quinta-feira, 4 de agosto de 2022

O Espiritismo não é arte adivinhatória

O Espiritismo não é arte adivinhatória

Indalício Mendes

Em artigos anteriores, dissemos da posição que o médium deve adotar em face da Mediunidade. Demonstramos que a profissionalização do serviço mediúnico representa um desrespeito à misericórdia divina, e que nada mais é, do ponto de vista moral, do que a simonia (compra e venda de coisas espirituais como indulgências e sacramentos ou mesmo benefícios eclesiásticos) que se observa em certas religiões. Quem se vale do trabalho mediúnico para ganhar dinheiro ou obter qualquer outra vantagem de ordem material, trai a Jesus, reeditando o episódio de Judas Iscariotes, que trocou a desgraça por trinta dinheiros.

O médium deve lutar com todas as suas forças contra essa tentação. Não deve esquecer-se de que Jesus expulsou do templo os vendilhões, e tão reprovável considerou o atrevimento deles que empregou meios e palavras enérgicas, conforme refere João (2:14 a 17): "não façais da casa do meu Pai uma casa de negócio". Muito pior, sem dúvida, é o ato daqueles que mercantilizam o dom mediúnico, o qual constitui crime contra a majestade de Deus, vilipêndio à personalidade amorosa de Jesus.

A vaidade é outro dos grandes perigos que rodeiam os médiuns. Porque deve o médium envaidecer-se, uma vez que o "seu trabalho" não é rigorosamente trabalho seu, sendo ele apenas instrumento para que se realize o trabalho de um mensageiro espiritual? Porque ter vaidade e orgulho, se a qualidade que mais enobrece o médium é a humildade esclarecida. São palavras do Mestre amado: "...todo aquele que se exalta será humilhado; mas todo aquele que se humilha será exaltado". Ser humilde não é senão ser modesto, nunca servil. Jesus traçou o itinerário moral que pode levar o homem ao bem-estar espiritual, ensinando-lhe a olhar para a frente e para o alto, sem orgulho, sem vaidade, mas com firmeza e, fé, com modéstia e serenidade. A humildade esclarecida é uma força: a altivez arrogante, uma fraqueza.

Eis porque nos entristecemos quando vemos um médium ensoberbecido, cheio de si, falastrão, egocêntrico, com ares de superioridade, quando, a rigor, não é mais do que um fonógrafo... Só fala quando lhe põem um "disco"... Há dias chegou-nos às mãos curioso cartão de visita, de um médium pouco esclarecido. Diz assim: "Fulano de Tal - médium formado pelo Centro X"!!! No caso, a maior responsabilidade é dos dirigentes dessa agremiação "soi-disant” (que se faz passar por) espírita, pois que a eles cabe o dever de encaminhar corretamente aqueles que por lá apareçam, desejosos de receber ensinamentos, luzes e caridade, ou que o frequentam para desenvolver suas qualidades mediúnicas. Já têm sido feitas tentativas para "doutorar" médiuns. Ora, qualquer pessoa pode "doutorar-se" em Espiritismo sem precisar de diplomas ou atestados a anéis de grau. Basta que estude diariamente o Evangelho de Jesus e procure exemplificar as lições do Mestre, porque só Ele tem real autoridade para laurear seus discípulos. Esses lauréis, no entanto, não têm preço material, porque sua cotação se faz espiritualmente. Quanto menos apegado for o homem às coisas inferiores da Terra, mais alto se colocará no julgamento divino.

