Joana d'Arc segundo Léon Denis
João Marcus
(Pseudônimo de Hermínio C. Miranda)
“Em 1839 — escreve Régine Pernoud (“The Retrial of Joan of Arc", tradução de J. M, Cohen, edição da Harcourt, Brace e Co., New York, 1955.) , o erudito escritor Vallet de Viriville estimou em 500 as obras dedicadas a Joana d’Arc; cinquenta anos depois o número havia quintuplicado. Contudo, o interesse que ela suscitou no século XIX nada é, comparado com o que tem despertado desde então.”
É verdade isso. Poucas figuras humanas como a legendária menina de Domrémy reúnem em si mesmas tão extraordinários atributos e, por isso, continuam a surgir textos acerca da “Pucelle”, explorando, quanto possível, aspectos novos da sua trajetória, ou lançando novas teorias acerca do fenômeno Joana d’Arc, a despeito da existência de obras exaustivas, como os cinco volumes de Quicherat, os quatro de Lefèvre-Pontalis, os quatro de Dunand, e quantos mais...
Seria inexplicável tal interesse por uma adolescente executada há quase cinco séculos e meio, não fossem as circunstâncias que envolveram o lamentável e doloroso episódio. Ao comentar os depoimentos recolhidos durante o processo de reabilitação, Régine Pernoud escreve que cada um contribuiu...
... “com pequenos traços, para o desenho do mais espantoso retrato existente na história da França: o de uma jovem de 20 anos incompletos, que não sabia distinguir o A do B, mas que restaurou um reinado e escolheu o seu rei”.
Mas, não somente isso, porque ela realizou o prodígio contra as mais inconcebíveis resistências e dificuldades para depois ser abandonada, inclusive pelo homem em cuja cabeça depositou a coroa da França, restaurada na sua glória e poder. Por outro lado, foram precisamente os representantes da religião, que ela honrou com a pureza imácula das suas práticas devotadas, os que se investiram da pretensa autoridade para condená-la em nome do mesmo Cristo que diziam amar e servir da única maneira certa...
— “Que língua falou a voz?” — pergunta um dos inquisidores.
— “Melhor do que a vossa — responde Joana, que notara o forte sotaque do dialeto limosino que falava o dominicano.”
E outro:
— “Você crê em Deus?”
— “Melhor do que vós — é a resposta.”
Já no início dessa barragem de perguntas, em Poitiers, formuladas pelos mais cultos e ardilosos “doutores da lei” a época, ela fizera a sua afirmativa de que não sabia “A nem B”, mas quanto ao que vinha, isto sim:
— “Venho da parte do Rei do Céu para levantar o sítio de Orléans e para conduzir o rei a Reims, para que seja coroado e consagrado.”
Para explicar esse fenômeno que aturdia os generais e confundia os teólogos, faltava na vastíssima bibliografia histórica uma interpretação vazada em termos de Doutrina Espírita. Essa tarefa coube ao filósofo-poeta do Espiritismo: Léon Denis. E nas homenagens que tão merecidamente lhe são prestadas nesta oportunidade, convém relembrar o notável estudo de sua autoria, que explica e define a posição de Joana d’Arc como médium e evidencia a indiscutível interferência dos poderes espirituais no curso da História. (Denis, Léon. “Joana d’Arc, Médium”, edição da FEB.)
— “A vida de Joana — escreve Denis — é uma das manifestações mais brilhantes da providência na História.”
Não se trata, porém, de mais uma tese sobre a “Pucelle”: é obra de pesquisa, de carinho, de inteligência e de lucidez. Mais do que isso ainda: a própria Joana, das alturas rarefeitas da luz, acompanha o trabalho do incansável batalhador da verdade.
