quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Fielmente

Fielmente

Joanna de Ângelis


“O bem e mal que fazemos decorrem das qualidades que possuímos. Não fazer o bem quando podemos é, portanto, o resultado de uma imperfeição. Se toda imperfeição é fonte de sofrimento, o Espírito deve sofrer não somente pelo mal que fez como pelo bem que deixou de fazer na vida terrestre.”
O CÉU E O INFERNO 1ª parte — Cap. 7º — Item 6.
Cônscio das lutas reservadas aos fiéis trabalhadores da sementeira evangélica, Jesus foi definitivo: “No mundo — disse Ele — só tereis aflições”.

Comparava o Senhor a caminhada cristã ao ingente trabalho sobre a gleba humilde e boa, para a aquisição do pão.

Aqueles que desejassem serenidade antes da sementeira e bênção antes do merecimento, certamente veriam com desencanto a terra cobrir-se de cardo e urze perdendo o tempo e a oportunidade. E, se repousam prematuramente, reservam ingentes lutas para a própria subsistência no futuro.

No entanto, cientificados da necessidade de laborar, se se dispusessem a aprofundar sulcos, vergastando abismos para que os grãos atingissem a madre interna do solo, sofreriam o acúleo, a tormenta, a canícula e o cansaço, banhando-se de suor, mas de olhos fitos no chão coberto de vegetação e nos dedos do arvoredo, amparados pelos frutos.

Não se revoltariam por lutar nem se deixariam abater se a terra lhes negasse as primeiras dádivas, na colheita.

Pelo tirocínio, o homem sabe que, plantando, a produção advirá se os requisitos necessários forem observados e o trabalho for desenvolvido dentro das injunções tecnológicas.

É compreensível, portanto, o não haver lugar no mundo dos negócios nem dos prazeres para os lídimos cristãos. Não têm eles a pretensão de receber eflorescência antes da sementeira nem se podem candidatar à colheita enquanto a terra coberta de urze se consome na inutilidade. Sabem que o tempo desperdiçado na inoperância é abuso da fortuna do Senhor e é roubo à atividade da vida.

Por essa razão, sofrem.

Quanto mais se deixam absorver pela luta fastidiosa, sob o sol causticante, mais se lhe acentuam as rugas da dor, mais se aprofundam as feridas das mãos, mais se avoluma o cansaço sobre as costas. Porque o trabalhador fiel não se detém a reclamar nem a exigir; ele sabe que há tempo para semear como há tempo para colher.

Espíritas! Serviço cristão é sofrimento, porta de serviço para a renovação de si mesmo, estrada longa a percorrer sítios difíceis a transpor!

Náufragos não têm condições de escolher batéis salva-vidas; presidiários não podem escolher sítios para a liberdade; déspotas, no ofício da reparação, não dispõem de credenciais para as tarefas a executar.

A tua é a acre-doce luta da transformação interior.

Muitas vezes o vinagre da ingratidão ser-te-á o tônico de reconforto sob a canícula solar.

A mão espalmada do “vingador” sobre ti representará a cobrança da dívida adiada, que não podes reclamar; o desprezo, em forma de escárnio traduzirá o apelo-convite à humanidade que não pode ser desconsiderada.

E a solidão, originária nas vergastadas e no abandono te conduzirá à trilha por onde chegarás ao porto da espiritualidade maior.

Ninguém guarde, por enquanto, coroas brilhantes para a cabeça nem se iluda com os ouropéis mentirosos que enganam o tempo.

Tapetes estendidos para os teus pés podem esconder abismos, como muitas pinturas brilhantes disfarçam manchas e escabrosidades...

Tua tarefa é de sublimação interior no dia a dia. Para quem sabe discernir cada dia guarda uma lição; cada lição é mensagem de experiência; cada experiência significa aprendizado; cada aprendizado representa bênção e cada bênção traduz oportunidade evolutiva.

Aproveita, assim, as ensanchas que te surgem mesmo com as suas carregadas tintas e aprende a silenciar a ofensa, a desculpar o ultraje, a esquecer a malquerença, pontificando no bem infatigável sob chuvas de granizo ou vapores terrificantes de calor. Não pretendas melhor dádiva do que aquela com que foi aquinhoado o Mestre a quem serves, que, vendido, açoitado, escarnecido, e plantado numa cruz, ainda foi constrangido pela dúvida de Tomé, companheiro desatento que estava ausente...

E, se duvidam de ti — bendize ao Senhor; se zombam de ti — confia no Senhor; se te abandonam — busca o Senhor que recebeu por companheiros, à hora extrema, dois criminosos que a penologia atual, embora não os levasse à cruz, daria a cela úmida e imunda do presídio a fim de cerceá-los do convívio social em nome da ética e dos direitos legais da Sociedade.

Joanna de Ângelis por Divaldo Franco do livro:
Espírito e Vida

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