sábado, 21 de outubro de 2023

A bênção do esquecimento

A bênção do esquecimento

Richard Simonetti



Um desconhecido cumprimentou-me na rua e foi logo dizendo:

- O senhor não me conhece, mas eu o conheço. Sei que é espírita. Gostaria de fazer-lhe algumas perguntas.

- Se souber responder, tudo bem.

- É fácil. Quando criança, apanhava de seu pai?

- Fui um menino comportado...

- Mas apanhou algumas vezes?

- Poucas...

- Seu pai chegou a castigá-lo sem que o senhor soubesse o motivo?

- Não! Meu pai não faria isso. Seria um absurdo!...

Meu interlocutor sorriu, triunfante.

- É por isso que não acredito na Reencarnação. Vocês espíritas dizem que sofremos para pagar dívidas de outras existências. Só que ninguém sabe o que fez. Apanhamos sem conhecer o motivo.

E afastou-se rapidamente, sem dar-me tempo para lhe perguntar se preferiria apanhar sem merecer. É esta a ideia que fica quando eliminamos o princípio das vidas sucessivas.

Nasce uma criança cega.

O Espiritismo explica que é o seu carma. Ela comprometeu-se em existências anteriores com delitos que justificam a cegueira.

Se não aceitamos isso será forçoso admitir que Deus foi injusto, impondo-lhe terrível e imerecido sofrimento.

Um amigo, tentando contornar a dificuldade de explicar o enigma das grandes dores sem a chave da Reencarnação, explicava convicto:

- Deus faz sofrer àqueles que ama, preparando-os para o Céu.

Incrível! Deus tem preferências!

Quem mais sofre é porque Deus lhe tem mais amor! Quem pouco sofre, Deus pouco ama!

E quem não sofre? Deus não lhe tem amor?!

*

As pessoas que não acreditam na Reencarnação porque não recordam o passado assemelham-se aos materialistas que não acreditam em Deus porque não o vêem. Um deles, sempre que alguém tentava convencê-lo, dizia solenemente:

- Dou exatamente dois minutos para que Deus apareça à minha frente, provando sua existência!

Muito sério, observava o relógio. Após o tempo proposto, proclamava vitorioso:

- Aí está! Deus não existe. Se existisse teria aceito meu desafio!...

Um tolo que pretendia ser esperto. Se o fosse, realmente, saberia que é facílimo provar a existência de Deus, partindo do velho axioma: “Não há efeito sem causa”.

Se o Universo é um efeito inteligente, tão perfeito que assombra os estudiosos, necessariamente tem uma causa inteligente, um criador, que as religiões denominam Deus.

Assim, literalmente -, podemos enxergar Deus em sua obra: na beleza da flor, na majestade do oceano, no sorriso da criança, nos mundos que se equilibram no espaço...

A Reencarnação não é um princípio dogmático que se deva aceitar sem discutir, mesmo porque há evidências científicas nas pesquisas de regressão de memória, sob hipnose, em que o indivíduo é levado a recordar o pretérito remoto, muito além da vida intrauterina. Albert de Rochas, famoso pesquisador francês, conseguia que alguns de seus pacientes regredissem a cinco existências anteriores.

Há pessoas que recordam espontaneamente. No livro “A Reencarnação no Brasil”, o Dr. Hernani Guimarães Andrade, ilustre parapsicólogo brasileiro, repor-ta-se a vários exemplos ocorridos em nosso país, com impressionante riqueza de detalhes.

Importante destacar que até os sete anos, quando se completa o processo reencarnatório, é comum a criança apresentar vagas reminiscências do pretérito, ininteligíveis para os pais, que as tomam à conta de fantasias infantis.

E como, sem a Reencarnação, justificar as crianças prodígio?

Mozart, aos quatro anos executava sonatas; aos onze compôs duas óperas.

Beethoven, aos dez anos já era notável pianista.

Liszt compôs sua primeira ópera aos quatorze anos.

Miguel Ângelo foi dispensado pelo seu mestre escultor, aos oito anos, sob a alegação de que não havia mais nada a lhe ensinar.

Pascal, aos treze anos ombreava-se com os sábios de sua época.

O menino Victor Hugo escrevia poesias tão belas, com tal capacidade de versificação, que era chamado “a criança sublime”.

William Hamilton estudava o hebraico aos três anos; aos oito era espantoso seu conhecimento de matemática, igualado por raros professores.

Fica difícil explicar a habilidade, a técnica e, sobretudo, os conhecimentos desses gênios, sem aceitar que traziam imensa bagagem de vidas anteriores.

* * *

Para quem prefira, há fundamentos religiosos.

A concepção reencarnacionista está presente nos textos sagrados de todas as civilizações, desde as mais antigas, como a hindu, a egípcia, a chinesa... e também na Bíblia.

