quinta-feira, 25 de abril de 2024

O Controle Ético da Moral

O Controle Ético da Moral

J. Herculano Pires



A moral flui da consciência. Toda a experiência vital e espiritual do homem, no decorrer dos processos evolutivos, concentrou-se no princípio inteligente, após o desenvolvimento possível de suas potencialidades, estruturando o intelecto, que é a própria inteligência humana. O centro aglutinador forma o epicentro monádico que estrutura a consciência. Esta reflete em si mesma os anseios naturais de transcendência da alma, que é o espírito individualizado, essência específica do homem. A lei que rege essa essência é a ética, que nas línguas latinas sobrepõe-se tradicionalmente à moral e a controla. Toda a normativa prática da moral é regida pelos princípios teóricos da ética. O conjunto sincrônico ético moral constitui a consciência. A maioria dos homens, pertencente à categoria do homo faber ou homem prático, subordina-se à moral. A minoria intelectual, que forma a categoria do homo sapiens ou dos homens do saber, forma a elite consciente da sociedade, contrabalançada na estrutura social pela subelite prática, ligada ao plano das atividades práticas ou profissionais. Esse é o plano do senso comum ou bom senso, servido pela mente, que é a captadora e disciplinadora de toda a realidade material. A razão é a função organizadora e disciplinadora da experiência nas relações do homem com o mundo, as coisas e os seres. Os impulsos instintivos, a afetividade e a vontade estão subordinados à orientação do senso prático e sofrem perturbações com as possíveis interferências das instâncias superiores, não obstante necessárias ao desenvolvimento total, mas progressivo da evolução humana.

Kardec tomou como medida das situações do espírito o seu maior ou menor grau de apego ao mundo material, como se pode ver na Escala Espírita.

Todo esse esquema é apenas uma tentativa de disciplinar a nossa compreensão do sistema intelecto moral da condição humana na terra. Não devemos torná-lo como esquema fixo, mas como esquematização de estruturas e processos dinâmicos do espírito, principalmente para bem entendermos a significação e a função de todo o ser no processo da vida e particularmente no processo existencial da evolução humana.

O esquema psicanalítico, basicamente formado pelas instâncias do Id, do Ego e do Superego, com seus fenômenos de introjeção e seus complexos, não abrange toda a dinâmica da personalidade. Freud era um desbravador, como Kardec, mas desprovido dos recursos de sondagem paranormal do mestre espírita. Jung, que era médium, teve de romper com ele ante a sua aversão científica aos problemas espirituais. A rejeição violenta e sincrônica da Ciência, da Religião e da Filosofia dos fins do século passado ao Espiritismo, com a cobertura da imprensa e de todas as instituições culturais da época, negou qualquer atenção ao trabalho de Kardec e reduziu o movimento doutrinário a pequenos e esparsos grupos de investigadores anônimos, desprovidos de condições científicas, salvo alguns nomes que foram impiedosamente anatematizados como traidores da Ciência e estimuladores de superstições populares. Em consequência dessa pressão universal, inteiramente apoiada e estimulada pelos poderes oficiais, a Ciência Espírita, coberta de apodos e calúnias, caiu na posição da pedra rejeitada da parábola. Mas era sobre ela, como hoje se vê, que o Edifício Cultural do futuro devia erguer-se.

Hoje, cabe aos espíritas estudiosos, cultural e cientificamente capacitados, aprofundar os veios da mineração kardecista em todo o mundo. Pioneira, inclusive, da investigação e da sustentação da pluralidade dos mundos habitados, a Ciência Espírita abrange a totalidade dos problemas científicos atuais, muitos deles já comprovados pelas pesquisas de laboratório e pelas tentativas de incursões astronáuticas no Cosmos. Se o controle ético da moral funcionar como deve, tentando vencer os preconceitos e a ignorância ilustrada que ainda mantém o seu cerco à expansão e desenvolvimento da Ciência Espírita, ela ajudará os céticos, materialistas, empiristas e pragmatistas da atualidade a vencerem a alergia ao futuro de que fala Remy Chauvin, para o conhecimento urgentemente necessário da verdade espírita nestas vésperas da Era Cósmica. Seria muito difícil e demasiado ridículo, para nós, pisarmos no limiar da Nova Era com a esmagadora carga de incompreensões e resíduos selvagens e mitológicos de que não queremos nos desapegar. Felizmente tem sido cada vez mais frequentes e alentadoras as manifestações favoráveis à cultura espírita em nosso meio cultural, por todo o mundo. Não obstante, torna-se cada vez mais necessária, no meio espírita, a vigilância contra as incursões de criaturas pretensiosas, evidentemente desprovidas do senso de suas próprias medidas, sem aptidões nem conhecimentos suficientes para incursões temerárias no campo científico e cultural em geral em nome do Espiritismo. Essas incursões vaidosas causam mais prejuízos à doutrina e sua pureza do que todas as agressões dos adversários, como dizia Kardec dos adeptos demasiado entusiastas do seu tempo, cujo fanatismo lhe dava muito trabalho. Falta aos espíritas em geral formação doutrinária. Diante do aceleramento atual da evolução científica, eles se conturbam ou se exaltam. Vendo que as proposições espíritas são aceitas de maneira auspiciosa, acreditam-se dotados de uma sabedoria que os sábios não possuem e julgam-se capazes de escrever e divulgar novidades científicas em nome da doutrina. Outros, pelo contrário, se amedrontam com invasões atrevidas, como as da Parapsicologia, no campo dos princípios espíritas, e passam a repelir as contribuições dos cientistas atuais, com autossuficiência de megalomanos. Em contraposição, o mesmo acontece nos meios religiosos, onde padres e frades inscientes, viciados num autoritarismo milenar no plano cultural, atrevem-se a explorar as faculdades de médiuns interesseiros e ignorantes fazendo-se de entendidos num assunto que só conheceram, em toda a sua vida, através das elaborações mentirosas dos meios clericais, destinadas apenas a defender os interesses materiais de suas igrejas. Que os clérigos façam isso, vá lá, pois foram criados, educados e estimulados na ideia de uma falsa autoridade divina, que sempre lhes garantiu a impunidade nas pretensões mais descabidas e a capacidade de ensinar e pregar de cara limpa os maiores absurdos. Mas os espíritas não possuem essa tradição de casta e precisam compreender as suas responsabilidades nesta hora de transição. O espírita que quiser dar um pio nas polêmicas atuais deve primeiro mergulhar no estudo da doutrina em profundidade, mesmo que disponha dos mais importantes títulos universitários ou esteja colocado nas mais altas posições sociais. Os analfabetos ilustres são em regra mais analfabetos que os outros. Precisamos convencer-nos de que, no tocante aos problemas espíritas, estamos todos ainda na escola material. Se formos suficientemente prudentes e despretensiosos para voltarmos a nos alimentar no exuberante seio materno da doutrina, poderemos pelo menos evitar semear joio na seara.

