quinta-feira, 28 de agosto de 2025

O Triângulo de Emmanuel

O Triângulo de Emmanuel

J. Herculano Pires


1. DOUTRINA TRÍPLICE

A compreensão do Universo e da Vida não pode ser simples, pois o objeto dessa compreensão é extremamente complexo. Encará-lo através das ciências equivale a vê-lo apenas em sua aparência exterior: a realidade física. Reduzi-lo a um sistema filosófico é submetê-lo aos caprichos da nossa interpretação: a realidade representativa mental. Senti-lo através de uma síntese estética, conceptual-emotiva, de ordem mística e, portanto religiosa, sem as necessárias relações anteriores, é cair no fideísmo-dogmático.

As funções da consciência são consideradas, desde Kant, como tríplices: temos primeiramente as funções teóricas, que nos permitem elaborar, com os dados sensíveis, uma concepção do real; depois, as funções práticas, que estabelecem as nossas relações com o objeto, permitindo-nos interpretar a realidade concebida e estabelecer as nossas normas de ação e de conduta; e, por fim, as funções estéticas, que permitem a simbiose sujeito-objeto, a fusão afetiva-racional do homem com o duplo objeto Mundo-Vida.

O Relativismo-Crítico, com Octave Hamelin e René Hubert, abriu em nossos dias as perspectivas dessa compreensão dialética da consciência. Nessa fecunda corrente neokantiana do pensamento francês atual, de que Hubert se fez o corifeu no plano da filosofia pedagógica, podemos encontrar a explicação filosófica da natureza tríplice do Espiritismo. Assim como o homem individual, para atingir a plenitude do seu desenvolvimento consciencial, deve realizar a síntese estética das funções teóricas e práticas da consciência, — atingindo a concepção religiosa do objeto Mundo-Vida assim a coletividade humana, no seu desenvolvimento cultural, terá de atingir a síntese da sociedade de consciências.

Por mais que procuremos negar essa dialética da consciência, ou dar-lhe uma interpretação diversa, nunca poderemos fugir à realidade dos fatos, que nos mostra o homem, na História, tomando conhecimento do mundo pela experiência, agindo sobre ele através de uma concepção ou representação, e procurando dominá-lo através de uma síntese afetiva, moral ou religiosa. Aqueles, portanto, que não compreendem a natureza tríplice do Espiritismo, ou tentam reduzi-la apenas a um dos seus aspectos, praticam uma violência contra a doutrina. Os que, fora do Espiritismo, condenam o que costumam chamar de duplicidade científico-religiosa, ou lhe negam a natureza filosófica, estão agindo de má fé, muitas vezes na defesa de interesses próprios, sectários ou profissionais, ou revelam ignorar o processo do conhecimento, sua diversidade dialética no plano da análise ou da razão, e sua unidade sintética no momento vital da fusão afetiva.

Tomando para exemplo uma expressão kantiana, podemos esclarecer melhor o assunto ao dizer que o homem precisa: primeiro, conhecer, para depois agir. O selvagem que derruba uma árvore e faz uma canoa, antes de mais nada tomou conhecimento do meio físico em que vive, conheceu a árvore e sua natureza, conheceu o rio e sua natureza, conheceu a sua própria natureza de homem, o que lhe permitiu agir. Mas, no momento mesmo da ação, ao abater o tronco e trabalhá-lo, o selvagem estabelece uma relação profunda e afetiva entre ele e o objeto que modela. É essa a reciprocidade dialética vista por Hegel e sistematizada por Marx em sua teoria do valor. Modificando o mundo, o homem se modifica; aperfeiçoando o mundo, ele próprio se aperfeiçoa. O momento exato da modificação, do aperfeiçoamento, é também o da síntese afetiva, o da religião. Por isso, as religiões primitivas se caracterizam pelo "fazer", se representam pelo "feito", pelo fetiche. E ainda por isso o relativismo-crítico entende que a síntese afetiva ou religiosa é de natureza estética, é uma síntese estética.