— “Por isso mesmo — escreve Denis — é que, votando-lhe ardente simpatia, consagrando-lhe terna veneração e vivo reconhecimento, escrevi este livro. Concebi-o em horas de recolhimento, longe das agitações do mundo. A medida que o curso de minha vida se precipita, mais triste se toma o aspecto das coisas e as sombras se condensam à volta de mim. Mas, vindo do alto, um raio de luz me ilumina todo o ser e esse raio emana do Espírito de Joana. Foi ele quem me esclareceu e guiou na minha tarefa.” (Grifo do autor.)
E, mais adiante, para concluir:
— “Estas páginas são a expressão fiel do seu pensamento, do seu modo de ver.”
O livro não é, pois, um mero levantamento histórico com base em documentos preexistentes e suposições mais ou menos engenhosas; ele contém testemunhos vivos recebidos mediunicamente da própria Joana, como este:
— “É-me doce e delicioso volver aos momentos em que pela primeira vez ouvi minhas vozes. Não posso dizer que me amedrontei. Fiquei grandemente admirada e mesmo um pouco surpreendida de me ver objeto da misericórdia divina” — diz ela em mensagem datada de 15 de julho de 1909.
***
Vem de remotas eras o aprendizado desse valoroso Espírito, segundo revelou em outra mensagem ditada, em Paris, em 1898. Vivera existências proveitosas na Armórica (*), entre os celtas, aprendendo com os sacerdotes druidas as verdades da sobrevivência do Espírito, da comunicabilidade e da reencarnação.
(*) Armórica é um nome romano derivado de duas palavras célticas que significam “junto ao mar“. Compreendia, aproximadamente, a região que, mais tarde, seria conhecida como Bretanha, nas antigas Galias. Ver, também, a respeito, o artigo "Rivail — o direito de ser Kardec", em ‘Reformador” de novembro de 1976, pág. 331.
É provável até que seus caminhos tenham se cruzado aí com os de Kardec. Em mensagem ditada em 1909, lembrou o Codificador: — “Fui sacerdote, diretor das sacerdotisas da ilha de Sein e vivi nas costas do mar furioso, na ponta extrema do que chamais a Bretanha.’’
Denis deixa entrever que Joana teria também experimentado “existências de patrícia” romana e de grande dama, “amante de vestes suntuosas e belas armaduras”.
Um dia, em passado distante, aquela que seria Joana adormeceu e teve a visão de combates sangrentos que, infelizmente, eram impossíveis de serem evitados, em virtude do livre arbítrio de cada um, mas, especialmente, porque eram motivados pelo “amor ao ouro e à dominação, os dois flagelos da Humanidade”.
A visão prosseguia, mostrando-lhe a grandeza futura da França e o papel que caberia a essa nação no processo civilizador da Terra.
— “Deliberei consagrar-me muito particularmente a essa obra. Logo me vi rodeada de uma multidão simpática que na maior parte chorava e deplorava a minha perda. Em seguida, o veneno, o cadafalso, a fogueira passam vagarosamente por diante de mim. Senti as labaredas devorando-me as carnes e desmaiei!”
A missão era, pois, importante, mas extremamente penosa. Havia, porém, um trabalho a realizar, e a tarefa, ao mesmo tempo em que objetivava introduzir uma correção deliberada no curso da História, representava para Joana uma oportunidade redentora que ela não deveria recusar, embora pudesse fazê-lo.
Havia, ademais, valioso prêmio, se a empreitada fosse bem realizada, pois os amigos espirituais procuraram imediatamente neutralizar o seu susto:
— “Espera! A falange celeste que tem por missão velar sobre esse globo te escolheu para secundá-la em seus trabalhos e assim acelerar o teu progresso espiritual. Mortifica tua carne — ensinavam eles —, a fim de que suas leis não possam ser obstáculo a teu Espírito. A provação será curta, porém, rude.’’
Nesse encontro lhe foi, dessa forma, assegurado todo o apoio de que precisasse, e anunciado até o processo de que se utilizariam, ou seja, a instrumentação da mediunidade, como elo de ligação com os componentes da equipe celestial. Ela devia estar preparada para “resistir aos homens e obedecer a Deus”.
