Maldição dos Faraós
Hermínio C. Miranda
Dois homens conversavam junto à piscina do Hotel Ornar Khayyam, no Cairo, à beira do Nilo. Um deles era o tipo de que se costuma dizer estar "vendendo saúde": forte, musculoso, de sobrancelhas e lábios espessos. Chamava-se Gamal Mehrez e era Diretor-Geral do Departamento de Antiguidades do famoso Museu local. O outro era o escritor alemão Philipp Vandenberg, que conta o episódio no capítulo de abertura do seu livro "Der Fluch der Pharaonen", publicado em 1973 pela Scherz Verlag. (Valho-me da tradução de Thomas Weyr, para o Inglês, edições da Lippincott, 1975, e da Pocket Books, 1977, ambas de New York.) Falavam sobre a "maldição dos faraós", aquela estranha e misteriosa fatalidade que parece perseguir implacavelmente todos aqueles que se atrevem a perturbar a paz dos túmulos e das múmias dos antigos egípcios.
O Dr. Gamal Mehrez não era totalmente descrente da força da maldição, pois admitia a existência de "estranhas coincidências na vida". Vandenberg, no entanto, não se deu por satisfeito e, ao cabo de algum tempo, desejou "conferir" a opinião de Mehrez:
- Então, o senhor não tem certeza se há ou não a maldição?
O arqueólogo hesitou por um momento. Parecia estar à procura de uma resposta objetiva e compatível com os seus conhecimentos e sua posição.
- Juntando todas essas mortes misteriosas, você poderia ser levado a crer que sim. Especialmente porque maldições formais surgem com frequência na história do Antigo Egito. Não obstante - sorriu constrangido -, simplesmente não creio nisso. Veja o meu caso. Durante minha vida inteira tenho estado envolvido com os túmulos e as múmias dos faraós. Sou uma prova viva de que tudo isso não passa de coincidência.
- Quatro semanas depois dessa conversa - escreve Vandenberg -, Gamal Mehrez morreu aos 52 anos de idade. Os médicos disseram que foi de um colapso circulatório.
Ou será porque ele ousou desafiar a maldição? Seria mera coincidência, se o Dr. Mehrez fosse a primeira vitima, mas a questão é que o ex-Diretor do Departamento de Antiguidades era mais um dos muitos que partiram após o desafio.
Vandenberg informa, nas palavras finais de seu magnifico livro, que não pretendeu com seu trabalho provar "triunfalmente, que a maldição dos faraós exista"; desejou apenas apresentar o resultado de suas pesquisas em torno dos fatos e suas possíveis explicações. Com a meticulosidade e competência próprias de tantos autores alemães, Vandenberg viajou, entrevistou, meditou e examinou uma vastíssima literatura. A bibliografia consultada vai a quase duzentos títulos, entre livros e artigos especializados, em alemão, inglês e francês, como se pode ver nas páginas finais de sua obra.
E o autor? Será que ele crê na validade da maldição? Seria difícil responder sim ou não, porque ele não defende uma tese - propõe-se a investigar um fenômeno que, a seu ver, não teve ainda explicação conclusiva. Reconhece, ainda, que as raízes desse fenômeno - como de tantos outros, diríamos nós - aprofundam-se no coração da antiguidade egípcia. Acha mesmo Vandenberg que a civilização do Velho Egito, saltando por cima dos séculos, ainda hoje "Intriga, confunde e humilha a arrogante ciência contemporânea com os segredos de suas pirâmides e o povo que as construiu".
*
Pouparemos tempo e espaço, passando ao largo das peripécias vividas por Lord Carnarvon e Howard Carter na aventurosa busca do túmulo de Tutankamon, a fim de nos concentrarmos na essência do problema aqui tratado.
