Pistoleiros do Além
Richard Simonetti
Em bairro distante, na confluência de duas ruas, moram quatro famílias, uma em cada esquina. O morador de uma das casas sai certa manhã e depara com vela acesa e uma garrafa de aguardente.
- Ah! Esse povo não tem mais o que inventar em suas práticas religiosas. É coisa de brasileiro mesmo! - comenta com seus botões.
Despreocupado, toma seu automóvel e segue para o trabalho.
Sai o segundo morador. Vê os objetos e arrepia-se:
- Meu Deus! Um despacho! Alguém querendo prejudicar-me!
Afasta-se rapidamente a benzer-se, sem afastar de seu coração a angústia e o medo, que o perseguirão pelo resto do dia, culminando com palpitações e incômodas dores no peito.
O terceiro morador olha desconfiado para o “despacho”. Retorna à residência. Vai ao quarto dos fundos, põe a queimar incenso e repete várias vezes uma reza. Depois, mais tranquilo, parte para a atividade profissional.
O quarto morador, tão apavorado quanto o segundo, decide ausentar-se para evitar problemas. Ante a esposa surpresa, proclama que anteciparão o fim de semana, efetuando protelado passeio. Em poucos minutos improvisam a saída rápida.
À noite, longe dali, um devoto agradece ao seu protetor espiritual a dádiva recebida. Conseguira o emprego desejado, após cumprir fielmente a instrução de deixar uma garrafa de pinga com vela acesa numa “encruzilhada”.
O “despacho” não fazia parte de nenhum sortilégio para prejudicar os moradores, mas cada um reagiu segundo suas concepções:
O primeiro, racionalmente, considerou que não significava nada para ele, permanecendo impassível.
O segundo desequilibrou-se pelo medo. Ficou até doente e ninguém lhe tiraria da cabeça a ideia de que fora vítima de um “mal encomendado”.
O terceiro, por segurança, preveniu-se com práticas ritualísticas.
O quarto, apavorado, assumiu uma postura de fuga.
A história demonstra que nossa maneira de ser, de encarar os acontecimentos, de reagir em face das circunstâncias, tem uma influência decisiva em nossa estabilidade física e psíquica.
Somos o que pensamos. Pessoas que cultivam superstições, medos, fobias, que se apavoram pela perspectiva de sofrerem influências espirituais, fatalmente envolvem-se em desajustes e perturbações. Com muita facilidade julgam-se vítimas de perseguições e males inexistentes.
Se desejamos estabilidade íntima, equilíbrio interior, é preciso que nos habituemos a encarar os acontecimentos de forma objetiva e racional, sem nos deixarmos imbuir de fantasias desajustantes.
Naturalmente há algumas indagações a respeito:
- E se a vela e a pinga representassem uma espécie de indução para atrair Espíritos com a tarefa de perseguir um dos moradores da casa?
- Existe essa possibilidade?
- O que aconteceria?
Poderíamos responder com outra pergunta:
- É possível contratar um pistoleiro para atirar em alguém?
A resposta, evidentemente, é afirmativa. Principalmente nas regiões agrestes há pessoas que têm o hábito infeliz de resolver suas pendências dessa forma.
Ora, se há aqueles que se dispõem a ser instrumentos do mal na Terra, o mesmo ocorre na Espiritualidade.
E nem é preciso procurar um intermediário, um médium para a “contratação”. Basta que tenhamos ódio de alguém, que lhe desejemos alguma desgraça e não será difícil atrair Espíritos dispostos a colaborar conosco, autênticos “pistoleiros do Além”, que usarão as balas da discórdia, do desentendimento, do vício, da aflição, do desajuste, para ferir nossos desafetos.
O problema é que se nos envolvermos com eles não poderemos dispensá-los depois, porquanto o preço que cobram é muito alto: o domínio sobre nossa vida, explorando-nos as mazelas. É como se vendêssemos a alma ao diabo.
Naturalmente trata-se de uma imagem mitológica, porquanto o diabo, como força que se contrapõe eternamente a Deus, não existe. Diabos somos todos nós, quando nos transviamos do Bem, quando cultivamos o mal, habilitando-nos a sofrimentos mil, porque é assim que o Criador transforma os diabos em anjos.
* * *
Ainda que existam os “pistoleiros do Além”, tacitamente “contratados” por alguém que gostaria de nos ver sofrendo, é preciso lembrar um sugestivo ditado popular:
“Praga de urubu não mata cavalo gordo”.