— “Seguindo estes conselhos, os mensageiros do céu virão a ti, ouvirás suas vozes e te aconselharão; podes ficar tranquila, não te hão de abandonar!”
Assim foi, muito embora, para Joana encarnada, esse abandono parecesse, às vezes, caracterizado em situações extremanente críticas, a partir da sua prisão e entrega aos ingleses. As vozes calaram-se por algum tempo e quando lhe falavam era para dizer que não se afligisse tanto, pois que a libertação vinha próxima. Interpretando a seu modo a promessa, Joana pensava que seria posta em liberdade ainda na carne. Tratava-se, porém, da libertação da carne e não na carne.
Nem aí, porém, seus amigos a abandonaram.
— “Terá Joana sofrido muito?” — pergunta Léon Denis. Ela própria nos assegura que não. “Poderosos fluidos, diz-nos, choviam sobre mim. Por outro lado, minha vontade era tão forte que dominava a dor.”
Cumprira fielmente a sua tarefa gigantesca, a qual, segundo Denis, se desdobrara em dois aspectos distintos: o renascimento político da França, é certo, mas também “a revelação do mundo invisível e das forças que ele encerra”. Pela primeira vez, documentava-se na História, sem contestação possível, que essas forças podem interferir e o fazem quando necessário.
— “Quando o Céu intervém — escreve Denis —, quando Deus manda seus mensageiros à Terra, podem opor-se-lhe à ação resistências e obstáculos?”
Sobre este delicado aspecto, o eminente pensador espírita expende comentários de grande oportunidade e profundeza, pois tanto o homem, individualmente, é livre, quanto a Humanidade, como um todo, o é. Livres, mas responsáveis. O exercício do arbítrio, num como noutra, acarreta inelutáveis consequências ao longo do tempo.
— “Também o cego é livre — diz Denis — e, contudo, sem guia, de que lhe serve a liberdade?
— “Quando o cego marcha para o abismo, é preciso que o guia interfira com o cuidado possível, mas, também, com a energia necessária.
— “A missão de Joana é dificílima. Nenhum ser, por mais elevado que seja seu gabarito evolutivo, seria capaz de realizar aquela tarefa gigantesca sem estar solidamente articulada com as equipes espirituais que o sustentam.
— “A situação da França é desesperadora. A luta com a Inglaterra arrasta-se há quase cem anos. Sucessivas derrotas esmagaram a nobreza e destroçaram o moral das tropas. A economia desorganizou-se; há destruição por toda parte, fome, peste, ausência de autoridade e de liderança, traições, acomodações e desespero. De vitória em vitória, o inimigo aproxima-se do coração da França. Paris já se encontra em poder dos ingleses. Falta Orléans, que, não obstante, está sob penoso sítio, quase nos limites da resistência. O mato cresce nos campos de cultivo, as aldeias foram abandonadas, imperam por toda parte a desolação, o banditismo, a morte.
— “Nesse angustioso cenário, uma nação, outrora valente e gloriosa, aguarda o último ato de sua soberania. A um canto, encurralado em Chinon, o delfim [Carlos VII] assiste, impotente e apático, à agonia de sua pátria.”
Aliás, em todo esse episódio doloroso, a figura mais trágica é a desse príncipe aturdido. O julgamento da História não lhe é absolutamente pacífico. Muitos são os que o tratam com impiedosa dureza, especialmente porque foi dos primeiros a abandonar a jovem guerreira à sua própria sorte. Marcel Grosdidier de Matons ("Le Mystère de Jeanne d’Arc”, edição Félix Alcan, Paris, 1935.) tenta oferecer-nos uma visão mais simpática do pobre delfim, cuja posição, na verdade, não era das mais fáceis. De fato, o tratado de Troyes, nascido das maquinações de sua própria mãe, Isabeau, e do Duque de Bourgogne, declarava-o sumariamente bastardo. Num regime de sucessão por direito divino, como o da França, como poderia uma criatura nessas condições aspirar ao trono?
