sexta-feira, 11 de junho de 2021

O "Livro dos Médiuns" de Paulo, Apóstolo.

O "Livro dos Médiuns" de Paulo, Apóstolo.


A mediunidade

Hermínio C. Miranda



A primeira explosão mediúnica de Paulo é também a mais dramática: a visão esplendorosa da estrada para Damasco que, num impacto arrebatador e irresistível, mudou o rumo dos seus passos. Pelo que hoje sabemos, no entanto, dessa notável faculdade humana, não é ali que se implanta a mediunidade de Paulo; é ali que ela eclode, em toda a sua pujança, numa estrutura espiritual em que já se encontrava em potência. Não sabemos se antes da visão sublime outros fenômenos mediúnicos ocorreram com Saulo, mas é bastante provável. Além do mais, o fanatismo desesperado, ao qual se entregou nos primeiros tempos de sua carreira contra as pobres criaturas do Caminho, nos leva a suspeitar nele influência espiritual negativa. É bem possível que, valendo-se de seus recursos mediúnicos, latentes e desprotegidos, aqueles que se opunham aos trabalhos de divulgação do Cristianismo nascente tenham procurado desviá-lo de seus compromissos. É evidente que Paulo não foi convocado para as tarefas apostolares naquele momento em que caiu sobre a areia do deserto. Jesus não o convida, limita-se a lembrar-lhe o seu compromisso, dizendo-lhe da inconveniência de adiar a tarefa, recalcitrando contra o aguilhão. O mesmo pensamento é expresso a Ananias, a quem Jesus informa que Paulo é um instrumento previamente escolhido para levar a palavra de fé a toda parte. A escolha precedeu o nascimento de Paulo, tendo sido feita, obviamente, no mundo espiritual. Paulo sabe disso e assim informa aos Gálatas:
- Mas quando Aquele que me separou desde o seio de minha mãe e me chamou por sua graça houve por bem revelar em mim a seu Filho para que eu o anunciasse aos gentios, sem pedir conselho nem à carne nem ao sangue...
Ele mesmo se confessa separado antes de nascer. Sua tarefa já veio definida: é a da pregação entre os gentios e seu aprendizado não vem dos homens – nem da carne, nem do sangue -, mas do mundo espiritual, através da mediunidade, da inspiração. Sua existência é toda ela orientada do mundo espiritual e ele cada vez melhor se ajusta e se afina com os seus companheiros desencarnados, especialmente depois que Jesus designa Estevão, como seu guia espiritual, seguido de perto, em todas as circunstâncias, pela figura muito amada de Abigail. É o espírito desse generoso amigo que assiste, inspira e protege o seu ex-verdugo. É Abigail quem o segue na tarefa de sustentá-lo com o amor nas lutas ásperas que tinha de enfrentar. Nem tudo foi possível registrar nos Atos dos Apóstolos, mas o que ali ficou é suficiente para indicar na vida terrena de Paulo o apoio e a orientação que fluía do mundo espiritual sobre ele.

Sua mediunidade foi se desenvolvendo e se aperfeiçoando. É no trato com seus amigos desencarnados e, em alguns momentos mais importantes, com o próprio Jesus, que Paulo colhia forças e inspiração para as suas tarefas gigantescas, às vezes quando tudo parecia perdido ou terminado. Em algumas oportunidades, o mundo espiritual não se limitava a inspirar, mas dizia claramente o que competia fazer.

Vejamos alguns desses episódios decisivos sobre os quais se montou toda a estrutura da propagação do Evangelho.