É costume dos especialistas minimizar a importância histórica desse faraó que, na opinião geral, somente se tornou importante porque seu túmulo permaneceu inviolado por três mil e tantos anos, à espera de Carnarvon e Carter. Dali foi resgatada das entranhas do deserto a mais fabulosa riqueza arqueológica de todos os tempos. (Infelizmente, a famosa máscara de ouro estava sendo exibida alhures, pelo mundo a fora, quando estive no Museu do Cairo, em fins de abril de 1977, mas o que ali permaneceu na sala imensa é um inconcebível acervo de maravilhas.)
Tutankamon sucedeu a Akenaton, o "Faraó Herético", que era seu sogro e - dizem os entendidos - também seu pai. Viveu, portanto, um período turbulento da História de seu país, não em termos de conquistas ou grandes feitos políticos e militares, mas caracterizou-se - com a sua fraqueza, talvez - como o faraó da Contra-Reforma. Sob seu governo o Egito voltou ao domínio dos poderosos sacerdotes de Amon e, aparentemente, tudo recaiu na ordem antiga, enquanto o "ódio teológico" - quase sempre mais político que religioso - procurava açodadamente apagar os vestígios daquela estranha ideia do Deus Único.
O herdeiro de Akenaton casou-se quase menino, subiu ao trono ainda adolescente e morreu na sua primeira juventude, de morte violenta. Vandenberg conta as minúcias desta última conclusão no capítulo intitulado "Autópsia de um Faraó". A "causa mortis", estabelecida cerca de 40 anos depois de descoberta da múmia, foi um coágulo sanguíneo localizado sob as meninges. Tutankamon trazia um ferimento do lado esquerdo do crânio, resultante de uma violenta pancada ou de uma queda não menos infeliz.
Foi o túmulo desse jovem que, após pesquisar em vão durante seis anos, Carter resgatou à areia do deserto em algumas poucas semanas, especialmente as quatro do mês de novembro de 1922.
Houve uma euforia mundial entre entendidos e curiosos. Pela primeira vez se chegava a um tesouro funerário intacto, que sobrevivera à argúcia e à audácia dos temíveis ladrões de sepulturas durante mais de trinta séculos! Aqueles que conheciam melhor o local da escavação, porém, não estavam tão eufóricos. Ao contrário - conta Vandenberg -, tornaram-se bem nervosos com o passar dos dias. Um pequeno tablete de barro, encontrado na antecâmara do túmulo propriamente dito, fora a causa da tensão, principalmente entre os arqueólogos. Haviam catalogado o tablete diligentemente, como tudo o mais, nos registros da pesquisa. Dias depois, Alan Gardiner traduziu os hieróglifos que continham a seguinte e inequívoca mensagem de advertência:
- A morte destruirá com as suas asas aquele que perturbar a paz do faraó.
Nem Carter, nem Gardiner, nem os demais especialistas tiveram receio da maldição ou tomaram-na a sério naquele momento, mas temiam que os trabalhadores egípcios soubessem dela e se recusassem a continuar o penoso trabalho, com o que a escavação estaria condenada à paralisação total. Por isso eliminaram o registro do tablete que, por sua vez, desapareceu, a não ser da lembrança daqueles que o viram.
Uma segunda maldição, porém, foi encontrada gravada nas costas de uma das estátuas. Dizia assim:
- Sou eu quem faz recuar os ladrões do túmulo com as chamas do deserto. Sou o protetor do túmulo de Tutankamon.
Essa figura mágica foi encontrada no recinto principal da tumba. Não era mais necessário esconder a praga dos trabalhadores, que já haviam feito o trabalho principal de remoção das toneladas de escombros.
*
Vandenberg faz uma pausa em sua narrativa, nesse ponto, para repassar algumas pragas que a História documentou, como a da antiquíssima pirâmide de Medum, também confiada a um tablete de barro:
- Os espíritos dos mortos torcerão o pescoço do ladrão de sepultura como se fora o de um ganso.