Embora desenvolvendo-se "livre do espírito de sistema", como queria Kardec, a Filosofia Espírita se enquadra necessariamente nas exigências fundamentais da consciência e procede na linha dessas exigências. Seu fundamento, portanto, constitui-se dos dados da experiência, elaborados numa representação teórica. Sua estrutura resulta dos dados da ação, elaborados na representação prática das normas de conduta e atividade, dos princípios que levam, como acentua Kardec, às consequências morais. Sua realização, porém, encontra-se na fusão do saber e da ação, nesse momento vital em que o Espiritismo exige todo o ser do adepto e o absorve numa síntese afetiva, emocional, em que razão e sentimento, mente e coração, alma e corpo, consciência e mundo, se unificam, numa expressão de religião cósmica, universal, e por isso mesmo, de religião "em espírito e verdade".

Eis aqui uma das razões porque o Espiritismo, segundo a afirmação de Kardec em "A Gênese", não podia constituir-se em doutrina antes do desenvolvimento das ciências. Não podia surgir, aparecer no mundo, oferecer-se à compreensão dos homens. Os dados da Ciência — com "C" maiúsculo, como entidade que abrange a variedade dos campos e objetos científicos — eram indispensáveis ao conhecimento do mundo e da vida, e portanto à elaboração de uma representação teórica capaz de fundir-se com a representação prática da experiência vital. Porque o homem vive antes de conhecer e compreender, e por isso mesmo a sua experiência vital, desenvolvendo-se, criou uma distância e um desajuste entre a razão e o sentimento. O materialismo representa esse desajuste no plano da razão, e o religiosismo o representa no plano da ação. Somente o avanço das ciências permitiu vencer-se a distância e restabelecer-se o equilíbrio, reajustar-se a razão e o sentimento.

Não obstante, esse reajustamento não se efetua mecanicamente, mas dialeticamente, através da dinâmica das oposições. Daí a luta entre espiritualismo e materialismo, a oposição do materialista ao espiritualista. É claro que a razão está com o espiritualista, no tocante ao fundamental, mas no tocante ao momentâneo, ao imediato, ao "agora" existencial, ela está com o materialista. O Espiritismo surge como o mediador, o instrumento teórico-prático, e, portanto, estético, do reajustamento necessário. Não somente a sua elaboração mas a sua própria compreensão pelos homens dependia da evolução espiritual da humanidade. E a prova aí está, bem clara, na incompreensão da natureza tríplice do Espiritismo, revelada não somente pelos seus adversários, mas também por muitos dos seus adeptos, inclusive intelectuais. O primeiro passo a darmos, portanto, na compreensão da Doutrina Espírita, após o estudo histórico dos seus antecedentes e da sua elaboração, é no sentido dessa visão global, que no-la apresenta como doutrina tríplice.


2. O HOMEM TRINO

As investigações e os estudos psicológicos nos mostram o desenvolvimento do homem como um processo psicogenético. Os dados da Psicologia da Criança e da Psicologia da Adolescência, partindo da indiferenciação psíquica das primeiras fases da infância, levam-nos à definição do "eu" e à elaboração da personalidade, como afirmação da consciência, em sua plenitude, no "agora" existencial. Mas todos esses dados, ao contrário do que pretendem as correntes de pensamento materialista ou positivista, comprovam o pressuposto religioso e filosófico da existência do espírito. A própria ontologia fenomenológica do existencialismo sartreano não pode fugir a essa realidade, ao colocar o problema do ser na existência como um desenvolvimento dialético do "em si" hegeliano.

A fase infantil de indiferenciação psíquica é exatamente aquela em que o ser, na sua forma apriorística, como "em si", e portanto na sua anterioridade espiritual, luta para se integrar na existência. Essa luta se resolve na progressiva definição do "eu", isto é, no domínio progressivo do instrumento físico da manifestação, pelo espírito que nele se manifesta. A elaboração da personalidade atual, muito longe de ser um processo improvisado e imediato, revela a presença de uma herança psíquica, e portanto de elementos anteriores, que em vão o materialismo cientifico pretende reduzir às leis da hereditariedade biológica. Essa herança é, antes de tudo, como afirma René Hubert, "uma realidade subjetiva individual e irredutível", portanto uma consciência, um espírito, que não se elabora no presente, mas apenas reelabora os instrumentos da sua manifestação atual.