A Igreja de Antioquia, desde muito cedo, foi uma célula de Espiritismo cristão. Foi exatamente por temer desvios que levassem os peregrinos do Caminho à perda, que os apóstolos de Jerusalém resolveram mandar Barnabé a Antioquia, em tarefa de inspeção, para que se ajuizasse da extensão e profundidade dos riscos envolvidos no que ali se passava. Descobrira-se que a mensagem de Jesus, trazida pelos judeus cristãos que fugiam às perseguições, começava a atrair os gentios também. Barnabé, "quando chegou e viu a graça de Deus, alegrou-se e exortava a todos a permanecerem com o coração firme, unidos ao Senhor, porque era um homem firme, unidos ao Senhor, porque era um homem bom e cheio do espírito santo e da fé. E uma considerável multidão se chegou ao Senhor." (Atos 11:23-24)

Barnabé, homem bom, cheio do espírito santo e da fé... As complexidades teológicas que se enovelaram em torno dos ensinamentos primitivos haveriam de desvirtuar mais tarde o verdadeiro sentido da expressão espírito santo. Naquele tempo o homem cheio do espírito santo era o que mantinha contato com o mundo espiritual através da faculdade a que Allan Kardec chamaria no século XIX de mediunidade.

Barnabé não via, pois, nada que desaprovar nas práticas da Igreja de Antioquia. Ao contrário, tão interessado ficou nelas que foi a Tarso buscar a colaboração de um amigo: Saulo. As práticas mediúnicas se consolidaram. Essa comunidade, no dizer de Emmanuel, "foi dos raros centros apostólicos onde semelhantes manifestações (vozes diretas) chegaram a atingir culminância indefinível."

"A Igreja – prossegue Emmanuel, adiante – tornou-se venerável por suas obras de caridade e pelos fenômenos de que se constituíra organismo central." A narrativa dos Atos é toda ela muito fiel e precisa, pois Lucas escreve claro e com a segurança do seu testemunho pessoal. Seu conhecimento da Igreja de Antioquia é de primeira mão, porque foi ali que começou sua gloriosa carreira de trabalhador do Evangelho. É um tributo à sua modéstia o fato de que sua figura humana se tenha apagado na renúncia humilde para que brilhassem os ensinamentos do Cristo e a história daquelas lutas homéricas, mais do que a história dos homens que a realizaram. Se não fosse Emmanuel, não ficaríamos nem sabendo que foi Lucas quem propôs o nome de cristãos aos seguidores do Mestre. Os Atos (11:26) dizem apenas isso:
- Em Antioquia foi onde, pela primeira vez, os discípulos receberam o nome de "cristãos".
Podemos, pois, ter confiança naquilo que escreveu o querido evangelista, quando afirma o conteúdo mediúnico da comunidade de Antioquia.

Os termos são inequívocos em Atos 13:1-4:

- Havia na Igreja de Antioquia profetas e mestres: Barnabé, Simeão, chamado Niger, Lúcio, o Cirineu, Manahem, irmão de leite do tetrarca Herodes, e Saulo. Enquanto estavam celebrando o culto do Senhor e jejuando, disse o Espírito Santo: "Separem-me Barnabé e Saulo para a obra para a qual foram chamados." Então, depois de haverem jejuado e orado, lhes impuseram as mãos e os enviaram. Eles, pois, enviados pelo Espírito Santo, baixaram a Seleucia e dali navegaram para Chipre.

