quinta-feira, 11 de abril de 2024

O Credor Incompassivo

O Credor Incompassivo

Richard Simonetti


Mateus, 18:23-35

Um dos temas preferidos de Jesus é o perdão.

Considera-o tão importante que faz dele condição imprescindível ao ingresso nas celestes bem-aventuranças.

Diz o Mestre:

O Reino de Deus é semelhante a um rei que resolveu ajustar contas com os seus servos.

Trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos.

Talento era uma moeda cujo valor equivalia a doze quilos e seiscentos gramas de prata. A dívida do servo, portanto, era imensa, equivalente a cento e vinte e seis mil quilos do valioso metal.

Não tendo ele com que pagar, ordenou o rei que fossem vendidos - ele, sua mulher, seus filhos e tudo quanto possuía, para pagamento da dívida.

O servo, porém, prostrando-se aos seus pés, suplicou:

- Tem paciência comigo, senhor, eu pagarei tudo.

O rei compadeceu-se dele e, movido de compaixão, perdoou-lhe a dívida

O servo deixou feliz o palácio. (certamente com a alegria de quem acaba de ganhar a Mega-Sena acumulada.)

Na rua, encontrou um de seus companheiros, que lhe devia cem denários...

O denário equivalia a quatro gramas de prata.

Débito pequeno, portanto. Apenas quatrocentos gramas de prata.

Caberia na palma da mão.

O servo do rei agarrou seu devedor pelo pescoço e quase o sufocava, gritando:

- Paga o que me deves!

O devedor, caindo-lhe aos pés, implorou:

— Tem paciência comigo, que te pagarei.

Ele, porém, não o atendeu e providenciou para que fosse preso e preso ficasse, até a quitação de seu débito.

Algumas pessoas, que viram o que se passara, admiraram a intransigência do servo e foram contar ao rei. Este o mandou chamar:

— Servo malvado, eu te perdoei toda aquela dívida, porque me pediste. Não devias tu, também, ter compaixão.

Realmente, um absurdo.

O rei perdoou-lhe os cento e vinte e seis mil quilos de prata!

Ele não foi capaz de perdoar quatrocentos gramas!

Indignado, o rei mandou prendê-lo, dizendo-lhe que não sairia da prisão até pagar sua dívida.

Conclui Jesus:

- Assim também meu Pai Celestial vos fará, se cada um de vós, do íntimo do coração, não perdoar a seu irmão.


***

A comparação é perfeita.

Espíritos atrasados, orientados pelo egoísmo, habitantes de um planeta de provas e expiações, certamente trazemos grandes comprometimentos com as leis divinas, resultantes de infrações cometidas no pretérito...

Algo tão pesado, tão grande, que Deus até nos concede a bênção do esquecimento, a fim de não sermos esmagados pelo peso de nossas culpas...

E sempre que pronunciamos o Pai-Nosso, a oração dominical que muita gente repete às dezenas em suas rezas, estamos reconhecemos que somos devedores, ao rogar:

... perdoa as nossas dívidas...

Esquecemos a contrapartida, que condiciona o perdão divino:

... assim como perdoamos aos nossos devedores.

***

André Luiz adverte que a ação do mal pode ser rápida, mas ninguém sabe quanto tempo levará o serviço da reação, indispensável ao restabelecimento da harmonia da Vida, que quebramos com nossas atitudes contrárias ao Bem.

A bobeira de um minuto pode resultar em decênios de sofrimentos para consertar os estragos que fazemos em nossa biografia espiritual, quando não exercitamos o perdão.

Dois condôminos de um prédio discutiram sobre vagas na garagem coletiva. Irritaram-se. Gritaram. Ofenderam-se, com a inconsequência de quem fala o que pensa, sem pensar no que fala.

Um deles partiu para a agressão física. O agredido apanhou um revólver e deu-lhe vários tiros, matando-o.

Ambos comprometeram-se, infantilmente.

O morto retornou, prematuramente, à vida espiritual, interrompendo seus compromissos.

O assassino assumiu débitos cujo resgate lhe exigirá muitas lágrimas e atribulações.

Isso sem falar nas famílias desamparadas, ante a ausência dos dois: um no cemitério; outro, na prisão.

E se cônjuge e filhos se comprometerem em vícios e desajustes, favorecidos pela ausência do chefe da casa, tudo isso lhes será debitado.

Não raro, esses desentendimentos geram processos obsessivos. O morto transforma-se em verdugo, empolgado pelo desejo de fazer justiça com as próprias mãos.

E ninguém pode prever até onde irão os furiosos combates espirituais entre os dois desafetos, um na Terra, outro no Além.

Tudo isso por quê?

Porque não empregaram o verbo adequado, no exercício de suas ações.

Usaram o revidar.

Certo seria o relevar.

Relevar sempre!

Nunca revidar!

Lição elementar, nos ensinos de Jesus.

***

Não é apenas o mal que fazemos aos outros, quando não perdoamos...

É, sobretudo, o mal que fazemos a nós mesmos.

O rancor, a mágoa, o ódio, o ressentimento, são tão desajustantes que será sempre um ato de inteligência cultivar o perdão.

Quando eu era menino, meu pai tinha um cachorrinho que mais parecia um bibelô, um ― tampinha insignificante.

Mas, no que tinha de pequeno, sobrava em braveza. Era tão irritadiço, latia tanto, que um dia teve uma síncope fulminante. Morreu de raiva!

Há pessoas assim, agressivas, impertinentes, neuróticas...

Não levam desaforo para casa. Vivem estressadas, tensas, inquietas...

Acabam provocando distúrbios circulatórios, que evoluem para a hipertensão arterial.

Um dia sofrem enfarte fulminante.

Morrem antes que possam ser socorridas.

- Bela passagem! - dizem os amigos. — Morreu como um passarinho...

Belas palavras, trágico equívoco.

É a pior morte!

O Espírito não deixou o corpo.

Foi expulso dele!

Exigiu tanto do organismo, com suas crises de irritabilidade, que acabou por detonar um colapso. Foi como se o coração implodisse, incapaz de resistir às pressões do usuário.

Retornou prematuramente, como um suicida inconsciente, habilitando-se a estágios penosos de adaptação à vida espiritual.

***

Há os que se matam mais devagar. Envenenam-se com ressentimentos, mágoas, rancores...

Está demonstrado que os melindrosos são mais vulneráveis a doenças graves.

O câncer, por exemplo, nada mais é que uma célula com defeito de fabricação, que se multiplica, criando um corpo estranho no organismo, um invasor letal.

Normalmente, essa célula é eliminada pelos mecanismos imunológicos, tão logo surge. Quando o ressentimento se prolonga, eles são bloqueados e o câncer evolui.

Fácil concluir que perdoar é um ato de inteligência. O mínimo a ser feito para que vivamos de forma saudável e feliz.

Richard Simonetti do livro: 
Histórias que trazem felicidade

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