quinta-feira, 16 de maio de 2024

Conceitos e princípios

Conceitos e princípios

Deolindo Amorim



Os conceitos humanos são considerados, em grande parte, segundo os pontos de vista de quem os interpreta. Cada conceito, dentro de um ângulo de visão, tem um valor próprio, de acordo com as diversas concepções de vida. O conceito de verdade, que é muito subjetivo, toma sentidos muito diferentes, conforme os contextos em que esteja situado. A verdade, para um filósofo, tem aspectos ou sutilezas que o homem de espírito muito pragmático não pode apreender, justamente porque está habituado a ver tudo pelo prisma concreto e imediato. A visão do místico, do homem que vive mais para o espírito não coincide com a visão objetiva do homem de laboratório. O conceito de honra, para um indivíduo depravado, não tem o mesmo peso, o mesmo sentido de nobreza moral desse mesmo conceito, quando considerado por um homem de bem. O conceito de amor, para uma criatura dissoluta, não tem a significação de amor entendido em termos de espiritualidade, do amor cultivado pelas pessoas que se elevaram acima das paixões comuns.

E assim diversos conceitos estão sujeitos a interpretações restritivas, em virtude das desigualdades morais, intelectuais, emocionais, etc. Cada qual, dentro de seu sistema de ideias, tem um conceito de amor, de justiça, de liberdade... Cada qual avalia os conceitos em razão de suas tendências íntimas, sua cultura, sua filosofia de vida.

O meio social, por sua vez, lança sobre o indivíduo uma carga bem forte de exigências e pressões, muitas vezes condicionando os próprios conceitos. Daí decorram os conceitos de sagrado e de profano, de decente e de indecente, de justo e de injusto, como tantos outros, os quais não podem ser definitivos nem absolutos, pois variam, no tempo e no espaço, isto é, em função da época e do meio.

Se é verdade que as chamadas injunções sociais muitas vezes modificam os conceitos, que são criações humanas, também é verdade que existem princípios capazes de resistir ao tempo e às mudanças históricas. As conveniências ocasionais podem torcer os conceitos, amoldando-os à vontade, desvirtuando-lhes o verdadeiro sentido mas não podem invalidar a consistência de certos princípios.

Chegamos então ao ponto em que se faz sentir a força do ensino espírita. Pouco importa, por exemplo, que haja diversas maneiras de entender o conceito de amor, segundo as influências da cultura ou do meio social, mas o que a Doutrina Espírita afirma, como princípio, tenha o nome que tiver, é que o amor edifica o espírito, e que sem amor não há progresso espiritual. É um princípio válido no tempo e no espaço. Cada qual pode ter o seu conceito de amor para uso próprio, mas existe o amor real, acima de todos os conceitos convencionais. A Doutrina Espírita não discute conceitos, ela ensina princípios. Lá está no Livro dos Espíritos — questão 153: Chamai as coisas como quiserdes, contanto que vos entendais. 

Quando a Doutrina afirma que existe uma Lei Moral, uma lei que não é contingente ou transitória, não está circunscrita a uma área nem a qualquer grupo, porque se sobrepõe a todas as configurações geográficas ou sociais, quando a Doutrina afirma isto — convém frisar bem — ela não pergunta qual é o conceito de Moral deste ou daquele grupo, desta ou daquela escola. O princípio é este: queiram ou não queiram os homens, tanto faz no Oriente como no Ocidente, a Lei Moral prevalece, é insubstituível. 

E qual o seu foro? 

A consciência, diz a Doutrina.

Há muitos conceitos de Moral, como se sabe, mas a Doutrina não se preocupa com os conceitos, porque lhe interessa principalmente infundir princípios que reformem o ser humano por sua influência. Não há reforma profunda e duradoura, entretanto, se não há compatibilidade com a Lei Moral. A reforma exterior apenas atende a eventualidades sociais, mas não modifica o indivíduo por dentro, 0 indivíduo pode usar todos os artifícios, empregar todos os expedientes de argúcia para burlar a lei escrita, que é obra dos homens, mas não pode fugir ao julgamento inexorável da Lei Moral, porque a consciência não dorme nem se deixa enganar. Cedo ou tarde, o espírito devedor terá que ajustar contas com a sua própria consciência, ainda que tenha sido absolvido ou exaltado pelos homens.

Cada qual deve, pois, esforçar-se, desde cedo, para evitar o julgamento severo da consciência, sob a ação inflexível da Lei Moral, pois se uma existência não for suficiente, haverá outras experiências, através da reencarnação. Este princípio, que ninguém pode alterar nem acomodar por meio de conceitos particulares, constitui uma das pedras angulares do ensino espírita. 

(Mundo Espírita - Curitiba - PR - Novembro de 1976)


Deolindo Amorim do livro:
Ponderações Doutrinárias
(Coletânea de artigos publicados por Deolindo Amorim, em diversos jornais e revistas espíritas do Brasil e do Exterior / Livro organizado por Celso Martins)
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