Parece que os Espíritos cumpriram a sua palavra, pois lá encontraram, além da múmia, o cadáver de um homem. Fora esmagado por uma pedra que despencara com precisão fatal sobre ele. A explicação seria, talvez, a de que um mecanismo qualquer, muito bem planejado e executado, houvesse disparado a pedra quando o ladrão se aproximara da múmia, para despojá-la de suas riquezas. É possível. O certo, porém, é que os sacerdotes da época possuíam um conhecimento que, como disse Lady Nona ao Dr. Wood, "a ciência moderna ainda não recuperou". Toda essa tecnologia científica e espiritual era movimentada para criar em torno dos túmulos dos faraós um rígido sistema de proteção.
Os céticos continuarão, por certo, a buscar explicações alternativas que não levem em conta os fenômenos específicos da natureza humana, como por exemplo, radiações, fungos, germes, bacilos ou meras armadilhas, como parece ser o caso da pedra que desabou sobre um ladrão destemido, mas as pirâmides e os túmulos contêm certa imantação inexplicável e sua multidão invisível de habitantes espirituais. Que o diga o valente explorador inglês Paul Brunton (o leitor interessado poderá ler "O Egito Secreto", há muito traduzido para o português.) que, como lembra Vandenberg, conseguiu autorização para passar uma noite sozinho no interior da pirâmide de Quéops, em Guizé. Foi uma noite de terrores tamanhos que ele saiu de lá, pela manhã, totalmente "desligado" da realidade.
Com a permissão do leitor paciente, a quem peço relevar minha atrevida ignorância, não creio que a pirâmide de Quéops seja um túmulo, embora possa ter sido utilizada para isso eventualmente. Trata-se de um dos mais importantes documentos matemáticos e científicos do mundo. Ali se realizavam importantes cerimônias (as finais) de iniciação, como a regressão de memória, que colocava o aspirante em contato com a realidade das suas vidas pregressas.
Muitos são, ainda hoje, os que entram em crise ao penetrar o recinto da chamada "câmara do rei", onde apenas existe um enorme sarcófago do belo granito vermelho do Egito. Tive oportunidade de presenciar o mal-estar de um robusto árabe lá na câmara, bem como a aflição de algumas pessoas, que desciam de lá algo espavoridas e agitadas, como se tivessem contemplado a face gelada da morte, que tantos temem. Vandenberg testemunhou a crise de uma senhora espanhola em desespero. Perguntou-lhe o escritor se ela podia dar alguma explicação para o seu pânico.
- Foi como se alguma coisa subitamente me desse uma pancada, disse ela.
Vandenberg deixa também no ar a razão pela qual a KGB teria enviado uma urgente mensagem telegráfica a Nikita Khruchtchev recomendando enfaticamente que ele não entrasse na pirâmide, como tencionava, quando ali esteve pertinho, no magnifico Hotel Mena House, em maio de 1964. Algum risco iminente de vida? Receio de uma crise nervosa no líder soviético? Não se sabe. É certo, porém - e a informação está igualmente em Vandenberg -, que coisas estranhíssimas ocorrem ali.
- O que acontece dentro das pirâmides - declarou o Dr. Amr Gohed, que em 1969 dirigiu o trabalho do computador na análise dos dados colhidos pelo Dr. Luis Alvarez - contradita todas as leis conhecidas da ciência e da eletrônica.
A "The New York Times" informou, ainda, aquele cientista: Ou existe um enorme erro na geometria das pirâmides, que influencia nossas medidas, ou estamos ante um mistério que fica além de qualquer explicação racional - chame-o como queira, ocultismo, maldição dos faraós, feitiçaria, ou magia. Seja como for, existe uma força atuante dentro das pirâmides que contesta as leis cientificas.
É conhecido o caso de dois famosos arqueólogos, interessados em pirâmides, que morreram súbita e inexplicavelmente. Um deles, o eminente egiptólogo Sir Flinders Petrie, autor de alguns livros memoráveis sobre sua especialização, morreu em Jerusalém, a 28 de julho de 1942, quando regressava do Cairo, rumo à Inglaterra. Pouco antes dele, partira seu colega americano, Professor George A. Reisner. Coube a este competente pesquisador descobrir o túmulo de Hetephere, a mãe de Quéops. O Prof. Reisner teve um colapso dentro da pirâmide de Quéops e foi retirado de lá, paralisado, através da estreita galeria. Levado para o acampamento, morreu sem haver recuperado os sentidos.
