Em louvor do livro
Irmão X.
Estranha você, meu irmão, que os Espíritos desencarnados façam coro com os intelectuais de nosso tempo, devotando-se à organização de livros que concorram no mercado das ideias e das letras e acrescenta:
- "Não precisamos de novos livros e sim de mãos e pés, consagrados à caridade positiva, a fim de que os famintos e os doentes, os desabrigados e os infelizes tenham alimento e remédio, casa e consolo."
Francamente, não somos contrários ao seu programa.
Acreditamos, com o Apóstolo, que a fé sem obras é um cadáver bem adornado; entretanto, admitimos que você não é justo para com a sementeira da educação.
Que seria do mundo sem a bênção do livro? Existiria, acaso, qualquer civilização sem ele?
Veículo do pensamento, confia-nos a luz espiritual dos grandes orientadores do passado.
Graças a ele, Hermes e Moisés, Sócrates e Platão acham-se vivos na Terra, com a mesma sabedoria e com a mesma sublimidade do momento remoto em que passaram entre os homens.
Reporta-se você, muitas vezes, ao necessário movimento da piedade cristã; contudo, que seria do Cristianismo sem o Evangelho registrado em caracteres de forma?
Realmente, o nosso Divino Mestre, segundo recorda a sua palavra conselheiral, não escreveu qualquer pergaminho destinado à posteridade; no entanto, não parece haver desconhecido o valor do ensinamento repetido e multiplicado.
Não foi o próprio Jesus que recomendou, certa vez, aos aprendizes:
“Ide e pregai o Evangelho a todas as nações”?
Diz você, com veemência e austeridade:
- “Cristo não necessita de propaganda. Cristianismo é caridade”.
Que a Boa Nova é amor santificante, em ação, não duvidamos; mas, ao que se nos afigura, Jesus não subestimou a propaganda, quando esteve pessoalmente entre nós. Se efetivamente multiplicou os pães e os peixes no monte, se curou leprosos e cegos, obsidiados e paralíticos, em nenhuma circunstância menosprezaram a pregação do Reino de Deus.
Depois da Ressurreição, quando os trabalhos da caridade já funcionavam harmoniosamente em Jerusalém, ei-lo que volta das Esferas Celestiais, em pessoa. Para encher novos cestos de saborosa vianda ou para transformar a água em vinho, satisfazendo aos caprichos do povo? Não. Regressava o Senhor, a fim de chamar Paulo de Tarso, nominalmente, para atender à extensão dos serviços evangélicos, comprometidos pelo acúmulo das obras de alimentação e assistência hospitalar.
E diga-se, com franqueza, com toda a reverência aos demais componentes do colégio apostólico, que a Boa Nova não encontraria mais digno agente de publicidade que aquele sincero e intransigente Doutor da Lei, convocado por Jesus, às portas de Damasco, para a distribuição ativa dos princípios salvadores.
É pelo concurso do livro que o Senhor e seus continuadores diretos se comunicam com os discípulos contemporâneos.
Através dos serviços gráficos, recebemos as interpretações renovadoras do ensinamento cristão para todos os climas culturais da atualidade. E não fosse a cooperação do livro, que seria da religião, da ciência, da filosofia, da política, da técnica industrial, da arte e da socialização?
O posto da caridade que alimenta e agasalha é, indubitavelmente, sublime; mas sem a colaboração direta e eficiente da escola que educa e aperfeiçoa, pode converter-se em tutela da ociosidade e do vício.
A sua imagem das mãos e dos pés, imprescindíveis à materialização do socorro fraterno, traz-me à lembrança a necessidade de lâmpadas numerosas para as sombras da noite.
Quando a treva se estende, é imperioso que as acendamos; mas, se não houver usina que as sustente, de que nos valeria a elevada expressão em que se alinham?
Quando a dor alonga os tentáculos da aflição sobre a vida, de que nos serviriam milhões de mãos e pés, sem equilíbrio, sem orientação adequada, sem ideal edificante ou sem estímulo ao bem?
Decididamente, você dispõe do amplo direito de proteger a benemerência pública, onde, como e quando você quiser; entretanto, meu amigo, para ser caridoso também conosco, não menoscabe o livro como instrumento de educação.
Irmão X. por Chico Xavier do livro:
Irmãos Unidos
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