quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Consciências

Consciências

Irmão X.




O rei Tajuan, do Iêmene, numa audiência rotineira, foram trazidos cinco malfeitores que lhe haviam requerido proteção e misericórdia.

Seguido de guardas vigilantes, aproximou-se o primeiro e rogou em lágrimas, após beijar o escabelo em que o soberano punha os pés:

- Perdão, ó rei! Juro pelo Altíssimo que não matei com intenção... Comecei a discutir com o ladrão de meus cavalos e, em certo momento, senti a cabeça turva... rolei no chão sobre o meu contendor e, quando me dominei, o gatuno estava morto! Piedade! Piedade para mim, que não tive força de governar o coração!... Só agora, na prisão, ouvi a palavra de um homem que repetia as lições do Profeta... Só agora, compreendo que errei!...

O soberano chamou o vizir que o acompanha e determinou que entregassem o réu aos cuidados de um médico, a fim que fosse julgado com indulgência, depois do tratamento preciso.

Adiantou-se o segundo e clamou, submisso:

- Glorificado seja Alá, em vossa presença, ó rei generoso! Compadecei-vos de mim, que sou ignorante e mau! Jamais pude ler uma só frase dos Sagrados Preceitos e somente agora, depois de embriagar-me e espancar meu pai, inconscientemente, é que vim a saber que o homem não deve crescer como as bestas do campo!...

O rei fitou-o, compassivo, e determinou que o denunciado fosse prontamente admitido à escola.

Veio o terceiro e implorou:

- Clemência para mim, ó representante de Alá... Sou analfabeto. Desde a infância, trabalho no mercado para sustentar meus avós paralíticos... Observando que vários negociantes obtinham maiores lucros roubando nos pesos, não hesitei seguir-lhes os maus exemplos. Juro pela memória de meus pais que não sabia o que andava fazendo...

Tajuan, complacente, recomendou medidas para que o desventurado permanecesse, largo tempo, sob as lições de um guia espiritual.

O quarto réu abeirou-se do estrado real e suplicou:

- Perdão, perdão ó rei justo! Assaltei a casa do avarento Aquibar, porque não mais suportava a penúria... Tenho mulher e nove filhos famintos e enfermos!... Sou um cão batido pelo sofrimento... Cresci na areia, sem ninguém que me quisesse... Sei que Alá existe, porque é impossível haja sol e caia chuva sem um pai que nos olhe do céu, mas nunca aprendi a soletrar o nome do Eterno!...

Extremamente comovido, Tajuan solicitou ao ministro expedisse socorro urgente à choupana do infeliz e ordenou que um mestre o instruísse nos deveres do homem de bem, antes que a falta subisse a mais ampla consideração dos juízes.

Por último, apresentou-se um homem de porte orgulhoso, que fez a reverência de estilo e solicitou:

- Sapientíssimo Rei, peço a vossa benevolência para mim, que tive a desventura de furtar um adereço de brilhantes, na festa de Joanan ben Kisma, judeu rico e preguiçoso, conhecido inimigo de nossa raça... Conheço as leis que nos regem e acato os ensinamentos do Profeta, mas não pude resistir à tentação de levar comigo uma joia do usurário que as possui aos montões... Benevolência, ó Rei Tajuan! Rogo a vossa benevolência!...

O soberano, porém, franziu a testa, contrariado e, com assombro de todos os circunstantes, determinou que o árabe culto recebesse, atado a um poste, trinta e seis chicotadas, ali mesmo, diante de seus olhos, para, em seguida, ser trancafiado no cárcere por dois anos.

- Pela glória de Alá, ó rei sábio! – exclamou, confundido, o vizir a cuja autoridade se rogara auxílio para o distinto acusado – como interpretar a vossa munificência? Destes medicação a um criminoso, escola a um ébrio e socorro material e moral a dois ladrões, e indicais pena assim tão cruel a um filho de nosso povo que venera o Profeta, unicamente pelo fato de haver desaparecido um joia dos tesouros de um agiota desprezível?

- Por isso mesmo, ó vizir, por isso mesmo! – falou Tajuan, desencantado – por saber tanto, é mais responsável... Os quatro primeiros eram ignorantes e todos os ignorantes são infelizes, mas o quinto culpado é um homem finamente instruído e sabe perfeitamente o que deve fazer!

Há quem afirme que nós, os que nos fizemos espíritas, encarnados ou desencarnados, sofremos mais que os nossos semelhantes, carregando aparentemente cruzes mais pesadas; no entanto, nós, os espíritas, conhecemos as leis que nos governam os destinos e, por essa razão, mais responsáveis somos pelos nossos atos.




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