Os limites da liberdade
Richard Simonetti
"Em que condições poderia o homem gozar de absoluta liberdade?" "Nas do eremita no deserto. Desde que juntos estejam dois homens, há entre eles direitos recíprocos que lhes cumpre respeitar; não mais, portanto, qualquer deles goza de liberdade absoluta." Questão n° 826 (Da Lei de Liberdade).
Um naufrago vem ter a uma ilha deserta. Constrói tosca habitação e ali se instala. Sua liberdade é plena. Movimenta-se a vontade. Faz e desfaz, conforme lhe parece conveniente, senhor absoluto daquela porção de terra.
Passados alguns meses surge outro náufrago. A situação modifica-se. O primeiro experimenta limitações. A não ser que se disponha a eliminar o recém-chegado, descendo à barbárie, forçoso será reconhecer que seu direito de dispor da ilha esbarrará no direito do companheiro em garantir a própria sobrevivência. Terão, pois, que dividir os recursos existentes: Agua potável, animais, peixes, vegetais e o próprio espaço físico, se viverem em habitações separadas. Pela mesma razão sua liberdade restringir-se-á, na medida em que outros náufragos apareçam.
Algo semelhante ocorre na vida comunitária, onde nossa liberdade é relativa, porquanto deve ser conciliada com a liberdade dos concidadãos, considerando que o limite de nosso direito é o direito do próximo. A inobservância desse principio fundamental gera, invariavelmente, a desordem e a intranquilidade. As implicações dessa equivalência de direitos são extensas. Fácil enunciar alguns exemplos:
Não nos é licito, na vida comunitária, dar livre expansão a impulsos como o de transitar de automóvel pelas ruas a velocidade de cem quilômetros horários; a ninguém é permitido, em logradouro público, postar-se nu, nem ali despejar lixo ou satisfazer determinadas necessidades fisiológicas.
A liberdade de movimentação é restrita. Vedado nos é invadir uma propriedade alheia ou recintos de diversão como cinema ou teatro. Mister sejamos convidados ou nos disponhamos a pagar o ingresso.
Impedidos estamos até mesmo de permanecer na inércia, se fisicamente aptos, porquanto não nos pertencem os bens comunitários. Alimentos, abrigo, roupas, indispensáveis ao nosso bem-estar e a própria subsistência, pertencem Aqueles que os produzem. Somos chamados a produzir, também, com a força do trabalho, a fim de que, em regime de permuta, utilizando um instrumento intermediário, o dinheiro, possamos atender às nossas necessidades.
A perfeita compreensão dos deveres comunitários, que restringem a liberdade individual, é virtude rara. Por isso existem mecanismos destinados a orientar a população e conter suas indisciplinas. Há leis que definem direitos e obrigações. Há órgãos policiais para fiscalizar sua observância. Os infratores sujeitam-se às sanções legais, que podem implicar até no confinamento em prisões por tempo determinado, compatível com a natureza dos prejuízos causados a alguém ou à sociedade.
Quanto maior a expansão demográfica e a concentração urbana, mais difícil o controle da população. E há infrações que nem sempre podem ser enquadradas como delitos passíveis de punição ou nem sempre podem ser rigorosamente detectadas e corrigidas pelas autoridades.
Assim ocorre com o industrial cuja fábrica despeja poluentes na atmosfera e nos rios; com o jovem que transita com o escapamento de sua motocicleta aberto, gerando barulho ensurdecedor; com o alcoólatra que se comporta de forma inconveniente na rua; com o fumante que, em recinto fechado, expira baforadas de nicotina, obrigando os circunstantes a fumarem com ele; com o pichador de paredes que polui moral e culturalmente a cidade, desenhando frases de mau gosto e obscenidades; com o maledicente que se compraz em denegrir reputações, e muitos outros que revelam total desrespeito pelos patrimônios individuais e coletivos da comunidade e pelo inalienável direito comum à tranquilidade.
Todavia, estes impenitentes individualistas, ilhados numa visão egocêntrica de vida, saberão, mais cedo ou mais tarde, que nenhum prejuízo causado ao semelhante ficará impune.
E se a justiça da Terra é impotente para sentenciar os infratores, a justiça do Céu o fará, inelutavelmente, confinando-os em celas de desajuste e infelicidade, na intimidade de suas consciências, impondo-lhes renovadoras reflexões.
Aprendemos todos, por experiência própria, que há limites perfeitamente delineados em nossa liberdade de ação e que o mínimo que nos compete, em favor de nossa felicidade, é não perturbar o próximo, tanto quanto estimamos que ele não nos perturbe.
Richard Simonetti do livro:
A Constituição Divina
Declaração de Origem
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