quinta-feira, 2 de março de 2023

Vitória do Espiritismo

Vitória do Espiritismo

Léon Denis


A seu tempo, a revelação dos Espíritos aos homens, a respeito da imortalidade da alma, do destino e da divina justiça, da finalidade da vida na Terra e de como ser feliz, preparando o futuro transcendental, se fez mediante símbolos e rituais, nos quais as cerimônias e complexidades da forma preservavam dos exotéricos a intromissão e a vulgaridade, para ser interpretada pelos iniciados que lhe estudavam o conteúdo superior, apresentado-a conforme a mentalidade de então e a capacidade de se poder vivê-la.

Foi o período do Ocultismo, da Cabala, do Hermetismo, do Esoterismo que vitalizaram a alma das civilizações da antiguidade oriental, da chinesa, da indo-europeia, da greco-romana e, guardadas as proporções, dos povos primitivos e silvícolas de todo o Orbe.

Com o surgimento da Filosofia, a partir de Sócrates ou mesmo dos pré-socráticos, o debate franco do pensamento zombou, em muitos casos, das doutrinas ancestrais, procurando libertar-se de quaisquer coerções e limites, em tentativas de fazer o homem melhor identificar-se com a vida, sem a necessidade de gurus ou pítons, de mestres, de hierofantes, de feiticeiros, tornando-se os filósofos, novos guias, semelhantes àqueles que pretendiam combater.

O Espiritualismo, no entanto, resistiu-lhes ao sarcasmo proposital e preservou os métodos antigos, nas suas práticas rigorosas vedadas aos curiosos e não filiados.

O intercâmbio entre os habitantes das duas esferas vibratórias da vida — a dos mortos e a dos vivos — prosseguiu sem solução de continuidade, enriquecendo de esperança e sabedoria aqueles que se lhe dedicavam.

Dos Espíritos que exigiam vítimas e sacrifícios humanos, por serem tão primitivos como o próprio homem — almas dos homens despojadas da matéria, que eles são —, a comunhão se fez mais profunda com as Entidades sábias que se encarregavam de inspirar e promover o progresso, levando a criatura a galgar os degraus da evolução, despojando-se das paixões mais vis mediante o aprimoramento das tendências e o cultivo das aptidões superiores.

Foi um largo peso a ser vencido, no qual estiveram investidos os melhores valores dos ideais e da abnegação, para o que, missionários do amor e da sabedoria mergulharam na densa névoa carnal sob o amparo de companheiros iluminados que permaneceram no Além, de modo a facultar entre ambos uma perfeita identificação de pensamento e experiência. Tornaram-se, deste modo, os aceleradores do progresso moral e intelectual, envergando a indumentária de sacerdotes e sábios, investigadores e filósofos, apóstolos e mártires...

Sua passagem pela Terra deixava uma esteira luminosa que esbatia as trevas, indicando rumos e tomando-se instrutores seguros e pacíficos, construtores do bem e da verdade.

Opunham-se à Violência e ao totalitarismo, ao poder arbitrário e à agressividade, preferindo a morte ao crime, o cárcere à anuência com os prepotentes...

Inspirados pelos seus pares não desfaleciam ante as ásperas batalhas que defrontavam, mantendo a paz e fomentando-a em toda parte.

Quando as condições se fizeram propícias veio Jesus estabelecer as bases da Era do amor, modificando as estruturas éticas do comportamento humano, embora, submetendo-Se, Ele próprio, às injunções da lei antiga pautada nas diretrizes da força e da truculência.

Consolidou o mecanismo do intercâmbio espiritual, desvestido de todo e qualquer formalismo, anunciando um Deus de amor e justiça que se manifestava em tudo e todos, movimentando-se com absoluta facilidade entre o mundo físico e o espiritual.

A Sua é uma saga de extraordinária espiritualidade, que O coloca na legítima condição “de Senhor dos Espíritos”, tal a superioridade que O reveste e a forma como todos se Lhe submetem.

Demonstrando a improcedência dos atavios e artifícios para a comunicação espiritual, transfigurou-Se no Tabor, ante Moisés e Elias, os grandes profetas que O homenagearam após a morte, redivivos, ante o deslumbramento dos discípulos que participaram da cena inesquecível.

Estabeleceu o primado da verdade em qualquer conjuntura e exaltou o valor intrínseco do ser acima da aparência e das condições exteriores.

Ensinou e viveu os postulados do amor, de forma simples e clara, retirando os favoritismos e concitando as criaturas, em igualdade de condições, a assumirem as tarefas que lhes cabe desenvolver e cumprir.

Preferiu o holocausto da própria vida, mas voltou para confirmar a imortalidade triunfante, consolidando, nos que ficaram, a certeza da sobrevivência e a sua excelente realidade, além das dores e sombras...