Se Lucas tivesse hoje de escrever essa notícia, no contexto da Doutrina Espírita, diria mais ou menos o seguinte:
- A igreja de Antioquia era uma comunidade espírita cristã, onde atuavam alguns médiuns e doutrinadores: Barnabé, Simeão, Lúcio, Manahem e Saulo. Certa vez, quando realizavam o culto do Evangelho, manifestou-se um Espírito que lhes recomendou que Barnabé e Saulo partissem a divulgar a mensagem do Cristo, pois para isso haviam sido escolhidos. Em seguida, depois de um período de recolhimento, durante o qual todos oraram e jejuaram, os médiuns deram passes nos dois amigos por meio da imposição das mãos e eles partiram, tal como o Espírito havia recomendado, rumo a Chipre.
Os grupos espíritas sabem hoje que a mediunidade se desenvolve e se disciplina no recolhimento, nas renúncias, na oração, tudo isso secundado pelos passes de outros médiuns já desenvolvidos e afeitos à tarefa espiritual. O procedimento é hoje idêntico ao daqueles tempos recuados e somente quando a fonte é a mesma pode a prática ser tão maciçamente consistente como tem sido. Veremos isso ao longo de todo aquele tempo aureolado de luzes celestes em que o Cristianismo se implantou na terra, aparentemente de baixo para cima, mas, na realidade, de cima para baixo. De outra forma, como se explicaria o êxito sem precedentes daquela doutrina que, confiada a um punhado de humildes trabalhadores incultos, pôde renovar em pouco tempo o mundo inteiro das crenças e descrenças? As comunidades se mantinham em permanente intercâmbio com os Espíritos orientadores do movimento. Por toda parte os desencarnados se manifestavam. Era impossível prendê-los, torturá-los e exterminá-los. Era impossível obrigá-los à apostasia – eles continuavam a divulgar a mensagem imortal de Jesus e a espalhar consolações inesquecíveis no meio daquela pobre gente batida pela perseguição de um mundo que recusava Cristo. Sem a mediunidade, o Cristianismo não seria o que foi. Há, porém, uma classe de espíritos tão aferrados à volúpia do poder que qualquer instrumento serve para exercê-lo e, quando o Cristianismo começou a representar também um dispositivo de poder temporal, chegaram-se e ele, sutilmente e sorrateiramente, aqueles que dele queriam apenas a sua estrutura material, humana, sem nenhum interesse real pela contraparte espiritual invisível. E foi assim que, já no princípio do século IV, começaram a extinguir-se, por ordens dos novos "donos", os focos luminosos, onde a mediunidade se exercia nas igrejas cristãs. Foi aí que começou a decadência, não da ideia, da doutrina, mas do movimento em termos espirituais. Daí em diante, é o personalismo, é a sede do poder, o exercício da autoridade, a acumulação das riquezas, o domínio das almas e não a compreensão através do amor. Não tardaria a longa noite medieval do obscurantismo. Ao correr dos séculos, muitos foram convocados para revigorar o poder do espírito na estrutura que se montara sobre o poder temporal, mas a despeito de sacrifícios generosos e sublimados esforços, os êxitos eram parciais, ocasionais, temporários e em pouco tudo voltava à frieza da máquina poderosa que triturava as mais santas esperanças. As mediunidades que surgiam no próprio seio da igreja foram classificadas em dois grupos estanques: aquelas que serviam aos propósitos do poder temporal eram santificadas e preservadas, mas as que se opunham eram impiedosamente esmagadas. Começara a caça à bruxa, isto é, a uma das mais nobres faculdades do ser humano, aquela que lhe permite entender-se com os seus irmãos desencarnados. E, por fim, a mediunidade foi também desvirtuada para servir de instrumento de demolição e não de edificação, porque, desguarnecida da assistência de Jesus, o médico se perde e se entrega à escravidão do erro, como joguete de implacáveis companheiros das trevas.

Foram inúmeros os que assim se extraviaram e contribuíram para que outros tantos também se perdessem pelos atalhos. Nada disso teria acontecido se, em vez de ser eliminada das comunidades cristãs primitivas, a mediunidade continuasse a se desenvolver, como certamente estava programado. Não podemos hoje nem sonhar com as belezas dos píncaros que teríamos alcançado no processo evolutivo, se a mediunidade tivesse sido preservada em toda a sua pureza, como existiam nas primitivas comunidades cristãs. E, nisso, não podemos transferir sumariamente aos outros toda a responsabilidade. Muitos de nós devemos bater no peito, curvados sobre a nossa humildade incipiente e dizer:
- Mea culpa, Senhor!
Foi lamentável esse extravio, e o exemplo que ficou documentado nos Atos e em algumas epístolas de Paulo é suficiente para uma nítida apreciação do fenômeno.

Em Pafos, diante do Sérgio Paulo, Saulo, que ainda não passara a escrever seu nome à romana, provocou mediunicamente a cegueira do mago Barjesus e pela prece lhe restituiu a visão após algumas horas. (Atos 13:6-12)

Em Atos 14:3, Lucas escreve que, em Icônio, Paulo e Barnabé falaram destemidamente do Senhor, "que lhes concedia operar por suas mãos sinais e prodígios, dando assim testemunho da pregação de sua graça". Que sinais e prodígios são esses senão as curas, as manifestações do mundo desencarnado, as profecias, o conhecimento das coisas ocultas que os Espíritos revelavam aos dois trabalhadores do Cristo?

