Encontros e desencontros
Richard Simonneti
Simone chegou com alguns minutos de antecedência.
Sentada em rústico banco, à sombra de frondosa árvore, recordou que ali tecera com Armando idílico sonho.
O marido representara o seu encontro com a felicidade. A seu lado vivera quinze anos de ternura, enriquecidos por quatro filhos adoráveis.
No entanto, há dois anos o sonho convertera-se em pesadelo. O encontro transviara-se em cruel desencontro: Armando apaixonou-se por inconsequente jovem, iniciando perturbadora relação extraconjugal.
Após meses de tensão o caso fora descoberto. Os filhos revoltaram-se e ele, alegando incapacidade para superar a atração irresistível, decidiu unir-se à sua amada.
Em princípio Simone ficou indignada. Viveu dias tormentosos. Não fora o conhecimento espírita e o teria odiado com todas as suas forças! Abençoada Doutrina, que a ajudara a compreender que o marido não agira com maldade. Apenas fora fraco, cedendo a impulsos desajustados.
A compreensão preservara-lhe a estabilidade emocional e a capacidade de amar.
Sim, continuava amando o marido, um afeto diferente, um pouco maternal, de mãe preocupada com o filho rebelde que deixou o lar. E tudo o que fazia era orar, pedindo a Jesus que a amparasse.
Agora ele queria conversar. O fato de ter escolhido o mesmo banco, na velha praça dos encontros primaveris, evidenciava que ele estava cogitando de uma reconciliação. Conhecia-o, entendia-lhe as mínimas iniciativas, com a precisão nascida de longa convivência, com a secreta intuição dos que amam de verdade, acima das humanas imperfeições.
Despertando de suas reminiscências, avistou Armando. O coração a bater acelerado no peito, dizia-lhe que o marido continuava a ser o homem de sua vida.
O tempo não lhe fora generoso. Estava abatido, magro, envelhecido como se houvessem passado dez anos e não apenas dois.
Ele sorriu timidamente:
- Oi, Simone, como está?
- Tudo bem, graças a Deus. E você?
- Não posso dizer o mesmo. Estou mal, mal mesmo! Arrependido até os fios de meus cabelos, afogando-me em remorsos. Será que você me perdoará um dia?
- Você sabe que não sou de guardar rancores. Não se preocupe.
Tomando-lhe as mãos Armando começou a chorar. Em princípio lágrimas furtivas, depois borbulhantes, como imensa dor represada que explodisse em torrente de mágoas.
- Meu Deus! Que foi que fiz! Destruí nosso lar a troco de uma aventura!...
Lutando por conter a própria emoção, Simone acariciou-lhe as mãos:
- Calma, Armando. Não se entregue ao desalento. Ninguém é perfeito. Todos somos passíveis de erro...
Procurando imprimir um tom de naturalidade às suas palavras, perguntou-lhe:
- Conte-me. Como vai sua vida ao lado da nova companheira?
- Não há mais nada. Foi um equívoco, um desencontro infeliz...
Separamo-nos há uma semana e tudo o que quero é regressar ao nosso lar, ainda que tenha de passar o resto de meus dias pedindo-lhe desculpas. Você me aceitaria de volta?
Simone fitou-o enternecida. Não havia nenhuma dúvida quanto a isso. Desde que se despira de ressentimentos, sentia que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde, na Terra ou no Além. O amor que os unia era muito forte, capaz de resistir aos vendavais dos enganos humanos.
- Claro, meu querido. É o que mais desejo.
- Há apenas um problema... Não sei como explicar...
- Fale. Tentaremos solucioná-lo... Se tem receio de nossos filhos, fique tranquilo. Eles querem nos ver juntos novamente.
- Sim, o problema envolve filhos... Mais exatamente... um outro filho... Da união infeliz resultou uma criança de dez meses. A mãe não o quer. Ficou comigo.
Sei que é pedir demais, mas você me permitiria retornar com ele?
Um raio que caísse nas proximidades não a teria abalado tanto!
Um filho com a outra, sob seus cuidados, no mesmo lar, em contato com seus próprios filhos?
A proposta soava absurda. Como reter a lembrança perene da defecção do marido?
Era pedir demais!...
Imaginou, em turbilhão de ideias, uma forma de contornar o problema. Um orfanato, talvez... Um casal disposto à adoção...
Sabia, entretanto, que uma solução dessa natureza seria desumana, uma flagrante injustiça contra o pequeno inocente.
Era como se o solo se movimentasse debaixo de seus pés, abrindo intransponível abismo entre ela e o marido.
Em prece muda, implorava a inspiração do Céu.
E o Céu veio em seu socorro.
Sem que conseguisse exprimir com exatidão o que estava acontecendo, sentiu imensa compaixão daquele ser que chegava ao Mundo em circunstâncias tão tristes, rejeitado pela mãe, um entrave na vida do pai... Pobre criança!
Então, o instinto materno, a sensibilidade de um coração generoso, a vocação para o Evangelho, triunfaram sobre a mulher traída que, tomada por uma onda de ternura, levantou-se, resoluta, arrastando o marido perplexo, ao mesmo tempo em que dizia, eufórica:
- Onde está nosso filho? Vamos buscá-lo imediatamente! Sinto que ele precisa muito de mim!
E partiram os dois, retomando a existência em comum, enriquecida pela presença de mais um filho.
Um reencontro feliz, norteado por generosos benfeitores espirituais que encontraram ressonância em meigo coração de mulher.
***
“Seja tudo feito para a edificação.”
Semelhante recomendação aplica-se a todas as experiências humanas, valorizando nossas iniciativas, mesmo quando estejamos às voltas com defecções e deslizes dos companheiros de jornada.
Um cônjuge de gênio difícil é um eficiente treino para a tolerância...
Um filho rebelde é ótimo teste para a vocação de educar...
Até mesmo o “fruto do pecado”, na medida em que sejamos afetados pela ação do pecador, pode converter-se em preciosa oportunidade de construir o Bem, se estivermos atentos aos imperativos da edificação.
Richard Simonetti do livro:
Encontros e Desencontros
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