As influências nocivas nos atingem apenas na medida em que não tenhamos defesas espirituais formadas por um comportamento equilibrado e virtuoso.
Há um detalhe fundamental: os Espíritos inferiores não produzem o mal em nós. Apenas fermentam o mal que existe.
Os sortilégios das sombras não geram o adultério. Simplesmente exploram, num dos cônjuges, a tendência à infidelidade.
Nenhum perseguidor espiritual precipitará na angústia um coração sintonizado com o otimismo e a alegria de viver.
Ninguém nos incompatibilizará com o semelhante se cultivarmos a compreensão e a tolerância.
Muitos desejam o chamado “corpo fechado”, tentando sobrepor-se a atentados à sua integridade física e espiritual com práticas ritualísticas, como quem pretende trancar-se numa fortaleza. Pode até funcionar, embora precariamente, na medida em que o interessado acredite nisso, apoiando-se em sua convicção.
Ressalte-se, todavia, que tais recursos configuram mero escoramento para uma casa mal construída, mal conservada, erguida em solo instável.
A melhor maneira de nos sobrepormos à influência do mal será sempre o empenho por eliminá-lo de nós mesmos, como se nos abrigássemos numa construção nova, mais sólida, resistente às intempéries - aquela casa a que se referia Jesus, edificada na rocha inabalável de seus ensinamentos.
- Não cultive ódios, nem ressentimentos, que funcionam como evocações do mal. Essas “contratações” podem levar algumas sombras aos nossos desafetos, mas fatalmente acabarão por derramar a escuridão sobre nós.
- Combata seus temores exercitando a confiança. Como explicava o apóstolo Paulo: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?”
- Empenhe-se por identificar e vencer suas mazelas e viciações. Nenhum Espírito maligno conseguirá perturbar um coração sintonizado com o Bem.
- Encare os Espíritos comprometidos com as sombras como irmãos nossos, transviados da Luz, necessitados de oração. Seu empenho nesse sentido, fatalmente despertará neles irresistíveis impulsos de renovação.
“Todo aquele que sente, num grau qualquer, a influência dos Espíritos é, por esse fato, médium. Essa faculdade é inerente ao homem; não constitui, portanto, um privilégio exclusivo. Por isso mesmo, raras são as pessoas que dela não possuam alguns rudimentos. Pode, pois, dizer-se que todos são mais ou menos, médiuns. Todavia, usualmente, assim só se qualificam aqueles em quem a faculdade mediúnica se mostra bem caracterizada e se traduz por efeitos patentes, de certa intensidade, o que então depende de uma organização mais ou menos sensitiva”. Allan Kardec (“O Livro dos Médiuns ”, capítulo XIV)
Na entrevista de encaminhamento ao serviços de assistência espiritual, é comum ouvirmos:
- Coisas incríveis acontecem comigo. Percebo a presença de seres invisíveis, ouço barulhos estranhos e fico apavorado. Dizem que sou médium...
Ou então:
- Alertaram-me de que os problemas de saúde e de descontrole emocional que venho enfrentando só serão resolvidos quando eu desenvolver minha mediunidade...
E ainda:
- Disseram-me que tenho uma tarefa a cumprir como médium e que enquanto não servir ao meu guia não terei paz...
Há aqui dois enganos, lamentavelmente sustentados por dirigentes espíritas menos avisados:
Primeiro: desajustes físicos e psíquicos sugerem mediunidade a desenvolver.
Segundo: a superação de tais problemas está condicionada ao desenvolvimento mediúnico.
A mediunidade, que podemos definir como sensibilidade à influência dos Espíritos, é, no dizer de Kardec, “inerente ao homem”. Todos a possuímos. É o sexto sentido, que nos coloca em contato com o plano espiritual, assim como o tato, o paladar, o olfato, a audição e a visão nos colocam em contato com o mundo físico.
Essa sensibilidade tem sido exaustivamente pesquisada pela Ciência, em todos os tempos. Indivíduos que a possuem de forma mais acentuada, que os habilita ao intercâmbio com o Além, são hoje identificados como paranormais, portadores de faculdades como:
Telepatia, a capacidade de captar pensamentos. Clarividência, a capacidade de perceber o que não está ao alcance dos sentidos físicos.
Pré-cognição, a capacidade de desvendar o futuro. Retrocognição, a capacidade de desvendar o passado.