Em Listra (Atos 14:8 e seguintes), Paulo cura um pobre aleijado que se arrastava pelo chão e que saltou de alegria. O incidente mediúnico foi tão espetacular que os apóstolos tiveram grande dificuldade em convencer os habitantes da cidade de que não eram deuses baixados dos céus.

Em Atos 16:6, Lucas informa que os dois missionários mudaram o rumo em obediência às recomendações do mundo espiritual. Tencionavam ir à Ásia, mas o "espírito santo lhes havia impedido de pregar a palavra" naquelas regiões. Não era uma proibição: os planos do mundo espiritual eram outros. A Ásia também receberia a semente, no devido tempo. E Lucas esclarece, em Atos 16:7 e seguintes, como se passaram as coisas:
- Estando já nas proximidades de Mísia pretendiam dirigir-se à Bitínia, mas não lhes consentiu o Espírito de Jesus. Atravessaram, pois, a Mísia e chegaram a Trôade. À noite, Paulo teve uma visão: um macedônio (que ele reconheceu pelas vestes) estava de pé suplicando-lhe: "Vai à Macedônia e ajuda-nos". E, assim que teve a visão, imediatamente decidimos (1) ir à Macedônia, persuadidos de que Deus nos havia chamado a evangelizá-los.
(1) Primeira vez em que a ação é relatada na 1ª pessoa do plural. É que Lucas, encontrado por Paulo em Trôade, segue com a missão: "... chegaram a Trôade..." e "...decidimos ir à Macedônia...".

Em Filipos, Paulo tem oportunidade de demonstrar ao perplexo Silas a profundidade de seus conhecimentos espirituais e de sua experiência com a mediunidade. Identificou com toda a segurança a mistificação de um Espírito que se manifestava através da jovem, cujas faculdades eram exploradas comercialmente por dois indivíduos. Paulo afastou o Espírito embusteiro que tentava envolvê-los com as suas louvações e, segundo o relato de Emmanuel, deu longas e precisas informações a Silas sobre o exercício da mediunidade e dos cuidados para evitar a mistificação. Conclui dizendo que "o Cristianismo sem o profetismo – isto é, sem a mediunidade – seria um corpo sem alma. Se fecharmos a porta de comunicação com a esfera do Mestre, como receber seus ensinos? Os sacerdotes são homens, os templos são de pedra. Que seria de nossa tarefa sem as luzes do plano superior?" ("Paulo e Estevão", pág. 411).

Em Corinto, berço de tantas realizações cristãs, Paulo novamente recebe a presença do Cristo, que lhe diz para prosseguir intimorato pregando a palavra:
- Não tenhas medo, segue falando nas ruas, porque eu estou contigo e ninguém te porá a mão para fazer-te mal, pois tenho um povo numeroso nesta cidade. (Atos 18: 9-11)
Notável esta comunicação, porque mais uma vez se revela o cuidadoso planejamento a que são submetidas as tarefas espirituais. Muitos Espíritos já se achavam encarnados em Corinto, prontos para receberem a mensagem evangélica. Jesus sabia disso, evidentemente, e encoraja Paulo para que o apóstolo siga pregando. Ali seria um dos grandes focos de irradiação do Cristianismo nascente. Foi para os coríntios que Paulo escreveu duas das suas mais importantes epístolas. Foi ali que ele elaborou a famosa Carta aos Romanos. Foi ali que se desenvolveu excelente núcleo mediúnico sobre o qual ainda falaremos adiante. 

A tarefa de Paulo era importante demais para que fosse abandonada ou adiada. Para assegurá-lo disso, Jesus não hesita em trazer pessoalmente seu estímulo. Além do mais, Corinto se banhava de muitas e consoladoras emoções para o espírito de Paulo, pois ali viveram e sofreram Estevão e Abigail.

Em Atos, capítulo 19, Lucas oferece uma dramática confirmação de que mediunidade e Cristianismo eram inextricavelmente unidos.

Paulo deixou Apolo em Corinto e se dirigiu a Éfeso, onde encontrou alguns discípulos de João Batista e lhes perguntou:
- Recebeste o espírito santo quando abraçaste a fé?

