seja direta ou indiretamente. São a dor-expiação, uma espécie de determinismo anímico, ou seja, originada em ação pretérita do próprio Espírito; e a dor-provação que, por sua vez, é uma forma de o Espírito realizar uma autoavaliação do seu aprendizado, capacitando-o a mais profundos estudos. De tudo isso compreendemos que a dor é meio e não fim, por isso, somente se pode aceitá-la diante de objetivos espirituais bem definidos e estes jamais serão regulamentados pelo egoísmo e a vaidade.


5. REPERCUSSÕES ANÍMICAS DA DOR

Da mesma forma como uma criança aceita mais facilmente o domínio de seus pais do que um adulto, chegando mesmo a superar os castigos impostos por aqueles, também a dor é tanto menos penosa para o princípio inteligente do que para o Espírito. Aqui, não se faz referência à intensidade da dor do ponto de vista fisiológico, mas sim à sua capacidade de atingir a criatura que lhe sofre o jugo. Isso significa que um certo tipo de dor de intensidade "x" na escala fisiológica irá marcar mais profundamente o Espírito do que o princípio inteligente. Quer dizer, para o primeiro há maior repercussão psíquica, enquanto no segundo pode simplesmente despertar-lhe a atenção para si mesmo. Mas por quê? Perguntariam alguns. Por uma razão simples: porque o Espírito tem conhecimento da Lei e, portanto, uma consciência estruturada.


CONCLUSÃO

Não há, pois, motivos para inquietações e dúvidas no que tange à dor e aos sofrimentos vivenciados pelos seres inferiores da hierarquia biológica, já que resultam da própria imperfeição do princípio inteligente em fase de elaboração e da indispensável estimulação ao seu crescer evolutivo, à semelhança da fome, da sede e do sono, sensações desagradáveis (dores) que desencadeiam a necessária busca pelo bem-estar. Importa saber que nem só de dores e sofrimentos vivem os animais, mas principalmente das sensações prazerosas que os conduzem à realização de sua parte na natureza, enquanto se processa o seu desabrochar anímico.

Francisco de Assis Carvalho Cajazeiras
Revista Reformador out. 1996 

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Francisco de Assis Carvalho Cajazeiras 

Na literatura espírita tem usado o nome de Francisco Cajazeiras, com os seguintes títulos publicados: “Bioética – Uma Contribuição Espírita” (Ed. Mnêmio Túlio), “Palavras de Vianna de Carvalho”, como organizador juntamente com Luciano Klein Filho (Ed. FEEC) e pela Editora EME: “Evolução da Ideia Sobre Deus”, “Eutanásia – Enfoque Espírita”, “Conselhos Mediúnicos”, “Existe Vida... Depois do Casamento?”. Escreveu, ainda, os livros que estão no prelo, “Elementos de Teologia Espírita”, “Curso Básico de Espiritismo” e “Curso Sobre Mediunidade”.

No Movimento Espírita tem participado de diversos Congressos, é expositor espírita com uma agenda de palestras e cursos em casas espíritas. É fundador e atual presidente do Instituto de Cultura Espírita do Ceará (ICE-CE), fundador e diretor do informativo “Enfoque Espírita” (ICE-CE), sócio-fundador da Associação Médico-Espírita do Ceará (AME-CE), fundador e diretor do Clube do Livro Espírita Mensagem de Amor – CLEMA (Fortaleza), delegado do GED (Grupo de Estudos Doutrinários) no Hospital da Polícia Militar do Ceará (Cruzada dos Militares Espíritas). No biênio 1995-96, foi vice-presidente da Federação espírita do Estado do Ceará (FEEC).

 

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Imagem da publicação original.
Revista Reformador - Out.1996



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