* * *
Em determinadas circunstâncias, quando submetidas a tensões e angústias ou enfraquecimento físico, em face de problemas existenciais e moléstias, há pessoas que experimentam um aguçamento dessa sensibilidade. Se não possuem defesas psíquicas, até mesmo por total desconhecimento do assunto, são facilmente envolvidas por influências espirituais desajustantes que agravam seus padecimentos.
O passe magnético, a água fluida, a orientação recebida nas reuniões públicas do Centro Espírita, bem como a ajuda de mentores espirituais, a par do tratamento médico, favorecem o reequilíbrio do paciente, com o que tenderão a desaparecer os sintomas.
Não é razoável, portanto, encaminhar às reuniões de intercâmbio com o Além pessoas que se apresentam para receber tratamento espiritual, porquanto, provavelmente, seu problema é de desajuste psíquico e não de desenvolvimento mediúnico.
O exercício mediúnico é destinado ao sensitivo natural, que capta com maior facilidade as vibrações do Plano Espiritual. Para ele isto é imperativo. Sua própria condição indica que assumiu, antes de reencarnar, compromisso nesse sentido.
O médium perfeitamente consciente de suas responsabilidades e disposto ao trabalho perseverante e disciplinado é um instrumento precioso dos benfeitores espirituais.
Mas como definir entre um e outro caso?
Inicialmente é difícil, porquanto os sintomas são semelhantes. Há os que experimentam fenômenos mediúnicos porque estão tensos e perturbados; há os que ficam tensos e perturbados por experimentarem fenômenos mediúnicos.
Somente após o tratamento espiritual, que deverá prolongar-se por alguns meses, envolvendo principalmente a iniciação nos postulados espíritas, será possível uma definição segura.
* * *
Importante destacar que o intercâmbio com o Além deve ter, como base indispensável para que seja produtivo e convincente, uma harmonização vibracional dos participantes. Isso exige conhecimento do processo e, sobretudo, das responsabilidades que ele envolve, o que não se pode esperar do neófito, que comparece apenas para receber benefícios.
Em “O Livro dos Médiuns”, no Capítulo III, “Do Método”, Allan Kardec explica não admitir, nas reuniões por ele realizadas “senão quem possua suficientes noções preparatórias para compreender o que ali se faz, persuadido de que se lá fossem, carentes dessas noções, perderiam o seu tempo, ou nos fariam perder o nosso”.
Por isso os Centros Espíritas devem ter reuniões específicas de estudo da Mediunidade, sem intercâmbio com o Além. Ali o assunto deve ser colocado ao alcance dos interessados, como parte do tratamento espiritual.
Seja qual for a extensão de nossa sensibilidade psíquica, ela existe e é parte importante de nossa personalidade, com insuspeitada e ampla influência em nossa vida.
Fundamental, portanto, que saibamos definir com propriedade a natureza dos fenômenos espirituais a que estamos sujeitos e como podemos disciplinar nossa mente de forma a controlá-los sem sermos controlados por eles.
- Antes de cogitar do desenvolvimento de hipotética mediunidade, considere a necessidade de estudar o assunto. Sentar-se à mesa de trabalhos práticos sem conhecimento sobre o intercâmbio com o Além contraria a orientação espírita.
- Em “0 Livro dos Médiuns ”, de Allan Kardec, estão as noções básicas, e há outras obras, de leitura amena e instrutiva, com orientações preciosas. Dentre elas: “Você e a Mediunidade”, de Mario B. Tamassia; “A Mediunidade sem Lágrimas”, de Eliseu Rigonatti; “Médium, Mediunidade, Fenômeno Mediúnico”, de Sérgio Lourenço; “Estudando a Mediunidade”, de Martins Peralva; “Recordações da Mediunidade”, de Yvonne A. Pereira e “Na Seara dos Médiuns”, de Francisco Cândido Xavier. Em qualquer setor de aprendizado, temos nos livros a nossa melhor fonte de informação.
- Definir e disciplinar nossas faculdades psíquicas não é tão somente um recurso indispensável de equilíbrio e paz. Aprender a utilizá-las é uma das mais gratificantes realizações humanas. Algo semelhante ao cego de nascença que começa a enxergar.
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- Para seguirmos corretamente o espiritismo, devemos submeter todas as mensagens mediúnicas ao crivo duplo de Kardec, sendo eles, a razão e a universalidade.
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