O Espiritismo esclarece o que podemos chamar "a mecânica dessa manifestação", através de uma concepção trinaria do homem. O elemento fundamental da evolução psicogenética é o espírito, o próprio ser que se projeta na existência. Nele está o poder que aglutina os demais elementos, que os coordena e os põe em desenvolvimento. Em segundo lugar aparece o perispírito ou corpo espiritual, duplicata energética do corpo físico, ou o modelo energético deste, como queria Claude Bernard. E em terceiro lugar, o próprio corpo físico, resultante de um verdadeiro processo dialético, síntese orgânica do espírito e do perispírito, que permite a presença do ser na existência. Essa concepção não foi decalcada de nenhuma outra, mas resultou das experiências e dos diálogos de Kardec com os Espíritos, numa época e num país em que as concepções místicas orientais não encontra-vam clima para florescer. Convém ressaltar, ainda, que as experiências mediúnicas de Kardec foram confirmadas por experimentações científicas, realizadas por cientistas não-espíritas.

O homem se apresenta, assim, como a conjugação de três entidades distintas, numa única manifestação. E isso levanta a ponta do véu que encobre o mistério da trindade divina, revelando mais profundamente a natureza antropomórfica do velho dogma, presente em todas as grandes religiões antigas. Por outro lado, essa concepção nos faz compreender a existência, no plano coletivo, de uma fase de misticismo indiferenciado, ou de indiferenciação mística, em que a realidade espiritual, confundida com a material, assemelha-se à indiferenciação psíquica das fases infantis, no plano individual. O dogmatismo então se explica, da mesma maneira, como a necessidade de elaboração racional da realidade, que se exprime através do apriorismo absolutista da intuição. O dogma de fé das religiões equivale ao "quero" irracional das crianças, que querem e exigem, mesmo sem saberem por quê.

As três funções da consciência — a teórica, a prática e a estética — têm suas raízes, portanto, na própria estrutura tríplice do homem. Se definirmos a primeira dessas funções como sendo a razão, o esquema de representações teóricas da realidade objetiva, compreenderemos que o homem, antes de conhecer e compreender, vive e experimenta. Essa vivência, que lhe dá a experiência vital, da qual decorrem as categorias da razão, pelo fato mesmo de se desenvolver num processo, de se desdobrar, separa a razão do sentimento, estabelece dois planos distintos na consciência. O que estava fundido na indiferenciação psíquica, separa-se, ao diferenciar-se. A seguir, o desenvolvimento da razão, absorvendo o interesse do homem pelo conhecimento do mundo, provoca a alienação do espírito. É assim que o materialismo aparece, na História, como uma flor de estufa, um produto artificial da razão, elaborado pelas elites intelectuais, sem jamais penetrar as camadas profundas da vida social. É por isso que nunca houve, e jamais haverá, um povo materialista e ateu. As fases racionais de descrença nada mais são do que momentos de desequilíbrio, que acabam reconduzindo os homens ao espiritualismo, através da síntese estética.

A concepção espírita do homem, como unidade trina, tanto se opõe ao dualismo religioso, quanto ao monismo materialista e ao pluralismo ocultista. Não obstante, como essa concepção é uma síntese estética, nela encontramos os elementos opostos, reduzidos ao equilíbrio da fusão. Assim, quando Kardec define a alma como sendo o espírito encarnado, temos a dualidade alma-corpo; quando define o corpo como produção ou projeção do próprio espírito, temos o monismo; e quando define o espírito como entidade independente, possuindo as diversas funções da consciência e capaz de projetá-las por várias maneiras, no plano espiritual e no plano material, temos o pluralismo. Os vários corpos da concepção septenária do ocultismo apresentam-se como simples peças do mecanismo de manifestação do espírito.