A ética profissional estabelece normas e diretrizes para a moralidade dos consultórios médicos, dos gabinetes dentários, dos hospitais, das bancas de advogados e até mesmo dos confeiteiros e dos joalheiros. A primeira dessas normas exige o conhecimento da profissão. Os espíritas precisam tomar consciência da ética doutrinária, se realmente quiserem ajudar a doutrina na sua expansão necessária. As tribunas espíritas não existem para encenações e exibições de oratória de tipo bacharelesco, mas para esclarecimento das multidões que afluem às instituições doutrinárias em busca de conhecimento e não para se deleitarem com palavrórios retumbantes. A finalidade do Espiritismo é conduzir-nos ao conhecimento da verdade, daquilo que realmente é, e não adormecer-nos com cantigas de ninar nos braços da ilusão. O muito falar pode encher o mundo de palavras, mas se essas palavras não encerrarem conceitos em sua sonoridade, nada mais são do que falatórios de sofistas.

Um pregador espírita novato procurou o velho João Pita, de Matão, para consultá-lo sobre o que devia pregar. Pita rangeu os dentes fortes de português da Madeira, seus olhos brilharam por baixo das pestanas brancas de Papai Noel e ele disse: "Não pregue nem faça discursos. Ensine o que souber, depois de haver lido e estudado Kardec. Fiz milhares de pregações e me arrependo de meus entusiasmos. Na verdade, conversando depois com os ouvintes que me elogiavam, tive a surpresa de verificar que de todos os meus falatórios, só uma pessoa havia aprendido alguma coisa: eu mesmo, que aprendi a conter a língua." Pita tinha razão. De outra feita um amigo e admirador o encontrou na plataforma de uma estação do interior, aguardando o trem. Abriu os braços e exclamou: "Seu Pita, que felicidade encontrar o senhor aqui, um mestre, um verdadeiro apóstolo!" Pita tirou o corpo do abraço e respondeu: "Estás redondamente enganado, amigo, eu não sou um apóstolo, mas uma pústula." De outra feita ainda, falando sobre a dignidade humana, no Centro Luz e Verdade de Marília, disse: "O homem ruim é a pior coisa que existe no mundo. É pior que o pior dos animais. Um boi ruim, arrombador de cercas, que vive chifrando os outros bois, o dono o mata e aproveita tudo o que o seu corpo oferece: o couro, a carne, os ossos, os chifres e até mesmo os cascos. Mas de um homem ruim nada se aproveita. Morto, tem de ser enterrado às pressas para não empestar a casa com o seu mau cheiro."

Nestes apólogos reais transparece o perfil da nova moral que o Espiritismo nos trás. Suas normas rejeitam as complicações e ritos do passado, simplificam os processos da vida, substituem as parolagens pela explicação didática, o formalismo pela naturalidade, os aplausos pelo debate, a hipocrisia dos louvores pela pergunta socrática: "O que é isso?" A moral espírita é objetiva, exige a verdade da prova, põe de molho as revelações fabulosas, não admite a mentira, a hipocrisia, a falsidade nas relações sociais. A verdade é a sua essência, pois é a verdade a moral legítima, que não contradiz a realidade nem transforma o amor em crime e as exigências vitais em vergonha e pecado. Por isso mesmo, o pecado não pertence à sua terminologia. Durante milênios os beatos bateram no peito dizendo: "Nós, pecadores", e continuaram pecando em todos os sentidos. Agora o pecado acabou, desgastou-se no tempo, deixou de existir. A moral espírita obriga o homem a despir-se de seus modismos e de suas fantasias para encarar a realidade face a face e ver a sua própria face no espelho do seu meio social, que lhe reflete os defeitos e as virtudes, os erros e os acertos nas consequências de suas atitudes e do seu comportamento. Ser o que é, não fingir nem tergiversar, essa é a exigência básica da verdadeira moral. Uma assembleia espírita de elogios mútuos e salamaleques não é espírita, será quando muito espiritóide, ou seja, uma falsificação ridícula de reunião espírita. Do contrário, o Espírito da Verdade teria perdido o seu tempo e Kardec a abnegação de toda a sua vida.

J. Herculano Pires do livro:
O mistério do Ser ante a dor e a morte

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