No Novo Testamento vemos Jesus falar inúmeras vezes a respeito do assunto, a começar pelo célebre diálogo com Nicodemos (João, 3:1 a 21), onde proclama ser indispensável o renascimento para entrar no Reino de Deus, e explica ao atônito doutor da Lei como pode um homem velho tornar-se criança novamente.

Mais incisiva é a passagem em que os discípulos lhe perguntam sobre a vinda de Elias (segundo as tradições bíblicas, aquele profeta, que vivera há nove séculos, deveria voltar à Terra como precursor do Messias, preparando seus caminhos). Jesus responde que Elias já viera e que os homens tinham feito com ele o que lhes aprouvera. O evangelista Mateus, que registrou o episódio (17: 9 a 13), termina significativamente o relato, revelando: “Então os discípulos entenderam que lhes falara a respeito de João Batista” (este tinha sido decapitado, a mando de Herodes).


* * *


E há os fundamentos filosóficos, decisivos, irresistíveis... Sem a anterioridade da vida física como explicara diversidade de condições físicas, mentais, morais, espirituais, sociais, culturais, existente na Terra?

Como justificar o gênio contrapondo-se com o idiota? O santo e o facínora? O virtuoso e o viciado? O atleta e o aleijado? O sábio e o obtuso?

Como aceitar a justiça de Deus sem conceber esse encadeamento de múltiplas existências, onde, quais alunos matriculados num educandário, recebemos lições compatíveis com nossas necessidades evolutivas?


* * *

Nesse contexto, há razões para o esquecimento.

Em primeiro lugar por uma questão de limitação física. Nosso corpo não possui a complexidade e o desenvolvimento neurocerebral que comportem a consciência de experiências não registradas pelos cinco sentidos: o tato, o paladar, o olfato, a audição e a visão. Somente em circunstâncias especiais a memória extracerebral, do Espírito, faculta-nos um contato com nosso passado.

Há um motivo de ordem prática: cada existência encerra em si mesma um ciclo de experiências que seriam embaralhadas, confundindo-nos se estivéssemos de posse das lembranças do pretérito, impondo-nos, não raro, constrangimentos insuperáveis e perturbadores. Imaginemos uma criança a contestar o parentesco com pais e irmãos, alegando ter outra família; o adolescente que enxerga no pai de hoje o filho de ontem, ou na irmã de ontem a mãe de hoje; o homem que possuía brilhante inteligência e agora experimenta as limitações de um cérebro deficiente; o pária que foi nobre; o racista que se vê filho da raça que oprimiu...

Sem “passar borracha no passado” tais situações seriam muito complicadas. Sobretudo seria difícil vencer um dos mais graves problemas humanos: o ódio, que é a negação dos princípios de fraternidade que regem o Universo. Obedecendo aos imperativos da reconciliação, inimigos ferrenhos reencontram-se no lar, ligados pelos laços da consanguinidade, a ensejar que, pela convivência, a animosidade seja superada.

Mas como poderá isso ocorrer sem a bênção do esquecimento? Como abraçará um pai ao filho, sabendo que ele é um odiado desafeto? Como abrigará o filho, em seu carinho, uma mãe que identifica nele alguém que a desgraçou? Como, irmãos que foram adversários figadais, dispor-se-ão à reconciliação? Fica difícil cultivar o amor guardando os motivos que geraram o ódio.

E todos temos, no círculo familiar, programas dessa natureza. O próprio relacionamento difícil, frequente entre membros da família, indica que ali estão desafetos chamados à harmonização. Olvidaram as ofensas ao reencarnar mas conservam, nos refolhos da consciência, a mágoa do passado.

* * *

O esquecimento situa-se, sobretudo, por manifestação da Misericórdia Divina, oferecendo-nos a bênção do recomeço.

Imaginemos um homem comprometido com crimes e viciações, colhido nas grades do remorso, que experimenta o despertar da consciência, acicatando-o tão fortemente que o faz sentir-se o mais miserável dos seres, paralisando-lhe as iniciativas... Essa é a situação do Espírito desencarnado quando contempla o passado de desatinos.

- Ah! Se fosse possível enfrentar os labores da redenção sem lembranças torturantes!...

É exatamente isso que Deus nos oferece: a misericórdia do esquecimento para que, na abençoada oportunidade do recomeço, enfrentemos progressivamente o resgate de nossos débitos sem nos afogarmos no oceano de nossas culpas.

- Cultive uma “consciência reencarnatória”, concebendo nossa condição de Espíritos em trânsito pela carne. Fica mais fácil enfrentar dores, problemas e dificuldades situando-os por lições que se repetem no educandário terrestre, em favor de nossa evolução.

- Combata eventuais sentimentos negativos em relação a familiares. Com o exercício da fraternidade é possível “queimar etapas” no indispensável e árduo caminho da reconciliação.

- Aprenda a identificar tendências inferiores em si mesmo, combatendo-as com persistente disposição. Responsáveis pelos nossos fracassos no passado, constituem permanente ameaça às oportunidades de edificação no presente.

Richard Simonetti do livro:
Uma razão para viver

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