quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Repensando a morte

Repensando a morte

Richard Simonetti




Uma situação constrangedora:

Cumprimentar, em velórios, os familiares do falecido.

À falta de algo mais original, assumimos expressão grave, compungida, estendemos a mão e pronunciamos o indefectível:

- Meus pêsames...

Se o desenlace ocorreu após longa enfermidade, acrescentamos:

- Sofreu muito! Finalmente descansou...

Há quem consiga, simultaneamente, lamentar a morte e promover o morto:

- Coitado! Tão bom!... Morreu!

Seria a morte o castigo dos maus?

O contrário também acontece. Se era jovem, comentam:

- Os bons morrem cedo! - ideia nada lisonjeira para os idosos.

* * *

A ignorância em torno do assunto é generalizada, inspirando temores terríveis nos que partem e angústias insuperáveis nos que ficam.

Há pessoas que parecem incapazes de tornar à normalidade quando falece um ente querido, principalmente se envolve circunstâncias trágicas. Pesquisas demonstram que um ou dois anos após a separação, é comum os viúvos serem acometidos por graves problemas de saúde que, não raro, culminam com sua morte.

Pessoas conturbadas, nervosas e doentes, em virtude do desencarne de afeto caro ao seu coração, aportam no Centro Espírita. Procuram não apenas a cura para seus males mas, sobretudo, uma mensagem de conforto e esperança, que lhes restitua a vontade de viver.

A Doutrina Espírita tem muito a nos oferecer nesse sentido, tanto que é notório o comportamento mais tranquilo dos espíritas diante da morte.

Conversamos, certa feita, com um oncologista (médico especialista em câncer), habituado a lidar com doentes terminais (que estão no fim da existência). Empenhado em ajudá-los a enfrentar com serenidade os últimos dias, encontra insuperável dificuldade: os pacientes, em sua maioria, recusam-se a encarar a perspectiva de sua própria morte.

Disse-nos ele que com os espíritas não há esse problema.

Por quê? Seriam, porventura, mais evoluídos os profitentes da Doutrina Espírita?

Evidente que não!

Ocorre que o Espiritismo oferece-nos uma visão mais objetiva, eliminando fantasias que fazem da morte algo terrível, tétrico, assustador, como se fosse o que de pior pudesse acontecer à criatura humana.

* * *

Sob a ótica espírita não há por que dizer “meus pêsames” aos familiares do morto.

Seria o mesmo que oferecer condolências ao prisioneiro de uma penitenciária, cujo companheiro de cela, após cumprir sua pena, ganhou a liberdade.

A morte é a nossa porta de libertação. Em tempo oportuno, na infância, juventude, madureza ou velhice, segundo os programas de Deus, no instituto das experiências necessárias à nossa evolução, deixamos o corpo denso, pesado, que limita nossos movimentos, que inibe nossas iniciativas, que restringe nossas percepções, e retornamos à amplidão, à vida em plenitude.

* * *

Ante familiares que falecem, muitos, embora aceitando princípios religiosos que consagram a imortalidade, desesperam-se per sentir que, de certa forma, os perderam, porquanto, segundo suas concepções aqueles que partem permanecem irremediavelmente distantes, às voltas com beatitudes celestes ou tormentos infernais.

Para essas pessoas o Espiritismo tem excelentes notícias, demonstrando que nossos amados continuam ligados a nós. Eles nos veem, nos visitam, nos estimulam, nos sustentam nos momentos difíceis e, sobretudo, nos esperam... E tanto mais feliz será o reencontro quando chegar a nossa hora, quanto maior o nosso empenho em enfrentar com serenidade, firmeza e equilíbrio o desafio de viver sem eles na Terra.

A esse propósito vale destacar a observação de um agonizante à esposa que, em desespero, dizia-lhe não ter condições para continuar vivendo. Buscaria o suicídio tão logo ele expirasse.

- Por favor, minha querida, livre-se dessa ideia infeliz. O suicídio tornaria impossível nossa união na Espiritualidade. E isso é o que mais desejo, tanto quanto você.

* * *

Ante o conhecimento espírita é uma impropriedade afirmar, à guisa de conforto, que o falecido “descansou”. Isto sim, seria terrível, em perturbadora estagnação. Para sua felicidade ele continuará a movimentar-se em novos planos, em múltiplas experiências, trabalhando, estudando, adquirindo conhecimentos, lutando, sofrendo, sonhando, vivendo enfim, nos caminhos da evolução.

Da mesma forma não há por que o considerarmos “coitado”, porque morreu.

Coitados são aqueles que se comprometem com a irresponsabilidade, a indolência, a corrupção, o vício, o crime... Estes, sim, devem ser lamentados, porque semeiam espinhos que fatalmente serão chamados a colher.

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Com a disseminação dos princípios espíritas, temores e dúvidas a respeito da morte serão superados, compreendendo-se que ela, em verdade, não existe. A vida é eterna, alternando-se no plano físico e espiritual, de conformidade com nossas necessidades evolutivas.

E se quisermos a fórmula ideal para enfrentar nossa própria morte, é simples:

Vivamos cada dia como se fosse o último.

Imaginemos todo o bem que praticaríamos e todo mal que evitaríamos, se aprouvesse a Deus chamar-nos amanhã...

- Habitue-se à ideia de que estamos em trânsito pela Terra. A morte não nos assustará se a identificarmos como mero passaporte para a espiritualidade, na viagem eterna da Vida.

- Encare o fato de que mais cedo ou mais tarde ver-se-á às voltas com o falecimento de familiares. Admitindo essa fatalidade ficará mais fácil aceitar a separação quando chegar a hora.

- Ante o afeto que parte, cultive submissão aos desígnios divinos. Revolta, desespero, inconformação, desequilíbrio, que exacerbam terrivelmente todas as dores, só têm acesso ao nosso coração quando não confiamos em Deus.

Richard Simonetti do livro:
Uma razão para viver

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