Fanatismo Sectário
J. Herculano Pires
As campanhas religiosas contra o Espiritismo recrudescem de quando em quando, nesta ou naquela cidade. E apresentam sempre as mesmas características antirreligiosas das lutas sangrentas de outros tempos. Começam às vezes de maneira piedosa, anunciando a intenção fraterna de salvar as almas transviadas, através de orações. Mas em breve recaem na prática da violência verbal, da deturpação grosseira da verdade e até mesmo do sectarismo desumano, que aconselha a inimizade e alimenta o ódio entre as criaturas.
Quando Jesus veio ao mundo, as religiões, em sua esmagadora maioria, eram sistemas exclusivistas de crença, baseados em fortes resíduos da vida tribal; sistemas fechados, que isolavam os seus adeptos de qualquer contato com os adeptos de outros sistemas, sustentando-se por meio de prescrições violentas, com maldições e anátemas. A endogamia era um dos princípios básicos dessas religiões primárias. Nem mesmo o judaísmo, que já havia superado a idolatria e o politeísmo, conseguira romper essa estrutura antiquada.
Diante de um mundo dividido em religiões de violência, de separatismo e de ódio, Jesus pregou o amor e a fraternidade. Sua atitude perante o cisma judaico dos samaritanos tornou-se um exemplo vivo dos seus ensinos. O odiado samaritano foi por ele apontado como bom, em contraste com o fariseu formalista, vaidoso, que se julgava eleito de Deus e único intérprete do Céu diante dos homens. Os “goyn”, ou estrangeiros, considerados impuros pelos judeus, foram convidados para o banquete da vida eterna.
No seu encontro com a mulher samaritana, o Divino Mestre deixou o mais belo exemplo da verdadeira compreensão religiosa. Longe de condenar a mulher e querer convertê-la para a seita em que Ele havia nascido, limitou-se a dizer-lhe palavras de amor e ensinar-lhe que: “os verdadeiros adoradores de Deus o adoram em espírito e verdade”. Ensinou-lhe claramente, como o registram os textos evangélicos, que a verdadeira religião não se praticava no Templo de Jerusalém, nem no Monte Garizim, dos samaritanos, mas no coração do homem.
Jesus quebrou, assim, o arcabouço tribal das religiões exclusivistas, para ensinar o verdadeiro sentido da religião, que é o amor. Pois o que é religião? Alguma coisa que une ou que desune? Política sectária, acirrando ódios e fomentando divisionismos, ou prática da caridade, segundo a límpida interpretação do apóstolo Paulo, e conforme o ensino de Jesus, que nos manda amar aos próprios inimigos?
Vemos assim que combater o Espiritismo, em nome da religião, com pregações de ódio, de inimizades, com insinuações maldosas e com deturpações grosseiras da doutrina e da prática espíritas, não é mais do que retroceder a conceitos antiquados sobre religião e sobre salvação. É simplesmente voltar, no tempo e no espaço, àquele mundo de fanatismo sectário que levou o Divino Mestre ao suplício da cruz, em nome de convenções humanas e de interesses imediatistas. Por outro lado, essas campanhas são a verdadeira negação da religião. No passado, como todos sabem, campanhas dessa espécie produziram matanças horríveis, como a da Noite de São Bartolomeu, em Paris, ou as fogueiras inquisitoriais.
Foi por esse motivo que Kardec evitou apresentar o Espiritismo como uma nova religião. Mostrando o seu sentido profundamente religioso, apresentando-o como restabelecimento do Cristianismo verdadeiro na Terra, Kardec recusou-se, entretanto, a fazer dele um sistema de crença formalista. Os que discordarem dessa posição de Kardec, que foi, aliás, a mesma de Jesus – do Mestre Divino que Kardec aponta como modelo para a evolução do homem a Terra –, que combatam o Espiritismo no plano da razão, com argumentos e não com as ameaças do ódio sectário.
Kardec costumava dizer: “Se alguém quer nos tirar o Espiritismo, que nos ofereça coisa melhor.” Os espíritas estão sempre prontos a examinar todas as coisas, como ensinava o apóstolo Paulo. Nenhum espírita está proibido de ler os livros, os jornais, as revistas, os boletins, ou de ouvir os sermões e as palestras referentes a outras religiões. Nenhum espírita é impedido, sob qualquer espécie de ameaça, de entrar num templo de outra religião, de ter amizade com pessoas não espíritas ou de casar-se com ateus, materialistas, católicos, protestantes, budistas ou o que quer que seja.
Por que? Porque o Espiritismo não pretende escravizar ninguém aos seus princípios, mas deseja que todos o aceitem livremente, por imperativo da própria consciência de cada qual.
Assim, a única maneira eficiente de combater o Espiritismo seria provar os seus erros, mostrar aos adeptos, ou àqueles que se interessam por ele, que esta ou aquela religião pode oferecer mais e melhor do que ele. Essa, aliás, seria uma maneira religiosa de combatê-lo.
Mas quem a pratica? Quem já se lançou contra o Espiritismo dessa maneira religiosa, despertando a alma para maior compreensão da espiritualidade? O que temos visto, e o que vemos constantemente, é justamente o contrário. É a agressão contra a doutrina e os adeptos, a deturpação da verdade, a falta de conhecimento ou de sinceridade na análise do Espiritismo, o esforço, consciente ou inconsciente, para apresentá-lo como instrumento do diabo.
Que Deus nos auxilie, a todos nós, que vivemos iluminados pelos princípios do Cristianismo redivivo, no conhecimento verdadeiro da Doutrina Espírita, para não aceitarmos a provocação dessas lutas antifraternas. Que saibamos preservar, diante dos adversários agressivos, a serenidade e o amor que o Cristo pregou ao mundo de violência seu tempo.
- Para seguirmos corretamente o espiritismo, devemos submeter todas as mensagens mediúnicas ao crivo duplo de Kardec, sendo eles, a razão e a universalidade.
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