quinta-feira, 13 de junho de 2024

O egoísmo e o orgulho

O egoísmo e o orgulho

Allan Kardec


Suas causa, seus efeitos e os meios de destruí-los

É bem sabido que a maior parte das misérias da vida tem origem no egoísmo dos homens. Desde que cada um pensa em si antes de pensar nos outros e cogita antes de tudo de satisfazer aos seus desejos, cada um naturalmente cuida de proporcionar a si mesmo essa satisfação, a todo custo, e sacrifica os interesses alheios sem escrúpulo - assim nas mais insignificantes coisas, como nas maiores, tanto de ordem moral, quanto de ordem material. Daí todos os antagonismos sociais, todas as lutas, todos os conflitos e todas as misérias, visto que cada um só trata de despojar o seu próximo.

O egoísmo, por sua vez, se origina do orgulho. A exaltação da personalidade leva o homem a se considerar acima dos outros. Julgando-se com direitos superiores, melindra-se com o que quer que a seu ver constitua ofensa a seus direitos. A importância que atribui a sua pessoa, por orgulho, naturalmente o torna egoísta.

O egoísmo e o orgulho nascem de um sentimento natural: o instinto de conservação. Todos os instintos têm sua razão de ser e sua utilidade, porque Deus não pode ter feito nada inútil. Ele não criou o mal; o homem é quem o produz, abusando dos dons de Deus, em virtude do seu livre-arbítrio. Contido em justos limites, aquele sentimento é bom em si mesmo. A exageração é o que o torna mau e pernicioso. O mesmo acontece com todas as paixões que o homem frequentemente desvia do seu objetivo providencial. Ele não foi criado egoísta, nem orgulhoso por Deus, que o criou simples e ignorante; o homem é que se fez egoísta e orgulhoso, exagerando o instinto que Deus lhe outorgou para sua conservação.

Os homens não podem ser felizes se não viverem em paz, isto é, se um sentimento de benevolência, de indulgência e de condescendência recíprocas não os animar; numa palavra: enquanto procurarem se esmagar uns aos outros. A caridade e a fraternidade resumem todas as condições e todos os deveres sociais; uma e outra, porém, pressupõem a abnegação. Ora, a abnegação é incompatível com o egoísmo e o orgulho; logo, com esses vícios, não é possível a verdadeira fraternidade, nem, por conseguinte, igualdade, nem liberdade, dado que o egoísta e o orgulhoso querem tudo para si.

Eles serão sempre os vermes roedores de todas as instituições progressistas; enquanto dominarem, os mais generosos sistemas sociais e os mais sabiamente combinados ruirão aos seus golpes. Sem dúvida, é belo proclamar-se o reinado da fraternidade, mas, para que fazê-lo, se uma causa destrutiva existe? É edificar em terreno movediço; o mesmo seria decretar a saúde numa região malsã. Em tal região, para que os homens passem bem, não bastará se mandem médicos, pois que estes morrerão como os outros; é urgente destruir as causas da insalubridade. Para que os homens vivam na Terra como irmãos, não basta se lhes deem lições de moral; importa destruir as causas de antagonismo, atacar a raiz do mal: o orgulho e o egoísmo.

Essa é a chaga sobre a qual deve concentrar-se toda a atenção dos que desejem seriamente o bem da Humanidade. Enquanto subsistir semelhante obstáculo, eles verão todos os seus esforços paralisados, não só por uma resistência de inércia, como também por uma força ativa que trabalhará incessantemente no sentido de destruir a obra que empreendam, por isso que toda ideia grande, generosa e emancipadora arruína as pretensões pessoais. Dirão: impossível destruir o orgulho e o egoísmo, porque são vícios inerentes à espécie humana. Se fosse assim, teríamos que desesperar de todo progresso moral; entretanto, desde que se considere o homem nas diferentes épocas transcorridas, não há como negar que evidente progresso se efetuou. Ora, se ele progrediu, ainda naturalmente progredira.

Por outro lado, não se encontrará homem nenhum sem orgulho, nem egoísmo?

Não se veem, ao contrário, criaturas de índole generosa, em quem parecem inatos os sentimentos do amor ao próximo, da humildade, do devotamento e da abnegação? O número delas é realmente é menor do que o dos egoístas; se assim não fosse, não seriam estes últimos os fautores da lei. Há muito mais criaturas dessas do que se pensa e, se parecem tão pouco numerosas, é porque o orgulho se põe em evidência, ao passo que a virtude modesta se conserva na obscuridade.

Portanto, se o orgulho e o egoísmo se contassem entre as condições necessárias da Humanidade - como a da alimentação para sustento da vida - não haveria exceções. Assim, o ponto essencial é conseguir que a exceção passe a constituir regra; para isso, antes de tudo, trata-se de destruir as causas que produzem e mantêm o mal.