As pessoas que consideram simplista a concepção trinária do homem, e preferem a septenária, tendem para o pluralismo afetivo. As que, ao contrário, a consideram complexa, e preferem a concepção monista, de tipo heckeliano ou marxista, tendem para o monismo materialista. O homem trino é, portanto, uma concepção típica do Espiritismo, resultante da síntese dialética que se processou no desenvolvimento histórico da humanidade. Uma concepção que assinala a maturidade espiritual do homem, pois representa a superação das fases de sincretismo afetivo e de egocentrismo racional, tanto existentes no indivíduo, quanto na espécie.


3. PLURALISMO E MONISMO

O homem trino, constituído de espírito, perispírito e corpo, segundo a concepção espírita, não é entretanto uma entidade dualista ou pluralista. Pelo contrário, sua natureza é monista, no sentido unitário, original, da expressão. O homem trino é essencialmente uno, porque é espírito, e só este o define como ser. O perispírito e o corpo físico não são mais do que os instrumentos da sua manifestação. No fenômeno da morte, temos o aniquilamento do corpo físico, seguido da sobrevivência pelo perispírito. Este também pode ser aniquilado, e a ele sobreviverá o espírito, que o reconstruirá quando necessário, como também reconstruirá o corpo físico.

Há duas espécies de objeção filosófica, que os pensadores modernos, apoiados na concepção científica, opõem a essa concepção espírita do homem. A primeira, é a do dualismo. Entendem que o homem do Espiritismo é o mesmo das religiões dualistas, implicando a dicotomia alma-corpo. A segunda, é a do pluralismo, decorrente da sua constituição tríplice. A essas duas espécies de objeção a resposta se encontra na própria doutrina. O Espiritismo é uma concepção monista do universo, pois apresenta como fundamento de toda a pluralidade existencial a realidade única do espírito.

Não há dúvida que as dicotomias alma-corpo e Deus-mundo aparecem nessa concepção. E a afirmação da sua natureza monista se torna mais complexa e difícil, quando, saindo do plano individual, para o universal, encontramos a negação do panteísmo. Kardec afirma, no primeiro capítulo de "O Livro dos Espíritos", comentando a concepção de Deus formulada pelos espíritos: "A inteligência de Deus se revela nas suas obras, como a de um pintor no seu quadro; mas as obras de Deus não são o próprio Deus, como o quadro não é o pintor que o concebeu e executou." A distinção é precisa. Deus é o obreiro, o universo é a sua obra. Mas não devemos esquecer que a analogia é apenas uma forma de esclarecimento, uma ilustração de processos que não podem ser descritos com precisão. Se o pudessem, a analogia seria dispensável.

Podemos dizer que Deus está para o universo assim como o espírito está para o corpo. De qualquer maneira, o corpo é uma projeção do espírito na matéria, é obra do espírito. Por isso mesmo, não é o espírito. Não obstante, só existe e só vive em função do espírito, penetrado por ele, submetido às suas leis. Na vida física, identificamos o espírito pelo corpo. E mesmo depois que este perece, é ainda através da sua forma que identificamos o espírito, nos fenômenos de vidência, de aparição e de materialização. Na própria vida espiritual, nas regiões próximas da densidade física, é a forma perispiritual do corpo que serve para identificação do espírito. Esta sintonia perfeita, esta união que se resolve em identidade, ou esta unidade substancial, para falarmos com Aristóteles, tanto existe no plano individual, quanto no universal. Dela decorre a confusão entre a alma e o corpo, de que tratou Descartes, e a confusão entre Deus e o Universo, que atingiu em Espinosa sua mais refinada expressão.

Entendem alguns críticos do Espiritismo que essas dicotomias são resíduos da formação religiosa de Kardec. Outros entendem que a separação entre Deus e o Universo decorre da impossibilidade de uma definição de Deus, como Alma-do-Mundo, sem lhe ferir a perfectibilidade. Nem uma, nem outra coisa. Kardec interrogou os espíritos, que sustentaram, como vemos nas perguntas e respostas de "O Livro dos Espíritos", a independência de Deus em relação ao Universo. Kardec debateu o problema com os seus instrutores ou informantes espirituais, e só depois disso chegou à formulação do princípio doutrinário que estabelece a aparente dicotomia, por ter concluído pela impossibilidade lógica de tomarmos o efeito pela causa. Além disso, o próprio exame da questão, no plano empírico, nos mostra uma sequência indisfarçável de ação e reação. Assim como a árvore nasce da semente, cujo impulso vital específico é um mistério para a ciência humana, e assim como o homem, em sua forma corpórea, procede do embrião, todas as coisas materiais se originam de impulsos ocultos, movidos por intenções claramente determinadas. Há, pois, uma zona de intenção, subjacente no mundo material, que por si mesma determina a diferença entre os dois planos: o visível e o invisível.

