quinta-feira, 14 de agosto de 2025

A tomada elétrica

A tomada elétrica

Júlio


De volta à reencarnação, em breve tempo, sou trazido ao vosso recinto de oração e fraternidade por benfeitores e amigos para que algo vos fale de minha história – amargo escarmento aos levianos do ouvido e aos imprudentes da língua.

Sem ornato verbal de qualquer natureza, em minha confissão dolorosa, passo diretamente ao meu caso triste, à maneira de um louco que retorna ao juízo, depois de haver naufragado na vileza de um pântano.

Há alguns anos, em minha derradeira romagem na Terra, era eu simples comerciário de hábitos simples.

Com pouco mais de trinta anos, desposei Marina, muito mais jovem que eu, e, exaltando a nossa felicidade, construímos nosso paraíso doméstico, numa casa pequena de movimentado bairro do Rio de Janeiro.

Nossa vida modesta era um cântico de ventura, entretecido de esperanças e preces; todavia, porque fosse, de ordinário, desconfiado e inquieto, amava minha esposa com doentia paixão.

Marina era muito moça, quase menina...

Estimava as cores festivas, o cinema, a vida social, a gargalhada franca e, por guardar temperamento infantil, a curto espaço teve o nome enlaçado à maledicência que fustiga a felicidade, como a sombra persegue a luz.

Em torno de nós, fez-se o “disse me disse”.

Se tomávamos um bonde, éramos logo objeto de olhares assustadiços, enquanto se cochichava, lembrando-se-nos o nome...

Se passávamos numa praça, éramos, quase sempre seguidos de assovios discretos...

Começaram para mim os recados escusos, os telefonemas inesperados, as cartas anônimas e os conselhos de família, reunindo várias acusações.

– “Marina desertara dos compromissos ao lar.”

– “Marina era ingrata e infiel.”

– “Marina respirava numa poça de lama.”

– “Marina tornara-se irregular.”

Muitas vezes, minha própria mãe, zelosa de nosso nome, chamava-me a brios, indicando-me providências.

Amigos segredavam-me anedotas irreverentes com sentido indireto.

Lutas enormes do sentimento ditavam-me desesperados conflitos.

Acabou-se em casa a alegria espontânea.

Debalde, a companheira se inocentava, alertando-me o coração; entretanto, densas trevas possuíam-me o raciocínio, induzindo-me a criar assombrosos quadros em torno de faltas inexistentes.

Como se eu fora puro, exigia pureza em minha mulher. Qual se fosse santo, reclamava-lhe santidade.

Deplorável cegueira humana!

Foi assim que, numa tarde inesquecível para o remorso que me vergasta, tilintou o telefone, buscando-me para aviso.

Três horas da tarde...

Anuncia-me alguém ao cérebro atormentado que um estranho se achava em meu aposento íntimo.

Desvairado, tomei de um revólver e busquei minha casa.

Sem barulho, penetrei nossa câmara e, de olhos embaciados no desespero, vi Marina curvada, ao lado de um homem que se curvava igualmente a dois passos de nosso leito.

Não tive dúvida e alvejei-os, agoniado... Vi-lhes o sangue a misturar-se, enquanto me deitavam olhares de imensa angústia, e porque não pudesse, eu mesmo, resistir a tamanha desdita, estilhacei meu crânio, com bala certa, caindo, logo após, para acordar no túmulo, agarrado a meu corpo, mazelento e fedentinoso, que servia de engorda a vermes famintos.

Em vão busquei desvencilhar-me do arcabouço de lama, a emparedar-me na sombra.

Gargalhadas irônicas de Espíritos infelizes cercavam-me a prisão.

Descrever minha pena é tarefa impossível no vocabulário dos homens, porque o verbo dos homens não tem bastante força para pintar o inferno que brame dentro da alma.

Por muito tempo, amarguei meu cálice de aflição e pavor, até que mãos amigas me afastaram, por fim, do cárcere de lodo.

Vim, então, a saber que Marina, sem culpa, fora sacrificada em minhas mãos de louco.

Esposa abnegada e inocente que era, simplesmente pedira a um companheiro da vizinhança consertasse, em nosso quarto humilde, a tomada elétrica desajustada, a fim de passar a roupa que me era precisa para o dia seguinte.

Transido de vergonha e enojado de mim, antes de suplicar perdão às minhas pobres vítimas, implorei, humilhado, a prova que me espera...

E é assim que, falando às almas descuidadas que cultivam na Terra o vício da calúnia, venho dizer a todas, na condição de um réu, que para me curar da própria insensatez roguei ao Pai Celeste e me foi concedida a bênção de meio século de doença e martírio, luta e flagelação na dor de um corpo cego.

Em referência ao Evangelho Segundo o Espiritismo Cap. VIII – Item 7

Júlio do livro:
O Espírito da Verdade  de  Chico Xavier e Waldo Vieira (Espíritos Diversos)

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