*
A grande maldição, no entanto, parece mesmo ser a do túmulo de Tutankamon, como veremos. Meditando sobre isso, estive a pensar que talvez essa tenha tomado maior vulto e obtido maior publicidade porque está relacionada com o único túmulo de importância histórica descoberto ainda intacto. Sabe-se lá o que aconteceu com os inúmeros ladrões que violaram centenas, talvez milhares de túmulos durante o lento escorrer dos séculos?
Após várias semanas de intensa e quase insuportável expectativa, chegou finalmente o momento supremo em que o túmulo do faraó seria aberto. Vinte pessoas da equipe de Lord Carnarvon estavam presentes, naquela tarde às 14h, 17 de fevereiro de 1923. (Segundo outros autores, o dia teria sido 27-11-1922). Ninguém poderia, àquela altura, na excitação da descoberta mais sensacional da história arqueológica, imaginar que das 20 pessoas, 13 estariam mortas dentro de tão pouco tempo, a começar pelo próprio Lord Carnarvon.
Era uma complexa operação, a de identificar, catalogar, fotografar e remover todo o preciosíssimo acervo. Lord Carnarvon decidiu acompanhar os trabalhos, não mais da Inglaterra, mas do Cairo. Alugou ali uma suite no Hotel Continental, enquanto Carter permanecia em Luxor, junto às escavações.
Em principio de abril, sem dar muita importância ao fato, Carter foi informado de que Lord Carnarvon estava doente. Pouco depois chegava um telegrama mais enfático: "Carnarvon estava gravemente doente, com elevada febre." Carter foi para o Cairo. A febre começara subitamente, sem nenhuma explicação aceitável e resistiu durante doze dias a tratamento médico intensivo. Quando o filho de Lord Carnarvon chegou da Índia, onde se encontrava, já achou o pai inconsciente, em companhia de Lady Almina, sua mãe. A dez minutos para as duas da madrugada, o jovem foi despertado pela enfermeira, a anunciar-lhe que seu pai estava morto. No momento em que ele entrou no aposento, no qual sua mãe se encontrava ao lado do cadáver, as luzes se apagaram. Foram acesas algumas velas, e ele pôs-se a orar, segurando a mão do pai, que contava apenas 57 anos e morrera exausto, segundo confessara à sua irmã, Lady Burghclere. Pouco depois, tão inexplicavelmente como se haviam apagado, acenderam-se as luzes de toda a cidade do Cairo. A concessionária não soube dizer a razão do estranho comportamento dos circuitos.
Naquele mesmo momento, com as correções devidas ao fuso horário, a cadela de estimação de Lord Carnarvon, na Inglaterra, começou de repente a uivar, sentou-se nas patas traseiras e caiu morta.
Dai em diante começou a mortandade. Primeiro foi Arthur Mace, arqueólogo americano que, a pedido de Carter, ajudou na abertura do túmulo, quebrando o último pedaço de parede. Logo após a morte de Carnarvon, começou a sentir uma canseira inexplicável. Entrou em coma e morreu no mesmo hotel em que falecera o líder do projeto.
George Jay Gould, velho amigo de Carnarvon, foi a Luxor testemunhar a sensacional descoberta de seu amigo. Carter mostrou-lhe o túmulo, Na manhã seguinte, Gould apareceu com febre alta. A noite, estava morto. Diagnóstico? Houve dúvidas, mas os médicos informaram, depois, que foi peste bubônica (?).
Joel Wool, industrial inglês, morreu de febre, ainda no navio em que regressava à Inglaterra, após visitar o túmulo violado do faraó. Archibald Douglas Reid, o radiologista que cortou as faixas da múmia para tirar chapas de raios X, começou a sofrer da mesma arrasadora canseira. Morreu pouco depois, na Inglaterra, em 1924.
