O estribilho fatal
Vinícius (Pedro Camargo)
"Se eu tivesse instrução, se soubesse falar, discorrer com acerto e precisão, defenderia com denodo e coragem a causa do Bem e do Direito, da Verdade e da Justiça. Mas, não tenho saber algum, vi-me impossibilitado, por isto ou por aquilo, de estudar e de me instruir; portanto, que posso fazer?"
"Se eu fosse médico, ocupar-me-ia de preferência em atender com carinho e solicitude aos enfermos pobres, esses desfavorecidos da fortuna, que vivem desprezados, e sucumbem inúmeras vezes à míngua de assistência. Mas, não sei curar, ignoro de todo a ciência de Esculápio, que hei de fazer?"
"Se eu ocupasse posição saliente na sociedade, se tivesse prestígio perante os que governam; muitas iniquidades eu saberia evitar, muitos abusos saberia prevenir; mas não tenho influência alguma, que posso, logo, fazer?"
"Se eu dispusesse de tempo, ocupar-me-ia das coisas espirituais. Procuraria educar, desenvolver as faculdades de meu espírito. Investigaria o campo infinito do ignoto; e, de todos os conhecimentos que conquistasse, faria coparticipantes o maior número possível de pessoas. Mas, infelizmente, não tenho tempo!"
"Se eu fosse industrial ou comerciante, tornaria os operários e caixeiros em meus interessados; mas, ai de mim! vivo lutando pela vida."
"Se eu fosse profeta — alega ainda um derradeiro —, procederia com o máximo escrúpulo, obraria prodígios em benefício da Humanidade."
E onde iríamos parar se continuássemos a declinar o enfadonho estribilho da condicional — "se eu fosse", "se eu tivesse"?
Porque será que todos se julgam deslocados, quando se reportam à prática do bem, ao cumprimento do dever moral?
Porque não tem o rico vontade de socorrer os pobres?
Porque não se compadecem os médicos dos enfermos indigentes? E o homem culto, porque não pugna pelos ideais elevados e nobres, dando-lhes o melhor de sua inteligência e saber? E o industrial, e o comerciante prósperos, porque não interessam em seus gordos lucros os operários e auxiliares honestos e diligentes? E o profeta, porque desdenha e avilta o dom que o céu lhe outorga?
Porque todos querem fazer o que não podem, e deixar de fazer o que podem?
Porque não faz cada um o bem onde está, e como se acha?
Porque enxergam o dever alheio, e não veem o seu próprio dever?
Porque pretendem alterar a ordem que o destino de cada um tem estabelecido?
Porque lamentam com jeremiadas "o não fazer" por "não poder", quando descuram daquilo que podem e devem fazer?
Porventura Deus vai julgar o homem pelo que ele deixou de fazer por não poder, ou antes o julgará por aquilo que deixou de fazer podendo fazê-lo?
Que nos importa, pois, o que não podemos fazer? Antes o que nos importa, e muito, é o que podemos fazer. Portanto, antes de nos lamentarmos do que não podemos fazer, façamos, desde logo, o que podemos, seja lá o que for. E a verdade é que todos podem alguma coisa, muita coisa mesmo, desde que queiram. As lamúrias são filhas do subterfúgio, do sofisma, da má vontade, do egoísmo numa palavra.
O dever de cada um é o dever simples, é o dever imediato. Faça cada um o que pode e o que deve, no momento. Ulteriormente, à medida que lhe seja possível, fará o mais e o melhor.
Há pais que abandonam seus lares e seus filhos, e andam pregando moral às massas. Insensatos! pretendem fazer o mais sem fazer o menos. Pretendem atingir o dever longínquo, antes de haverem cumprido o dever imediato.
Evangelizadores há que pretendem doutrinar homens e espíritos, sem curar dos seus próprios defeitos. Loucos! querem aperfeiçoar a outrem sem primeiramente se aperfeiçoarem a si mesmos. Querem dar antes de possuir.
Tal como somos e como estamos, cumpramos o dever conforme ele se nos vai apresentando na ocasião, segundo as luzes de nossa consciência, espelho fiel onde a justiça indefectível de Deus se reflete.
Abaixo os fatais estribilhos:
"Se eu fosse" e "Se eu tivesse!"
Vinícius (Pedro Camargo) do livro:
Nas pegadas do Mestre
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Nota: Pedro de Camargo, mais conhecido por Vinícius (pseudônimo que adotou e usou por mais de 50 anos), nasceu em Piracicaba (SP) em 7 de maio de 1878. Desde muito jovem abraçou com entusiasmo o Espiritismo, tendo fundado e dirigido em sua terra natal a instituição espírita “Fora da caridade não há salvação”. Por muitos anos presidiu também a “Sociedade de Cultura Artística”, na mesma cidade. Em 1938, mudou-se para a cidade de São Paulo, onde permaneceu até a sua desencarnação em 11 de outubro de 1966. A partir de 1949, desenvolveu, através do rádio, um programa evangélico de grande proveito para os espíritas. Teve participação destacada nos esforços em prol da unificação do Movimento Espírita Brasileiro que culminaria com a criação do Conselho Federativo Nacional (CFN). Colaborou por dezenas de anos com artigos que primavam pela essência altamente doutrinária e evangélica publicados em Reformador. (Trecho extraído do site da FEB)
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