Trabalhando mentes e corações, a Sua doutrina dominou vidas, que, sucumbindo sob infamantes perseguições que duraram 249 anos, arrebatando e desorientando quase um milhão de seguidores, experimentou o seu primeiro e grave conflito no dia 13 de junho de 313 quando o Edito de Milão reconheceu o direito e a licitude de ser cristão, que Nero retirara desde o ano de 64, ora amenizado, ora severamente punido, conforme a “Lex romana”, a critério e paixão de cada Imperador ou diante da situação geográfica em relação a Roma, num total de 129 anos de perseguições impiedosas.

Lentamente os catecúmenos passaram a exercer o seu culto à luz solar, transferindo-se, sem dar-se conta, da condição de perseguidos a perseguidores.

- Os grandes “pais da Igreja primitiva” logo lamentaram a ocorrência, ao constatarem a queda da fé e a consequente mundanização da doutrina com a ritualística e os cerimoniais herdados do politeísmo romano, que se foram incorporando à conduta religiosa, antes natural, sem retoques nem adornos...

Paulo afirmara que “a liberdade na morte é liberdade maldita”, invectivando contra a atitude de adesão ao “status” por covardia de ser livre na vida espiritual através do testemunho.

Introduziram-se reformas e hábitos que iriam distanciando a mensagem, do seu Autor, e a pureza original começou a desaparecer...

...Em 320 introduziu-se o uso das velas no culto; em 375 iniciou-se a devoção aos santos; em 394 a missa foi instituída; em 528 surgiu a extrema-unção e, logo depois, em 555 a reencarnação era considerada heresia, no Concílio de Constantinopla...

...Em 660 Bonifácio III se declarou Bispo Universal — Papa; em 763 surgiu o impositivo da adoração às imagens e relíquias; em 993 começou-se a canonização dos santos; em 1076 fez-se imposta a “infalibilidade da Igreja” que culminou com a infalibilidade do papa em 1870...

...Em 1184 se criou a “Santa Inquisição” e logo depois, em 1190 a “venda das indulgências”...

No dia 31.10.1517 surgiu a Reforma, com Martinho Lutero que, aos 18 anos, se tomou aluno da Universidade de Erfurt, em cuja biblioteca encontrou uma bíblia latina, graças à qual pôde ver melhor o grande desvio das bases primitivas por que passara a fé.

Posteriormente, os discípulos e seguidores de Lutero se separaram, criando correntes e Igrejas, apresentando interpretações e textos variados, cujo número é surpreendente.

As revelações espirituais foram perseguidas e tentou-se, com a morte nas fogueiras, nos esquartejamentos e na impiedade, silenciar as vozes do mais além.

A ciência esteve amordaçada e os inovadores pagaram, no cárcere ou na morte, a audácia de pensar, por discordar do clero...

Morreram Joana d'Arc, João Huss, Nicolau Copérnico, por adesão à verdade, em ângulos diferentes, mas que o dogma condenava.

Dolorosamente, o homem recomeçou a marcha do progresso.

Os horizontes da Terra se alargaram graças aos descobrimentos marítimos; os missionários do saber volveram ao corpo; ampliou-se o conhecimento, e a revolução francesa estabeleceu os “direitos do homem”, libertando-o da opressão política e religiosa.

Com a chegada de Allan Kardec e com o Espiritismo, renasceu o Cristianismo primitivo, restabeleceram-se as comunicações espirituais e a revelação estuou no mundo das letras, das artes, da filosofia, da ciência e da fé.

As paisagens do além-túmulo foçam desveladas, o conceito de justiça divina readquiriu seu lugar através das reencamações, e o homem deixou de ser vítima do destino para tomar-se-lhe o autor, seu próprio arquiteto.

O excesso de cepticismo decorrente da reação contra o abuso dogmatista enregelou a alma das criaturas, que aderiram à indiferença total pelo Espiritualismo, entregando-se à vivência do prazer dos sentidos.

O materialismo, porém, as decepcionou e, em face dos tormentos íntimos que padecem, procuram agora recuperar a fé, repetindo as experiências ocultistas, orientalistas, que ora as atrai, arrancando-as da difícil situação e preparando-as, de certo modo, para um retomo a Deus e a sobrevivência, em “espírito e verdade”.

O Espiritismo, no atual conceito da sociedade, dispõe de todos os elementos para repetir o Cristianismo, ao mesmo tempo avançar com a Ciência e a Tecnologia, numa extraordinária aliança da fé com a razão, com o conhecimento e a experiência de laboratório.

Simples, sem ser fácil, acessível, mas não pueril, o seu corpo doutrinário é constituído de sólida argumentação decorrente do ensino dos Espíritos e da lógica de aço do Codificador, podendo resistir ao avanço das conquistas científicas, seguindo-lhes ao lado e iluminando-lhes as sombras ante os naturais enigmas que estas defrontem.

Perfeitamente atual, o Espiritismo consola, instrui e liberta o homem, projetando-o, renovado, no rumo de uma vida sem angústia nem sofrimentos, consciente e ditoso por fim.

Tours, França, 05.11.1983.
Léon Denis por Divaldo Franco do livro:
Seara do Bem

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