Apesar disso, ou por isso mesmo, o dualismo e o pluralismo não são mais do que aparência, uma vez que espírito e matéria se confundem na exigência de sua própria reciprocidade. Assim, o homem é ao mesmo tempo espírito e corpo. pois o corpo nada mais é que a manifestação do espírito. Kardec leva mais longe a definição monista do universo, chegando a declarar, no primeiro capítulo da segunda parte de "O Livro dos Espíritos": "Dizemos que os espíritos são imateriais, porque a sua essência difere de tudo o que conhecemos." Os próprios espíritos lhe declararam que não é bem certo chamar o espírito de imaterial, acentuando: "Imaterial não é o termo apropriado; incorpóreo, seria mais exato, pois deves compreender que, sendo uma criação, o espírito deve ser alguma coisa."

Como vemos, o dualismo e o pluralismo. estão refutados pela própria doutrina, que se apresenta de maneira tríplice, fundada numa concepção tríplice do universo e do homem, mas tendo a sua triplicidade como simples estrutura funcional de um todo, que é único, do qual tudo procede e ao qual tudo reverte. Não é outra a concepção monista do materialismo científico, com a única diferença de encarar a unidade pelo lado de fora, que é o dos efeitos, ou da manifestação. O Espiritismo encara essa unidade do lado de dentro, ou a partir das causas, que afinal se resumem numa causa única. O homem trino é uno, como o universo trino é uno, e una é a doutrina tríplice que os explica.


4. TRIANGULO DE FORÇAS

A constituição tríplice do Universo, nos seus aspectos fundamentais, revelados em "O Livro dos Espíritos", na seguinte trindade universal: Deus, Espírito e Matéria, reflete-se naturalmente na constituição tríplice do Homem, como espírito, perispírito e corpo.

Correspondendo a essa natureza trina, a consciência humana apresenta as suas três funções estruturais: a teórica, a prática e a estética. A essas funções, e portanto à própria constituição do Homem, e do Universo em que vivemos, terá de corresponder, inevitavelmente, a síntese do conhecimento, que representa uma exigência do espírito, uma aspiração do ser humano em seu desenvolvimento espiritual, e, por fim, uma necessidade da evolução.

Na busca incessante dessa síntese, a inteligência se inclina, como já vimos, ora para um, ora para outro dos aspectos fundamentais da consciência. Somente com a realização da síntese nela própria, quando ela mesma atingir a unidade necessária, com a fusão da consciência teórica e da consciência prática na consciência estética, se torna possível a síntese universal, ou o conhecimento global, que abrange ao mesmo tempo as funções internas e externas da consciência: a afetividade, a volição e a inteligência. Esse conhecimento global apresenta, necessariamente, uma forma tríplice, na sua manifestação, mas repousa, internamente, sobre a unidade do ser. Esta unidade, por sua vez, tem a sua representação externa, que podemos chamar de Sabedoria, ou mesmo de Conhecimento, ou ainda de Doutrina.

Ao longo da História, e em relação com os graus de evolução de cada momento histórico, essa unidade tomou os mais diversos nomes, desde a Magia dos tempos primitivos até os Mistérios orientais, a Filosofia grega e a Ciência moderna. Hoje, porém, o nome que a define, para todos aqueles que compreenderam o processo do seu desenvolvimento, é apenas este: Doutrina Espírita. Porque entre todas as formas de saber, entre todas as formulações teórico-práticas da realidade universal, somente ela, a Doutrina Espírita, apresenta essa estrutura, ao mesmo tempo una e trina, que corresponde à estrutura da consciência e do universo. Somente no Espiritismo, portanto, — no sentido que Kardec deu ao termo, por ele criado e posto em circulação — encontramos essa unidade tríplice do saber, em que ciência, filosofia e religião, embora mantendo cada qual a sua autonomia, se fundem num todo dinâmico, em que livremente se processa a simbiose, necessária à produção da síntese.