Dessas causas, a principal reside evidentemente na ideia falsa que o homem faz da sua natureza, do seu passado e do seu futuro. Por não saber donde vem, ele se crê mais do que é; e não sabendo para onde vai, concentra na vida terrena todo o seu pensar; acha-a tão agradável, quanto possível; anseia por todas as satisfações, por todos os gozos; essa a razão por que atropela sem escrúpulo o seu semelhante, se este lhe opõe alguma dificuldade. Mas, para isso, é preciso que ele predomine; a igualdade daria, a outros, direitos que ele só quer para si; a fraternidade lhe imporia sacrifícios em detrimento do seu bem-estar; a liberdade também ele só a quer para si e somente a concede aos outros quando não lhe fira de modo algum as prerrogativas. Todos alimentando as mesmas pretensões, têm resultado os perpétuos conflitos que os levam a pagar bem caro os raros gozos que conseguem obter.

Identifique-se o homem com a vida futura e completamente mudará a sua maneira de ver, como a do indivíduo que tenha de permanecer numa habitação má apenas por poucas horas e que sabe que, ao sair, terá outra, magnífica, para o resto de seus dias. 

A importância da vida presente — tão triste, tão curta, tão efêmera — se apaga, para ele diante do esplendor do futuro infinito que se desdobra às suas vistas. A consequência natural e lógica dessa certeza é sacrificar o homem um presente fugidio a um porvir duradouro, ao passo que antes ele tudo sacrificava ao presente. Tomando por objetivo a vida futura, pouco lhe importa estar um pouco mais ou um pouco menos nesta outra; os interesses mundanos passam a ser o acessório, em vez de ser o principal; ele trabalha no presente com o fim de assegurar a sua posição no futuro, tanto mais quando sabe em que condições poderá ser feliz.

Em relação aos interesses terrenos, os humanos podem criar-lhe obstáculos: ele tem que os afastar e se torna egoísta pela força mesma das coisas. Se lançar os olhos para o alto, para uma felicidade a que ninguém pode embaraçar, interesse nenhum se lhe deparará em oprimir a quem quer que seja e o egoísmo se lhe torna carente de objeto. Todavia, restará o estimulante do orgulho.

A causa do orgulho está na crença da sua superioridade individual, em que o homem se firma. Ainda aí se faz sentir a influência da concentração dos pensamentos sobre a vida corpórea. Naquele que nada vê adiante de si, atrás de si, nem acima de si, o sentimento da personalidade supera e o orgulho fica sem contrapeso.

A descrença não só carece de meios para combater o orgulho, como o estimula e lhe dá razão, negando a existência de um poder superior à Humanidade. O incrédulo apenas crê em si mesmo; então, é natural que tenha orgulho. Enquanto que, nos golpes que o atingem, unicamente vê uma obra do acaso e se ergue para combatê-la, aquele que tem fé percebe a mão de Deus e se submete. Crer em Deus e na vida futura é conseguintemente, a primeira condição para moderar o orgulho; porém, não basta.

Juntamente com o futuro, é necessário ver o passado, para fazer ideia exata do presente.

Para que o orgulhoso deixe de crer na sua superioridade, deve ser provado que ele não é mais do que os outros e que estes são tanto quanto ele; que a igualdade é um fato e não apenas uma bela teoria filosófica; que estas verdades ressaltam da preexistência da alma e da reencarnação.

Sem a preexistência da alma, o homem é induzido a acreditar que Deus — já que crê em Deus - lhe conferiu vantagens excepcionais; quando não crê em Deus, rende graças ao acaso e ao seu próprio mérito. Iniciando-o na vida anterior da alma, a preexistência lhe ensina a distinguir, da vida corporal, transitória, a vida espiritual, infinita; ele fica sabendo que as almas saem todas iguais das mãos do Criador; que todas têm o mesmo ponto de partida e a mesma finalidade, que todas hão de alcançar, em mais ou menos tempo, conforme os esforços que empreguem; que ele próprio não chegou a ser o que é, senão depois de haver vegetado, por longo tempo e penosamente, como os outros, nos degraus inferiores da evolução; que, entre os mais atrasados e os mais adiantados, não há senão uma questão de tempo; que as vantagens do nascimento são puramente corpóreas e independem do Espírito; que o simples proletário pode, noutra existência, nascer num trono e o maior potentado renascer proletário.

Se levar em conta unicamente a vida planetária, ele vê apenas as desigualdades sociais do momento, que são as que o impressionam; porém, se lançar os olhos sobre o conjunto da vida do Espírito, sobre o passado e o futuro — desde o ponto de partida até o de chegada -, aquelas desigualdades se somem e ele reconhece que Deus não concedeu nenhuma vantagem a qualquer de seus filhos em prejuízo dos outros; que deu parte igual a todos e não aplainou o caminho mais para uns do que para outros; que o que se apresenta menos adiantado do que ele na Terra pode lhe tomar a dianteira, se trabalhar mais do que ele para se aperfeiçoar; reconhecerá, finalmente, que, nenhum chegando ao termo senão por seus esforços, o princípio da igualdade é um princípio de justiça e uma lei da Natureza, perante a qual vai o orgulho do privilégio. 

