Valioso presente
Richard Simonetti
Um momento de distração e Silvano foi atropelado. Esteve várias semanas no hospital, cuidando de fraturas diversas, uma irremediável, que o condenou à cadeira de rodas. Nunca mais andaria.
Em princípio o desespero, a vontade de morrer... Depois a mágoa, a surda revolta contra o Destino que, num trágico instante, furtara-lhe as melhores possibilidades da existência.
Guardava, particularmente, um surdo rancor contra o motorista que o atingira, não obstante sabê-lo isento de culpa. Recusara-se terminantemente a recebê-lo. Ele fora o instrumento de sua desdita.
Regressando ao lar, Silvano tornou-se um problema, sempre irritadiço e taciturno. Esposa e filhos tentavam animá-lo. Afinal não havia dificuldades financeiras e, embora paraplégico, ele poderia perfeitamente desenvolver atividades, voltar a viver. Estavam a seu lado, dispostos a ajudá-lo no que fosse preciso. Jamais lhe faltaria apoio. Mas o chefe da casa recusava-se a cooperar em seu próprio beneficio. Passava longos períodos confinado voluntariamente no quarto, mudo e tenso, intimamente um vulcão a explodir, periodicamente, em crises de revolta, extravasando a inconformação de quem se sentia colhido numa armadilha.
A única distração eram os livros, que lhe proporcionavam meios de esquecer sua desdita. Lia vorazmente...
Certo dia um garoto lhe trouxe um livro, informando tratar-se de entrega mensal do Clube do Livro Espírita, a qual se repetiria por doze meses. Alguém, que preferira o anonimato, pagara a anuidade.
Silvano não tinha ideia de quem fosse. Aborreceu se, imaginando tratar se de um trote. Não obstante, leu o livro, interessando-se de imediato pelos princípios codificados por Allan Kardec, que ofereciam confortadoras respostas às suas indagações existenciais. Não se limitou aos lançamentos mensais. Comprava livros, às pencas, nas livrarias espíritas. Lia-os sofregamente, como viajor sedento em pleno deserto que encontrasse abençoada fonte...
Compreendeu que o acidente fazia parte de suas provações e que de nada lhe adiantaria entregar-se à depressão. Decidiu mudar seu comportamento. Superou a agressividade. . . Dispôs-se a deixar o quarto, até então seu refúgio de todas as horas... Tornou-se mais comunicativo. Os familiares acompanhavam, agradavelmente surpreendidos, sua transformação. Quase todos se interessaram por aqueles livros que trouxeram de volta à Vida alguém que pretendia apenas morrer.
Quis conversar com o motorista que o atropelara. Recebeu-o, gentil. O visitante era pessoa simpática, expansiva. Conversaram longamente, até que Silvano dispôs-se a falar do acidente, isentando-o de culpa.
— Faz parte de minhas provações a situação atual, Mas estou reagindo. Sei agora que a imobilidade das pernas não é nada se nos movimentarmos pelos caminhos interiores, cultivando bom ânimo e coragem...
— Vejo com alegria que o Tempo encarregou-se de ajudá-lo a superar o problema. Embora sem culpa no acidente, estive sempre preocupado com o amigo...
— Pois não se preocupe mais. Estou bem consciente de que não há sofrimentos indevidos, nem situações difíceis motivadas pelo acaso. Tudo tem razão de ser. E devo dizer-lhe que muito mais que ao Tempo, devo minha atual disposição a um benfeitor desconhecido, abençoado irmão, que me ofereceu um presente inestimável.
Após falar dos livros recebidos, Silvano concluiu:
— Tornei-me espírita. Melhor dizendo, estou tentando. Não é fácil, porquanto tenho muitas deficiências. Nesse empenho, desejava avistar-me com duas pessoas: você, para pedir-lhe perdão por minha indelicadeza na época do acidente, e com o autor do presente, que me renovou a existência. Infelizmente, não sei quem é. Preferiu o anonimato.
O visitante sorri, emocionado e esclarece:
— Não posso dizer que fico feliz por ter sido um instrumento para seu resgate, mas rejubilo-me por ter contribuído em favor de sua iniciação espírita. A assinatura do Clube foi presente meu...
Perdemos muito tempo percorrendo lojas de quinquilharias, à procura de originalidades inúteis para presentear amigos e familiares, relegando ao esquecimento uma opção insuperável: o Livro Espírita, esta cornucópia mágica de abundantes flores de esperança e conforto e frutos sazonados de renovação e paz.
Do livro: Atravessando a Rua de Richard Simonetti
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