A insinceridade é outra nódoa que enfeia a aura de muitos médiuns. Na ânsia de parecerem em condições de dar o que não podem, recorrem à simulação ou permitem, pelas facilidades que oferecem, manifestações puramente anímicas. Num caso, enganam o próximo; noutro, à si mesmos e a outrem. Os médiuns que traem sua nobre missão, acabam tristemente. Mas há também os que, não sendo médiuns, se imiscuem no ambiente espírita para explorar a credulidade dos simples. São os falsos profetas de que nos fala Jesus no Evangelho: Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós com vestes de ovelhas, mas por dentro são lobos vorazes". O Espiritismo nada tem que ver com a cartomancia, a quiromancia, a astromancia, a horoscopia, etc., pois para exercê-las não é imprescindível o trabalho mediúnico, embora, possa um cartomante, quiromante, astromante, ou horoscopista possuir, concomitantemente, qualidades mediúnicas, de vez que estas independem da natureza física e moral do indivíduo, da sua profissão, do seu grau de instrução, das suas tendências ou preferências. O próprio Allan Kardec afirmou: "Assim como a Astronomia destronou os astrólogos, o Espiritismo veio destronar os adivinhos, os feiticeiros e os que liam a buena dicha" (sorte boa ou má de uma pessoa, supostamente revelada por algum procedimento ocultista como a leitura de cartas, linhas das mãos). O Espiritismo, portanto, não tem por fim lançar-se a remígios adivinhatórios, ou a prognósticos ocultos do destino pois sua função na Terra é bem mais elevada e importante, visto como se destina a reformar o caráter humano, condicionando-o às necessidades evangélicas. Seu objetivo é grandioso, de vez que já representa o restabelecimento do verdadeiro Cristianismo entre os homens, pela pureza da sua Doutrina, pela conjunção de vista entre as grandes entidades espirituais que encabeçam as legiões de trabalhadores de Jesus e os mentores das organizações espíritas cristãs, fiéis aos programas estabelecidos para a sua rota terrena. É o "Irmão X." na obra mediúnica Lázaro Redivivo, quem nos completa o pensamento ao declarar: "Se o Espiritismo tivesse por advogados tão somente os magos do revelacionismo barato, a grande doutrina jamais passaria de movimento anedótico, em que o palpite e o boato se encarregariam de interceptar a luz divina". São inúmeros os casos de médiuns que predisseram o futuro, mas em caráter excepcional e obedecendo a fins superiores, como, por exemplo, Swedenborg e Nostradamus, para mencionar apenas dois. O leitor poderá surpreender-se e perguntar "Nostradamus?" Sim, Nostradamus. Ele próprio confessou, na famosa carta ao rei Henrique II, de 14 de Março de 1547, que as suas profecias foram "compostas sobretudo por uma natural intuição". Médium intuitivo de grande poder, Nostradamus foi também médium vidente, conforme revelou nestas palavras constantes da carta referida: "...confesso firmemente que todas as minhas fontes de inspiração vêm de Deus, a quem eu rendo graças, honra e louvores imortais; que não lhes misturei nenhuma adivinhação proveniente do Acaso, mas que elas são da natureza de Deus; que apontei tudo em relação com o curso dos astros, como se percebesse um espelho de fogo e através de uma visão nebulosa, os grandes acontecimentos tristes ou prodigiosos, assim como os calamitosos casos que se aproximam", etc.

Feita esta ligeira digressão em torno de Miguel de Nostradamus, desejamos salientar que, hoje, os tempos são outros. Em Sua época, Nostradamus talvez não pudesse ter dito como se punha em comunicação com o Desconhecido. Por muito menos outros "profetas" foram lançados à fogueira como feiticeiros. Os fenômenos espíritas já existiam, pois se presume que existam desde que o homem habita a Terra. O Velho Testamento nos dá numerosos exemplos de manifestações mediúnicas, de ocorrências tipicamente espíritas. Antes, iremos encontrar vestígios impressionantes do mediunismo na vida de antigos povos orientais, pois "há, para todas as coisas, um tempo determinado por Deus" consoante o "Eclesiastes".

Emprestar-se ao Espiritismo função adivinhatória, será deturpar sua real finalidade amesquinhá-lo e comprometê-lo. A nossa Doutrina é de Jesus, caracteriza-se por sua simplicidade e elevação de propósitos, de modo que só pode ser confundida por quem não possua olhos de ver. Espiritismo é somente, e exclusivamente, Espiritismo. Não é, como bem disse o Codificador, uma arte de adivinhar e especular

Indalício Mendes
Revista Reformador Dez. 1951
FEB

 Indalício Mendes

O jornalista e escritor Indalício Mendes foi o fundador do jornal de nossa CASA, "O Cristão Espírita", mas foi também e principalmente um dos grandes redatores de "O Reformador" - a admirável revista da Federação Espírita Brasileira -, onde mais de 600 artigos se sucederam ao longo de 32 anos de trabalho, constituindo, em seu conjunto, uma das maiores e mais valiosas coleções do gênero produzidas no Brasil, pela diversidade de temas abordados e pela riqueza de conteúdo doutrinário que reúne.
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