Para encurtar a história: em 1929 vinte e duas pessoas envolvidas, direta ou indiretamente, com o Faraó Tutankamon haviam morrido prematuramente. Treze dessas pessoas estavam presentes entre as vinte que assistiram à abertura do túmulo, naquela fatídica tarde de fevereiro de 1924.
Lady Almina, esposa de Lord Carnarvon, morreu também em 1929. Disseram que foi por causa da picada de um inseto (?). Richard Bethell, secretário de Carnarvon, partiu dois anos depois. Foi encontrado morto pela manhã, em sua cama, vitimado por um colapso circulatório. Ao saber de sua morte, seu velho pai, Lord Westbury, com 87 anos de idade, atirou-se do sétimo andar de sua residência em Londres. A caminho do cemitério, a carruagem que levava seu cadáver atropelou um menino.
Ainda agora, em plena década de 70, morre gente que põe em dúvida a tenebrosa maldição, como o Dr. Gamal Mehrez, um dos diretores do Museu do Cairo.
- A morte destruirá com as suas asas - prevenia o tablete de barro - aquele que perturbar a paz do faraó.
Seria mera coincidência?
Vandenberg examina essa possibilidade. Vejamo-la também.
*
O capítulo segundo do seu livro é dedicado a essa possível explicação que, no entanto, resulta inadmissível. Discorre ele, sempre apoiado em abundante bibliografia, a cerca dos aspectos matemáticos da questão, do biorritmo, da sincronização mental, da bioenergia e das estranhas particularidades energéticas que revelam as pirâmides.
Um caso de aparente sincronização mental parece merecer um relato, ainda que sucinto.
Deu-se em 1º de março de 1950, num lugar chamado Beatrice, no Estado americano de Nebraska, sendo narrado por Warren Weaver.
Estava marcado para a noite desse dia (19h20m) o ensaio geral de um grupo coral na igreja daquela pequena cidade do interior. Seria fácil prever que um ou outro membro do grupo deixasse de comparecer, ou chegasse alguns minutos atrasados; afinal, eram quinze pessoas com diferentes afazeres. Pois às 19h25m nenhum desses quinze havia comparecido à igreja, pelas mais simples e aceitáveis razões. O pastor - que também dirigia o coro - atrasou-se porque estava esperando que sua mulher acabasse de passar o vestido da filha mais velha, que cantava no coro. Duas das senhoras - independentemente uma da outra - não conseguiram dar partida nos respectivos carros. Uma das meninas ainda não terminara o seu dever escolar. Duas outras, embevecidas com uma novela de rádio, perderam a hora. Outra, dormira tão profundamente que a mãe teve de chamá-la duas vezes.
Como se vê, tudo simples, trivial, perfeitamente aceitável. Acontece, porém, que às 19h25m, cinco minutos depois da hora em que o ensaio deveria ter começado, uma explosão destruiu completamente a igreja da cidade de Beatrice.
Weaver calculou a possibilidade matemática de terem sido meras coincidências as razões pelas quais dez pessoas ficaram detidas, ainda que por motivos triviais. A possibilidade era de 1 :1.000.000, isto é, um para um milhão! A média de atrasos, porém, num ensaio do grupo coral, seria de uma vez em quatro. Como todos os quinze se atrasaram ao mesmo tempo, a probabilidade de estar cada um atrasado seria um número fantástico (1:4 à 10 potência), ou seja, uma para 4 seguido de dez zeros. Por conseguinte, algo mais complexo do que o mero acaso atuou em Beatrice, naquela noite de março. O que teria sido?
Agora, voltando ao nosso tema: que coisa é essa, não sendo coincidência ou acaso, que mataria tanta gente que "perturbou a paz" do Faraó Tutankamon? Seria uma infecção misteriosa?
