quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Os provérbios da contabilidade divina

Os provérbios da contabilidade divina

João Marcus 

(Pseudônimo de Hermínio C. Miranda)



Não sei se o leitor amigo já teve oportunidade de deter-se no exame de algumas expressões e ditos que nenhuma justiça fazem à ideia sublime de Deus.

Uma delas é aquela que diz que “pagam os justos pelos pecadores”. Jamais o justo pagará coisa alguma em lugar do pecador. Não há quem pague o que não deva. Aquela concepção inexata dos fatos somente pode decorrer do desconhecimento total da doutrina reencarnacionista. Quando assistimos na vida terrena ao sofrimento da criatura boa, caridosa e justa, estamos certos de que ela está resgatando faltas antigas, de suas existências anteriores, a não ser naqueles casos mais raros, em que o Espírito encarnado, embora altamente evolvido, escolheu livremente missão de sacrifício para ajudar irmãos e companheiros que ainda se demoram no erro.

Da mesma forma, quando o sofrimento e a angustia nos atingem, o primeiro impulso é lamentar em altos brados: “Que fiz para merecer tamanha desgraça?” Muitos irmãos menos esclarecidos duvidam da justiça divina, que, no entender deles, condena e aplica penalidades em seres aparentemente desprovidos de culpa. Mas, que sabemos nós do que fizemos de errado através da série enorme de vidas que vivemos? A dor que nos atinge é, pois, o sinal da redenção. Se pagamos é porque devemos, de vez que, na contabilização minuciosa dos nossos atos, nenhuma ação ocorre sem a correspondente reação. O sofrimento deve, assim, ser recebido com humildade, com gratidão, com firmeza, porque é a única moeda com a qual conseguimos resgatar nossos compromissos, de há muito vencidos nos refolhos da Lei. Quanto mais cedo nos quitarmos com nossos credores, mais cedo poderemos desfrutar da suprema alegria da paz espiritual.

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Outros ditos existem, forjados talvez por alguém que não tinha ainda a visão muito clara de certas leis da vida e da vontade do Pai. De outra forma, não se diriam coisas como esta: “Deus dá nozes a quem não tem dentes”, ou esta outra: “Deus dá asas a quem não sabe voar." Além de pressuporem a existência de um Deus vingativo e maldoso que se diverte em suprir de nozes a quem não tem dentes para mastigá-las, ou asas a quem não pode utilizá-las, esses provérbios revelam absoluto desconhecimento das leis cármicas.

Se hoje temos nozes e não podemos comê-las para matar a fome que nos devora as entranhas, é porque ontem, num passado que se perde na poeira dos séculos, muita fome e muita miséria fizemos sofrer a pobres irmão nossos. É porque tínhamos demais e não soubemos dar. É porque nem mesmo a migalha das nossas mesas atirávamos aos infelizes lá fora. É porque, enceguecidos pelo egoísmo da matéria, comíamos nossas nozes regaladamente, à vista da criança faminta. Se hoje não voamos com as “asas" que temos, é porque noutras eras voamos para os abismos do crime e da miséria moral, em vez de nos alçarmos às esferas de luz e de amor. De mais a mais, a punição e o sofrimento não vêm das mãos de Deus; nós mesmos os criamos, como contrapartida irrecusável ao praticarmos nossos erros. O equilíbrio no balanço da vida só se obtém por partidas dobradas, tal qual ensinam as normas clássicas da Contabilidade. A falta que cometemos contra o irmão fica debitada à nossa conta e, simultaneamente, creditada a uma conta a resgatar, em futuro próximo ou longínquo. Da mesma forma, o gesto de caridade e amor, de perdão e ajuda, escritura-se, com larga bonificação, a crédito de nossa conta corrente, representando, do outro lado, lucro líquido e certo em favor do nosso desenvolvimento espiritual, superavit cambial divino, com o qual resgatamos dívidas morais.

Lavoisier dizia que nada se perde, tudo se transforma. O sábio, no entanto, reportava-se a leis materiais. Poderíamos estender seus conceitos às leis morais, pois que nenhum gesto de bondade e de amor se perde no vazio. A cada um deles corresponde uma compensação, muitas vezes superior ao mérito da ação que praticamos. Igualmente, nenhum gesto de crueldade se perde. Sendo, como é, uma atitude negativa, cria uma espécie de “molde” espiritual que um dia será utilizado contra nós mesmos. Assim, se nós próprios criamos nosso futuro de dores, preferindo livremente o mal, por que atribuirmos a Deus sentimentos mesquinhos de vingança e de castigo?

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Outro provérbio invigilante é este: “Parentes são os dentes, mesmo assim mordem a gente.” Além da rima forçada, essa frase também revela desconhecimento da sábia lei da reencarnação. Os parentes que temos nesta vida são os que merecemos de acordo com o grau de evolução espiritual que atingimos. Algumas vezes, nós mesmos escolhemos a família no seio da qual desejamos renascer. De outras, os nossos compromissos com a Lei são tão sérios, que nossos mentores nos trazem caridosamente para o meio que melhor atenda ao nosso desenvolvimento. Assim, o antigo assassino recebe como filho aquele de quem noutra existência roubou a vida. Os inimigos irreconciliáveis nascem sob o mesmo teto, muitas vezes como irmãos gêmeos, para reaprenderem a lei do amor, da tolerância, da cooperação. O filho inválido, do qual somos obrigados a cuidar, foi talvez aquele que sacrificamos em passadas existências. O parente transviado, que tantas angústias e sobressaltos hoje nos causa, não seria aquele que nós mesmos ajudamos a transviar em vidas pretéritas?

Vemos, assim, que os parentes não mordem a gente, como diz o ditado, apenas se congregam em tomo de nós para que juntos aprendamos a nos amparar, sofrer e caminhar. Entendemos, com os mestres do Espiritismo, que não pode haver felicidade, nas sublimes mansões do Espaço, para aqueles que deixaram pais, irmãos, filhos, parentes, em geral, ainda presos ao cipoal do erro. Nós mesmos, embora já conscientes de algumas leis superiores da vida, quanto ainda não precisamos evoluir para alcançar aqueles que lá de cima velam por nós, esperam por nós e sofrem por nós? A família é, pois, um grupo que caminha, oferecendo mútuo amparo, revezando-se aqui na Terra e no Além, uns na carne, outros em espírito. Por que, então, o dito amargo de que “mordem a gente”?

Meu caro amigo: vamos começar a desfazer esses provérbios mal formados e mal informados?

João Marcus

Hermínio C. Miranda
(Sob pseudônimo de João Marcus), do livro:
Candeias na noite escura
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Nota explicativa: - Hermínio C. Miranda também assinava seus artigos como João Marcus e H.C.M. Este expediente foi sugerido pelo editor da Revista Reformador para que pudessem ser publicados mais artigos dele em uma mesma revista. 

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