— “Vive ele em Chinon, despreocupado de seu infortúnio — diz Denis —, absorvido pelos prazeres, cercado de cortesãos, que o traem e secretamente pactuam com o inimigo.”
A esse homem, que nem em si mesmo acredita, é que compete a Joana colocar sobre um trono, que lhe cabe reerguer dos escombros de uma nação aviltada por derrotas e traições, e que se prepara para aceitar o inevitável. Já a essa altura, Henrique VI, da Inglaterra, se proclamara rei também da França.
Por isso, observa Léon Denis:
— “E vede que mistério admirável! Uma criança é quem vem tirar a Franca do abismo. Que traz consigo? Algum socorro militar? Algum exército? Não, nada disso. Traz apenas a fé em si mesma, a fé no futuro da França, a fé que exalta os corações e desloca as montanhas. Que diz a quantos se apinham para vê-la passar? “Venho da parte do rei do céu e vos trago o socorro do céu!”
— “Nenhum poder da Terra é capaz de realizar este prodígio: a ressurreição de um povo que se abandona. Há, porém, outro poder, invisível, que vela pelo destino das nações.”
Joana é a representante viva desse poder, e o instrumento que torna possível o prodígio, a que alude Denis, é precisamente a mediunidade que, segundo o escritor espírita, raras vezes tem ocorrido assim tão variada, completa e cristalina. Ela vê e ouve seus companheiros espirituais. Fala com eles, recebe instruções, avisos, estímulos e conselhos. Transmitem-lhe intuições exatas no momento preciso. Levantam para ela, aqui e ali, o véu que ainda encobre o futuro. Seguem-lhe os passos por toda parte, desde Domrémy, quando abandona a casa paterna, no silêncio da noite, até Rouen, onde seu corpo se consome em chamas. Não chegou a durar dois anos a epopéia da menina admirável, que se deixa guiar, com bravura, pelos seus amigos de cima e enfrenta, destemidamente, todos os ardilosos comparsas das sombras que se atravessam no seu caminho. Quase todos vêm vestidos de mansos cordeiros ou trazem as insígnias coloridas do poder temporal, principalmente religioso, para oprimirem exatamente a ela, que fala em nome dos amigos de Jesus!
Vencendo dificuldades sobre-humanas, chega, afinal, a Chinon porque as vozes insistem em que ela fale com o delfim. Dois dias se arrastaram antes que fosse concedida a almejada entrevista. Nada intimida aquela jovem e iletrada camponesa. Parece habituada a mover-se nas cortes dos reis, pois, como escreve Denis, “em épocas que lhe precederam ao nascimento, frequentou moradas mais gloriosas, do que a corte de França e disso guardou a intuição”.
É chegado o grande momento. Entra no salão imenso, onde se reúnem 300 pessoas da mais alta nobreza, ricamente trajadas. Ainda desconfiado e hesitante, o delfim misturou-se à multidão, colocando outra pessoa no trono. Joana não se deixa enganar: dirige-se a ele, com firmeza e deliberação, ajoelha-se aos seus pés e depois lhe fala longamente, em voz baixa, ante a estupefação geral e não poucos sorrisos de mofa e incredulidade. Traz-lhe o recado de mais alto, que a História não documentou. Sabe-se, porém, que confirmou, da parte dos poderes que a enviavam, que ele era filho do rei e herdeiro legitimo da coroa, restituindo-lhe a confiança em si mesmo.
Continuaria, pela sua curta e momentosa existência, a dar testemunho dos seus dons e das suas indiscutíveis credenciais. Inúmeras vezes enfrentaria o poder transitório da Terra, sob as mais adversas condições, com a segurança que lhe emprestavam seus amigos invisíveis.
— “Quando, porém, vos levarem às sinagogas — ensinara Jesus (Lucas, 12:11 e 12) —, perante os magistrados e as autoridades, não vos preocupeis com o que haveis de responder para a vossa defesa, porque o Espírito Santo vos inspirará naquela hora o que deveis dizer.”