Estando provando que os Espíritos podem renascer em diferentes condições sociais — seja por expiação, seja por provação — a reencarnação ensina que, naquele a quem tratamos com desdém, pode estar um que foi nosso superior ou nosso igual noutra existência, um amigo ou um parente. Se o soubesse, o que com ele se defronta o trataria com atenções, mas, nesse caso, nenhum mérito teria; por outro lado, se soubesse que o seu amigo atual foi seu inimigo, seu servo ou seu escravo, sem dúvida o repeliria. Ora, Deus não quis que fosse assim, por isso lançou um véu sobre o passado. Deste modo, o homem é levado a ver em todos, irmãos seus e seus iguais, donde uma base natural para a fraternidade; sabendo que pode ser tratado como tenha tratado os outros, a caridade se torna para ele um dever e uma necessidade fundados na própria Natureza.

Jesus assentou o princípio da caridade, da igualdade e da fraternidade, fazendo dele uma condição expressa para a salvação; mas, estava reservado a terceira manifestação da vontade de Deus - ao Espiritismo -, pelo conhecimento que possibilita da vida espiritual, pelos novos horizontes que desvenda e pelas leis que revela, sancionar esse princípio, provando que ele não é uma simples doutrina moral, mas uma lei da Natureza que o homem tem o máximo interesse em praticar. Ora, ele a praticará desde que, deixando de encarar o presente como o começo e o fim, compreenda a relação que existe entre o presente, o passado e o futuro. No campo imenso do infinito, que o Espiritismo lhe faz entrever, anula-se a sua importância capital e ele percebe que, por si só, nada vale e nada é; que todos têm necessidade uns dos outros e que uns não são mais do que os outros: duplo golpe, no seu egoísmo e no seu orgulho.

Mas para isso, a fé é necessária, sem a qual ele permanecerá na rotina do presente - não a fé cega, que foge à luz, restringe as ideias e, em consequência, alimenta o egoísmo. É necessária a fé inteligente, racional, que procura a claridade e não as trevas, que ousadamente rasga o véu dos mistérios e alarga o horizonte. É essa fé — elemento básico de todo progresso — que o Espiritismo lhe proporciona; fé robusta, porque assente na experiência e nos fatos, porque lhe fornece provas palpáveis da imortalidade da sua alma, lhe mostra donde ele vem, para onde vai e por que está na Terra e, finalmente, lhe firma as ideias, ainda incertas, sobre o seu passado e sobre o seu futuro.

Uma vez que haja entrado decisivamente por esse caminho, já não tendo o que os incite, o egoísmo e o orgulho se extinguirão pouco a pouco, por falta de objetivo e de alimento, e todas as relações sociais se modificarão sob o influxo da caridade e da fraternidade bem compreendidas.

Isso poderá isso ocorrer por efeito de mudança brusca? Não, seria impossível: nada na Natureza se opera bruscamente; jamais a saúde volta de súbito a um enfermo; entre a enfermidade e a saúde, há sempre a convalescença. O homem não pode mudar instantaneamente o seu ponto de vista e voltar o olhar da Terra para o céu; o infinito o confunde e deslumbra; ele precisa de tempo para assimilar as novas ideias.

Sem contradição, o Espiritismo é o mais poderoso elemento de moralização, porque mina pela base o egoísmo e o orgulho, facultando um ponto de apoio à moral. Há feito milagres de conversão; é certo que ainda são apenas curas individuais e não raro parciais. Porém, o que ele tem produzido com relação a indivíduos constitui penhor do que produzirá um dia sobre as massas. Não lhe é possível arrancar de um só golpe as ervas daninhas. Ele dá a fé e a fé é a boa semente, mas se faz preciso que ela tenha tempo de germinar e de frutificar, razão por que nem todos os espíritas já são perfeitos.

Ele tomou o homem em meio da vida, no fogo das paixões, em plena força dos preconceitos e se, em tais circunstâncias, operou prodígios, que não será quando o tomar ao nascer, ainda virgem de todas as impressões malsãs; quando a criatura sugar com o leite a caridade e tiver a fraternidade a embalá-lo; quando, enfim, toda uma geração for educada e alimentada com ideias que a razão, desenvolvendo-se, fortalecerá, em vez de falsear? Sob o domínio destas ideias, a cimentarem a fé comum a todos, não mais esbarrando o progresso no egoísmo e no orgulho, as instituições se reformarão por si mesmas e a Humanidade avançará rapidamente para os destinos que lhe estão prometidos na Terra, aguardando os do céu.

Allan Kardec
Obras Póstumas - 1890

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