*
O Dr. Ezzeddin Taha, médico e biólogo, professor da Universidade do Cairo, achou que sim. Em 3 de novembro de 1962 ele reuniu a imprensa para declarar que, ao cabo de longas pesquisas, chegara à conclusão de que havia perigosos agentes infecciosos nos papiros, nas múmias e nas tumbas em geral, entre eles, um certo Aspergillus niger, um fungo tão difícil de extinguir-se que bem poderia sobreviver três ou quatro mil anos no interior de um túmulo ou alojado nos tecidos das múmias e dos papiros.
Declarou, para encerrar, que sua descoberta acabava para sempre com essas fantasias de maldição faraônica. As pessoas morriam mesmo é de doenças infecciosas e não vitimadas por poderes ditos sobrenaturais que não passavam de histórias da carochinha. Para acabar com a maldição dos faraós, terminou ele, bastava um pouco de antibiótico.
E agora? Parece que o homem tinha mesmo razão. Muita gente pôs-se a pensar com ele. Pouco depois, o Dr. Taha viajava entre Cairo e Suez por uma estrada asfaltada, sob a luz brilhante do sol do deserto, onde é raríssimo encontrar outro carro. Quando isso acontece - diz Vandenberg - os respectivos motoristas se cumprimentam. Pois bem. A 70 quilômetros do Cairo, o carro que conduzia o Dr. Taha e dois assistentes seus teve um acidente inexplicável: desviou-se de sua mão e foi chocar-se com outro, que vinha em sentido contrário. O médico e seus companheiros foram encontrados mortos e os ocupantes do outro veiculo, embora muito feridos, escaparam com vida. Verificou-se, depois, que o Dr. Taha morrera, ao volante, de um colapso cardíaco.
Não era, pois, um problema de antibiótico, porque ele usara dessa droga regularmente durante as suas pesquisas com os fungos que, a seu ver, eram causadores da famosa maldição dos faraós...
É... Ao que tudo indica, não são também os fungos que causam a morte daqueles que "perturbam" os faraós, embora possam ser considerados entre os que movimentam as asas da morte.
*
Há outras asas... Todos nós conhecemos, por exemplo, o mais famoso naufrágio do mundo: o do "Titanic", em 14 de abril de 1912. Esse barco, orgulho da indústria naval britânica, era considerado "unsinkable", isto é, inaufragável, se é que existe a palavra em português. Dizem que o Capitão Edward J. Smith chegou a declarar que nem mesmo Deus seria capaz de afundar o navio. O "Titanic" levava a bordo 2.200 passageiros, 40 toneladas de batatas, 12.000 garrafas de água mineral, 7.000 sacos de café, 35.000 ovos, enfim, um mundo de coisas, mas também uma múmia egípcia que Lord Canterville transportava da Inglaterra para New York.
A múmia era de uma profetisa (médium) famosa do tempo de Amenotep IV, precisamente o "Faraó Herético", ou seja, Akenaton. Fora encontrada numa espécie de capelinha construída especialmente para ela, sob o nome de "Templo dos Olhos", em Tell el-Amarna, que, como se sabe, é o local onde existiu a capital política e religiosa do Egito ao tempo da nova religião de Aton, o Deus Único.
Trazia a múmia os amuletos habituais, e um deles, com a figura de Osíris, tinha uma inscrição que dizia o seguinte:
"Acorda do sono que dormes e uma rápida mirada dos teus olhos triunfará sobre qualquer coisa que se faça contra ti."
Ao que tudo indica, pois, a múmia da jovem médium dispunha de certa proteção espiritual. Que seria? Um campo magnético? Alguma imantação especial? Ou teria sido mera coincidência - e muito trágica - o afundamento do navio "inaufragável"?