Mas como é possível essa harmonia do "todo dinâmico", num mundo em que cada uma das formas do conhecimento revela a tendência de absorver as demais? Nenhuma explicação nos parece mais feliz, mais precisa e mais didática, do que a formulada pelo espírito de Emmanuel, no livro "O Consolador", recebido mediunicamente por Francisco Cândido Xavier. Interpelado a respeito do aspecto tríplice da doutrina, o espírito respondeu nestes termos: 

"Podemos tomar o Espiritismo, simbolizado desse modo, como um triângulo de forças espirituais. A ciência e a filosofia vinculam à terra essa figura simbólica, porém, a religião é o ângulo divino, que a liga ao céu. No seu aspecto científico e filosófico, a doutrina será sempre um campo de investigações humanas, como outros movimentos coletivos, de natureza intelectual, que visam ao aperfeiçoamento da humanidade. No aspecto religioso, todavia, repousa a sua grandeza divina, por constituir a restauração do Evangelho de Jesus Cristo, estabelecendo a renovação definitiva do homem, para a grandeza do seu imenso futuro espiritual."

Voltamos, assim, um século depois, a ouvir dos Espíritos, como ouvira Kardec, a afirmação da natureza tríplice do Espiritismo. E a harmonia do "todo dinâmico" se revela não somente possível, porque, antes de mais nada, necessário. De um lado, as investigações científicas da fenomenologia espírita e a sua interpretação filosófica, dão ao homem a segurança do conhecimento positivo da espiritualidade. De outro lado, a prática moral, decorrente dos princípios de uma religião racional, apoiada na ciência e na filosofia, assegura-lhe o futuro espiritual, ao mesmo tempo que lhe garante a tranquilidade no presente material, ou no "agora" existencial. O homem se encontra a si mesmo, no triângulo de forças da concepção espírita. A pesquisa científica demonstra-lhe a realidade espiritual da vida, rompendo o véu das aparências físicas; a cogitação filosófica desvenda-lhe as perspectivas da vida espiritual, em seu processo dialético, através do tempo e do espaço; a fé raciocinada, consciente, da religião em espírito e verdade, abre-lhe as vias de comunicação com os poderes conscientes que o auxiliam na ascensão evolutiva.

Assentado na terra, o triângulo de forças do Espiritismo pode parecer uma construção puramente terrena. Daí as acusações de materialismo, que lhe fazem as religiões de estilo antigo, de estrutura lógico-aristotélica, e portanto de natureza dedutiva. Pelo contrário, a estrutura lógica do Espiritismo é baconiana, e sua natureza é indutiva. Pela indução científica, o homem parte de um ângulo terreno da doutrina para outro, também terreno, que é o da cogitação filosófica. Mas desses dois ângulos, em que se exercita o poder de cognição do espírito encarnado, este se arremete em direção ao infinito, pelo ângulo celeste da fé, através da religião em espírito e verdade. A religião dedutiva faz Deus baixar à terra e materializar-se em ritos e objetos; a religião indutiva faz o homem subir ao céu e desmaterializar-se, em razão e amor, para encontrar a Deus.

Mas há outro aspecto, ainda no plano das comparações lógicas, que desmente a acusação de materialismo: é que o processo indutivo, como sempre, é antecedido pela dedução, que ele verifica, para aprovar ou rejeitar a sua validade. No caso espírita, a dedução é a mesma das religiões antigas, mas submetida à verificação indutiva. A verdade suprema, que baixa do céu, confere com a verdade humana, que .sobe da terra. Esse o aspecto mais elevado da simbiose doutrinária, que permite a síntese do conhecimento. E é por isso que a fé raciocinada do Espiritismo substitui a fé dogmática ou cega das religiões dedutivas.


J. Herculano Pires do livro:
O Espírito e o Tempo
(Parte III - Doutrina Espírita / Cap. I)

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