- Mas se nós não ouvimos nem sequer dizer que exista espírito santo – foi a resposta desconcertante.

- Que batismo recebeste? Insiste Paulo.

- O de João.

- João – ensina Paulo – batizou com o batismo da conversão, dizendo ao povo que cresse no que havia de vir depois dele, ou seja, em Jesus.
E conclui a narrativa de Lucas:
- Quando ouviram isto, foram batizados em nome do Senhor Jesus. E havendo Paulo imposto as mãos, veio sobre eles o espírito santo e se puseram a falar em línguas e a profetizar. Eram ao todo doze homens.
Eis, pois, como se conta a história de um encontro de Paulo com alguns discípulos de João Batista, em Éfeso, e de como Paulo despertou neles faculdades mediúnicas, que lhes permitiram receber Espíritos que, entre outras coisas, produziram até fenômenos de xenoglossia, isto é, manifestações em língua estranha. Como ficou dito, o texto serve também para demonstrar que Paulo não entendia a fé cristã sem a prática da mediunidade. A primeira pergunta que faz ao grupo é se já haviam desenvolvido os dons espirituais.

Nesse mesmo capítulo 19 há outro episódio revelador da posição da mediunidade naqueles tempos. Os versículos são os de números 11 a 19. Espalhara-se por toda parte a notícia dos resultados que Paulo obtinha com o exercício de suas notáveis faculdades pois, segundo o texto de Lucas, "Deus operava por meio de Paulo milagres extraordinários." Até mesmo peças de vestuário ou objetos que Paulo usara causavam curas em doentes e "saíam deles os Espíritos maus."

Logo apareceram os mercadores de mediunidade, que sempre os houve por toda parte.
- Alguns exorcistas judeus itinerantes – diz Lucas nos versículos 13 e seguintes – decidiram também invocar o nome do Senhor Jesus sobre os que estavam possuídos por Espíritos maus e diziam: "Conjuro-te por Jesus, a quem Paulo prega."
Esses judeus eram sete e filhos de um tal Esceva, sumo sacerdote. Pois bem, o Espírito possessor logo lhes respondeu:
- Conheço Jesus e sei quem é Paulo, mas e vocês, quem são?
Diz ainda o narrador, que em seguida o homem possesso atirou-se sobre os bisonhos exorcistas e os pôs em fuga, em frangalhos e cobertos de ferimentos, o que causou grande sensação e espanto em toda a cidade de Éfeso.

O episódio é instrutivo sob vários aspectos e o desenvolvimento da prática espírita, a partir do século XIX, veio confirmar e explicar com perfeição o incidente. A mediunidade, como qualquer faculdade humana é, em si mesma, neutra. Tanto pode ser empregada num sentido como noutro, na prática do bem ou como instrumento do mal. Aqueles que a exercem ou que lidam com Espíritos, tem que estar protegidos pelas boas intenções, pelo estudo, pela fé, pela prece, senão se tornam joguetes e vítimas de seres truculentos do mundo espiritual. No caso narrado por Lucas, os exorcistas inexperientes invocaram Jesus e citaram Paulo, mas o Espírito que lhes conhecia as intensões interpelou-os de maneira incisiva, percebendo perfeitamente que não falavam em nome do Cristo e nem do seu apóstolo. 

Em Trôade, enquanto Paulo pregava, um jovem chamado Êutico cochilou e caiu de uma janela de grande altura. Ao tomarem seu corpo no chão, foi dado como morto. Aí, conta Lucas, no capítulo 20, versículos 10 e seguintes:
- Paulo desceu, curvou-se sobre ele e, tomando-o pelos braços, disse; "Não se perturbem, pois sua alma ainda está nele."
Com seus recursos mediúnicos, Paulo conseguiu que o Espírito do jovem retomasse a posse do corpo físico. É de notável precisão doutrinária, do ponto de vista espírita, a sua afirmativa de que "a sua alma ainda está nele." A despeito da imobilidade que denunciava a cessação da vida orgânica, Paulo certamente podia ver que o Espírito ainda se achava preso ao corpo e, com algum esforço e ajuda espiritual, conseguiria "reviver" o jovem.