Assim foi. Ante a saraivada de questões, das mais capciosas, ela se manteve firme, confundindo a todos com as suas respostas corajosas.
Um exemplo: quanto ao Espírito que se identifica aos seus olhos como São Miguel, o pobre Cauchon lhe pergunta:
— “Ele estava despido?”
— “O Senhor pensa que Deus não tem com que vesti-lo?”
— “Tinha cabelos?”
— “Por que lhe seriam cortados os cabelos?”
Apresentavam-se, pois, seus amigos, completamente apreensíveis à sua visão espiritual.
***
Por fim, a penosa paixão que se arrastaria por seis meses. A Léon Denis revelou pormenores dolorosos:
— “Mandaram forjar para mim — diz ela — uma espécie de gaiola em que me meteram e na qual fiquei extremamente comprimida; puseram-me ao pescoço uma grossa corrente, uma na cintura e outras nos pés e nas mãos. Teria sucumbido a tão terrível aflição, se Deus e meus Espíritos não me houvessem prodigalizado consolações. Nada é capaz de pintar a tocante solicitude deles para comigo e os inefáveis confortos que me deram. Morrendo de fome, seminua, cercada de imundícies, machucada pelos ferros, tirei de minha fé a coragem para perdoar os meus algozes.”
Quanto à sua desesperada obstinação em usar roupas masculinas, esclarece Denis que foi para se defender melhor dos incessantes atentados ao seu pudor, não apenas da parte dos soldados que a vigiavam noite e dia, mas até mesmo do lamentável Conde de Stafford, que, “levado tanto pela superstição quanto por uma paixão hedionda — escreve Denis —, entrou no cárcere de Joana e tentou violentá-la”.
Acreditavam aqueles pobres Espíritos atormentados que, com isso, quebrariam o encantamento que sustentava aquela vontade férrea e a desligariam dos poderes em que se apoiava.
Enfrentava, na época, cerca de 70 juízes temíveis, sob o comando de Pierre Cauchon, que recebeu, como recompensa, o bispado de Lisieux. Mais tarde, segundo lembra Denis, seria excomungado, não pela atuação no processo de Joana, mas “simplesmente porque recusou satisfazer a um pagamento que o Vaticano exigia”.
Esses foram os homens que julgaram a menina de Domrémy, esses eram os métodos de que se serviam para alcançar seus fins.
Por isso, a tarefa de Joana prossegue ainda hoje. Léon Denis informa que, ao escrever seu livro, muitos dos atores daquele drama tenebroso estavam reencarnados na Terra sob a proteção de Joana.
— Carlos VII — escreve Denis — reencarnado num desconhecido burguês, acabrunhado de enfermidades, foi muitas vezes distinguido com a visita da “filha de Deus”. Iniciado nas doutrinas espiritualistas, pôde comunicar com ela, receber seus conselhos, seus incitamentos. Uma única palavra de censura lhe ouviu: “A nenhum, disse-lhe um dia Joana, me custou tanto perdoar como a ti.”
A antiga “Pucelle” conseguira reunir em só ponto da Terra seus inimigos de outrora, inclusive seus algozes. Procurou guiá-los em direção à luz, tentando fazê-los “defensores e propagandistas da nova fé”. Era de ver-se o devotamento da antiga vítima pelos seus torturadores, mas Denis se vê na contingência de confessar, em nome da verdade, que os resultados foram medíocres. Assim que se dissipavam, no envolvimento do mundo, as emoções daqueles contatos sublimes, eles se deixavam levar pelas suas paixões ainda ativas. Em breve, cessaram as manifestações.
— “Joana jamais se revelou senão a poucos”, prossegue Denis. “Os outros não souberam adivinhá-la. Raros puderam compreendê-la. Sua linguagem era muito perfeita; vertiginosas as alturas a que tentava atraí-los. Esses estigmatizadores da História, que se ignoram a si mesmos, ainda não estavam amadurecidos para semelhante papel.”
