quinta-feira, 25 de maio de 2023

Qualificação de Santo aplicada a certos Espíritos

Qualificação de Santo aplicada a certos Espíritos

Revista Espírita Abril 1866 
Allan Kardec



Num grupo de província, tendo-se apresentado um Espírito sob o nome de “São José, santo, três vezes santo”, deu lugar a que se fizesse a seguinte pergunta:

Um Espírito, mesmo canonizado em vida, pode dar-se a qualificação de santo, sem faltar à humildade, que é um dos apanágios da verdadeira santidade e, invocando-o, concorda que lhe deem esse título? O Espírito que o toma deve, por esse fato, ser tido por suspeito?

Um outro Espírito respondeu:

“Deveis rejeitá-lo imediatamente, pois tanto valeria um grande capitão se vos apresentando exibindo pomposamente seus numerosos feitos de armas, antes de declinar o seu nome, ou um poeta que começasse gabando os seus talentos. Veríeis nessas palavras um orgulho deslocado. Assim deve ser com homens que tiveram algumas virtudes na Terra e que foram julgados dignos de canonização, Se eles se vos apresentam com humildade, crede neles; se vierem se fazendo preceder da santidade, agradecei e nada perdereis. O encarnado não é santo porque foi canonizado: só Deus é santo, porque só Ele possui todas as perfeições. Vede os Espíritos superiores, que conheces pela sublimidade de seus ensinamentos: não ousam dizer-se santos; qualificam-se simplesmente de Espíritos de verdade.”

Esta resposta requer algumas retificações. A canonização não implica a santidade, no sentido absoluto, mas simplesmente um certo grau de perfeição. Para alguns a qualificação de santo tornou-se uma espécie de título banal, fazendo parte integrante do nome, para distinguir de seus homônimos, ou se lhes dá por hábito. Santo Agostinho, São Luís, São Tomás, podem, pois, antepor o vocábulo santo à sua assinatura, sem que o façam por um sentimento de orgulho, que estaria tanto mais deslocado em Espíritos superiores que, melhor que outros, nenhum caso fazem das distinções conferidas pelos homens. Seria o mesmo com os títulos nobiliárquicos ou as patentes militares. Seguramente o que foi duque, príncipe ou general na Terra não o é mais no mundo dos Espíritos e, entretanto, assinando, poderão tomar essas qualificações, sem que isto tenha consequência para o seu caráter. Alguns assinam: aquele que, em vida na Terra foi o duque de tal. O sentimento do Espírito se revela pelo conjunto de suas comunicações e por sinais inequívocos em sua linguagem; é assim que a gente não se pode enganar quanto aquele que começa por se dizer: “São José, santo, três vezes santo.” Só isto basta para revelar um Espírito impostor, enfeitando-se com o nome de São José. Assim, pôde ver que, graças ao conhecimento dos princípios da doutrina, sua malandragem não encontrou crédulos no círculo onde quis introduzir-se.

O Espírito que ditou a comunicação acima é, pois, muito absoluto no que concerne a qualificação de santo e não está certo quando diz que os Espíritos superiores se dizem simplesmente Espíritos de verdade, qualificação que não passaria de um orgulho disfarçado sob outro nome, e que poderia induzir em erro, se tomado ao pé da letra, porque nenhum se pode gabar de possuir a verdade absoluta, nem a santidade absoluta. A qualificação de Espírito de verdade não pertence senão a um só, e pode ser considerada como um nome próprio. Está especificada no Evangelho. Aliás, esse Espírito se comunica raramente e apenas em circunstâncias especiais. É preciso manter-se em guarda contra os que indevidamente se enfeitam com esse título. São fáceis de reconhecer, pela prolixidade e pela vulgaridade de sua linguagem.

Allan Kardec
Revista Espírita de Julho de 1866

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