*
A especulação, como vemos, é livre e amplas são as perspectivas em que se desdobra a imaginação neste campo, pois ignoramos muitíssimo mais do que conhecemos a cerca da verdadeira sabedoria secreta dos poderosos sábios egípcios. A doutrina que pregavam ao povo era apenas o aspecto externo de um conhecimento muito profundo e extenso acerca dos segredos e mistérios da vida. Já naqueles tempos remotos eram conhecidas as linhas mestras dos mecanismos do espírito, como a sobrevivência, a reencarnação, a comunicabilidade entre encarnados e desencarnados, a regressão de memória, o passe, o magnetismo, o desdobramento espiritual. Não é difícil admitir, a partir dessas noções, que as pessoas que dispunham de tais conhecimentos pudessem tecer em torno das múmias de seus faraós e sacerdotes perigosas redes magnéticas e espirituais destinadas a proteger os despojos de seus mestres e amigos.
Fora do contexto do Espiritismo, pouca gente entende - e aqui incluo, com todo respeito, o eruditissímo Philipp Vandenberg - a concepção egípcia do ser humano. O homem, diziam eles, é um ser tríplice: em primeiro lugar, o corpo físico, em seguida, o "ba", equivalente à alma, em terceiro, o "ka", correspondente ao perispírito na terminologia kardequiana. Inúmeras figuras humanas são representadas em duplicata nos desenhos e gravações em pedra, pelos artistas do Antigo Egito. A segunda figura é o "ka", Este é que era responsável pela vida póstuma. O corpo era embalsamado para servir ao "ka", Crê-se mesmo que as figuras em tamanho natural eram colocadas nos túmulos para que os mortos ilustres dispusessem sempre, diante dos olhos do "ka", da aparência que tiveram em "vida". Seria para lembrar ao Espírito a forma que o seu perispírito deveria tomar quando tivesse de manifestar-se como faraó?
Quanto ao "ba", era o "elemento divino contido no corpo", ou melhor dito, a essência espiritual.
É uma pena que não tenhamos à nossa disposição os verdadeiros textos egípcios, tão inacessíveis pela linguagem, país os que nos chegam às mãos, como os que Vandenberg, por exemplo, reproduz de outras fontes ("Das Gespräch eines Mannes mit seinem Ba", de Winfried Barta e que até o escriba destas linhas, sem conhecer alemão, sabe que quer dizer: "Conversações de um homem com o seu Ba".), trazem já as deformações de tradução e os preconceitos de cada um, a ponto de se tornarem ininteligíveis ou contraditórios.
Acham, por exemplo, os egiptólogos, que os alimentos e as bebidas deixados no túmulo destinavam-se ao consumo do "ka" (perispírito). Até onde isso é admissível? Não parece que homens que sabiam tantos segredos da vida ignorassem que o Espírito desencarnado dispensa os alimentos terrenos, a não ser que permitissem oferendas apenas como concessão à ignorância popular, respeitando antiquíssima tradição histórico-religiosa.
*
Mas voltemos, para concluir, à maldição dos faraós. Qual a causa de tamanha mortandade, especialmente em relação a Tutankamon? Não desejo arriscar mais uma teoria, se o próprio Vandenberg, que tanto estudou o assunto, não arriscou a sua. Howard Carter, por exemplo, que viveu praticamente dentro de túmulos egípcios, morreu de morte natural aos 66 anos de idade. No entanto, foi ele quem farejou - desculpem a palavra - durante anos as areias quentes do deserto à procura de túmulos perdidos de antiquíssimos faraós. Foi ele quem primeiro meteu a cabeça pela brecha aberta no túmulo de Tutankamon, em novembro de 1922.
- Está vendo alguma coisa? - perguntou, num sussurro emocionado, Lord Carnarvon.
- Sim - respondeu Carter. Coisas maravilhosas.