A supliciada de Rouen, porém, não abandonou os seus tutelados. Ainda hoje, e por muito tempo ainda, há de seguir amorosamente os seus passos, na esperança sempre renovada de conduzi-los ao coração do Mestre. Quando, onde e como despertarão, esses Espíritos atormentados, para as belezas do amor?
***
Resta uma palavra final. Não escaparia a Denis, certamente, o paralelo entre os sofrimentos de Jesus e as agonias de Joana. Tal como ele, ela foi traída, vendida, abandonada e sacrificada ao ódio desvairado dos donos do poder temporal. Tal como ele, sofreu heroicamente o suplício, perdoou a todos e seguiu amando. Tal como ele, inúmeras vezes tem voltado sobre seus passos para tentar o resgate daquelas almas tão fundamente marcadas pela aflição e que se prestaram ao papel doloroso de instrumentos da sua agoniada paixão.
Consta que Joana teria vivido ao lado de Jesus a personalidade controvertida e dramática de Judas. Em “Crônicas de Além-Túmulo” (cap. 5), obra escrita pelas mãos abençoadas de Chico Xavier, Humberto de Campos, Espírito, deixa entrever essa hipótese, ao reproduzir, em sua entrevista, a informação de Judas:
— “Depois da minha morte trágica, submergi-me em séculos de sofrimento expiatório da minha falta. Sofri horrores nas perseguições infligidas em Roma aos adeptos da doutrina de Jesus e as minhas provas culminaram em uma fogueira inquisitorial, onde, imitando o Mestre, fui traído, vendido e usurpado. Vítima da felonia e da traição, deixei na Terra os derradeiros resquícios do meu crime, na Europa do século XV.” (Acesse aqui o texto citado : Crônicas de Além-Túmulo - Cap. 5.
Não importa, porém, que Joana tenha ou não vivido como Judas; o que importa, hoje, é o seu exemplo de bravura, de absoluta confiança nos poderes que nos guiam os passos vacilantes pelos caminhos da vida. Foi uma pioneira da mediunidade a serviço total da Humanidade. Por intermédio dela, uma criança analfabeta, os Espíritos do Senhor provaram que podem mudar o rumo da História e que os homens não estarão para sempre entregues aos seus desatinos.
É bom relembrar isso, hoje, quando muitos acham que toda a civilização moderna disparou desabaladamente num processo de autodestruição. Não é isso o que informam as profecias. Não é isso o que dizem os mensageiros do Senhor. Ao contrário, asseguram eles uma era de paz e de reconstrução, que se iniciará precisamente a partir do momento em que tudo parece mergulhar no caos. E como não será preciso demonstrar novamente que isso é possível, é absolutamente necessário que não nos coloquemos ao lado daqueles que, num supremo esforço do desespero, estão desafiando uma vez mais as forças irresistíveis da luz. A hora final da treva está chegando. Qual será a nossa opção?
Nesse dramático contexto, em que forças antagônicas se defrontam, a advertência de Léon Denis deve ser reexaminada em toda a sua tremenda significação, ou seja, a de que a trajetória evolutiva da Humanidade não se desenvolve ao longo do tortuoso traçado dos nossos caprichos. Acima de nós, e por nós, velam prepostos de Deus e do Cristo, iluminados pela visão majestosa dos planos divinos. No momento certo, esses poderes entrarão em ação. E tormentosos séculos aguardarão os que insistirem em se opor à marcha irresistível do bem coletivo.
João Marcus
Nota explicativa: - Hermínio C. Miranda também assinava seus artigos como João Marcus e H.C.M. Este expediente foi sugerido pelo editor da Revista Reformador para que pudessem ser publicados mais artigos dele em uma mesma revista.
- Para seguirmos corretamente o espiritismo, devemos submeter todas as mensagens mediúnicas ao crivo duplo de Kardec, sendo eles, a razão e a universalidade.
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