Por que será que Carter foi poupado? Sua sobrevivência à maldição reforça as nossas dúvidas quanto aos bacilos e fungos imortais que estariam desativados nos túmulos dos reis egípcios. Quanto às supostas radiações, nunca se descobriu nada nesse sentido. Ao que hoje se suspeita, as pirâmides, no entanto, funcionariam como concentradores de energia cósmica, pois experiências recentes do engenheiro Karl Drbal, de Praga, demonstraram que as pirâmides, construídas dentro de certas proporções, produzem a mumificação natural de tecidos vivos, como os do peixe ou de um ovo, que ficou reduzido de 52 a 12 gramas, em 43 dias. Não houve apodrecimento de tais peças. Em prosseguimento às suas experiências, o Dr. Drbal conseguiu recuperar o fio das suas lâminas de barbear, colocando-as, na posição leste-oeste, dentro das suas pequenas pirâmides de cartolina. Ao que se informa, as moléculas que compõem o fio se reorientam, restabelecendo o corte. Não me perguntem como, nem por quê.
Ao que parece, não apenas energias físicas, mas também psíquicas ou mentais eram movimentadas, condensadas, redistribuídas e utilizadas pelos antigos egípcios, através de recursos que ainda não redescobrimos. Talvez somente cheguemos a recuperar esses conhecimentos quando os Poderes Espirituais que nos governam estiverem seguros de que não voltaremos a usá-los para promover as nossas paixões, em vez de empregá-los como instrumento de serviço junto àquele que sofre e ignora; quando o homem que morre não precisar deixar ao lado - do seu cadáver tesouros incalculáveis, mas, se os deixar, não houver ninguém, impulsionado pela cobiça, disposto a rouba-los: quando alguém, querendo penetrar-lhe o recinto mortuário, puder encontrar, em o fazendo, num tablete de barro uma mensagem de amor fraterno, a ser retribuída com uma prece em favor do "ba" daquele companheiro de lutas evolutivas. Como tudo isso parece estar longe, podemos concluir, creio eu, que ainda ignoraremos por longo tempo os segredos dos iniciados egípcios. E se chegarmos a conhecê-los antes da maturidade espiritual, com a qual alguns sonham há milênios, então, novamente, vai parar o relógio da Civilização, para que os ponteiros voltem à hora zero.
*
A Doutrina Espírita recuperou para nós a essência daqueles conhecimentos perdidos que tornaram possível a realidade que ainda hoje nos intriga e humilha a nossa orgulhosa Ciência, como assegura Vandenberg. Os iniciados egípcios que manipulavam tais conhecimentos não deixaram de existir. Nem os que os utilizaram com sabedoria e amor, para servir, nem os que os empregaram desavisadamente, para dominar.
Observe-se, no entanto, que nos foram devolvidos apenas os conhecimentos básicos, mesmo assim, acoplados com firmeza e precisão à moral cristã, como roteiro e advertência a todos os que desejam penetrar no Templo Sagrado da Sabedoria. Divorciados dessa moral, estaremos à mercê das paixões e à véspera das angústias e desesperos que os nossos desatinos suscitam em nós, movidos pela rígida Lei da Ação e Reação.
Depende, pois, exclusivamente de cada um de nós utilizar o conhecimento restituído, para promover o amadurecimento espiritual e a paz que buscamos ou para, uma vez mais, nos despenharmos nos abismos do desespero, quando mais intensa é a ilusão de que estamos alcançando os picos luminosos da perfeição espiritual. A nossa escolha é livre, especialmente quando decidimos optar pela porta estreita de que nos falou o Cristo. Veja-se bem: Ele não falou em glória, em projeção, em poder. O mundo abre alas diante do poderoso que passa, mas o sábio prefere a estreiteza da porta da renúncia e da humildade, pois já sabe que é por ali que se vai ao Reino de Deus de que nos falou o Mestre. (*)
Hermínio C. Miranda
Revista Reformador Nov. 1978
Posteriormente incluído no livro:
Estudos e crônicas
(*) – Nota de ‘Reformador’ – Consulte-se, à propósito dos temas aqui versados, a obra de Emmanuel, por F. C. Xavier, “A Caminho da Luz’, 9ª Edição, FEB, 1978. Vejam-se, especialmente, dentre os itens do IV capítulo, “Os egípcios e as ciências psíquicas” e “As Pirâmides”.
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