Mais uma observação apenas: o trecho é dos que foram escritos na primeira pessoa do plural. Lucas foi, portanto, testemunha ocular do fato. Narra-o em primeira mão e com precisão, o que denota que ele também, como todos os bons trabalhadores daquela época, conhecia mais acerca do mecanismo das leis espirituais do que a grande maioria haveria de conhecer nos séculos seguintes até o advento do Espiritismo.

Em Atos 22:17 e seguintes, no seu discurso aos irmãos da raça, em Jerusalém, quando é preso e salvo por Cláudio Lísias, Paulo conta que, certa vez, estando em prece no templo, teve a visão do Cristo que lhe dizia:

- Apressa-te e vai a Jerusalém, pois não aceitarão ali o teu testemunho a meu respeito.

Paulo respondeu ao Cristo manifestado que os de Jerusalém sabiam que ele perseguira cristãos e tomara parte na execução de Estevão, mas Jesus o esclareceu:
- Vai, porque eu te enviarei para longe, aos gentios.
No capítulo seguinte, ainda preso em Jerusalém, depois dos agitados embates com os seus irmãos de raça, que juraram sua morte de qualquer maneira, Paulo é novamente visitado por Jesus que lhe diz:
- Ânimo! pois assim como deste testemunho de mim em Jerusalém, também deves dá-lo em Roma.
Na viagem por mar a Roma, Paulo pressente os perigos dos mares agitados e tenta convencer o comandante a esperar a passagem do inverno, mas a viagem prossegue. Quando o temporal se desata, como Paulo previra, e a pequena embarcação joga perigosamente à matroca, o terror toma conta de toda a tripulação e passageiros. A luta contra os elementos enfurecidos prolonga-se já há vários dias, quando Paulo lhes declarou:
-Amigos, teria sido melhor que me houvesses escutado e não tivéssemos saído ao mar em Creta; teríamos evitado estes perigos e teríamos poupado tantas perdas (muita carga havia sido jogada ao mar). Mas agora lhes recomendo que tenham bom ânimo; nenhuma de suas vidas se perderá; somente o navio, pois esta noite apresentou-se a mim um anjo do Deus a Quem pertenço e a Quem rendo meu culto e me disse: "Não temas, Paulo; tens que comparecer diante de César; e olha, Deus te concedeu a vida de todos os que navegam contigo." Portanto, amigos, ânimo! Tenho fé em Deus que sucederá tal como me foi dito. Iremos dar em alguma ilha (Atos 27: 9-25).
Aí está como se passaram as coisas e mais uma vez Lucas é testemunha ocular, pois viaja em companhia de Paulo e Timóteo para Roma. Os Espíritos trouxeram a Paulo a certeza de que ele ainda teria que defrontar-se com Nero, e, enquanto isso, nada aconteceria capaz de tirar-lhe a vida. Também se salvariam os que partilhavam o seu destino naquele instante. E assim foi.

Também nas epístolas surgem referências aos aspectos mediúnicos das tarefas apostolares.

Na primeira, aos coríntios, capítulo 2, Paulo informa aos seus amigos que não se dirigiu a eles da primeira vez com o prestígio da sua oratória, nem da sua sabedoria.
- Minha palavra, diz ele, e minha pregação não tiveram nada dos persuasivos discursos da sabedoria, senão que foram uma demonstração do espírito e do poder, para que vossa fé se fundasse, não na sabedoria dos homens, mas no poder de Deus (versículos 4 e 5).
No capítulo 10 volta a informar sobre a origem dos seus conhecimentos:

- Porque a nós revelou Deus, por meio do espírito e o espírito a tudo sonda, até as profundidades de Deus.

Quem poderia tentar sondar as verdades superiores do universo "até as profundidades de Deus" senão o espírito?

No capítulo 12 da segunda Epístola aos Coríntios, Paulo narra a sua singular experiência de desdobramento, quando foi "arrebatado até o terceiro céu." As visões e revelações que ali recebeu – contava ele 14 anos depois – nem sequer poderia expressá-las em linguagem humana.

Aos gálatas, desviados do roteiro que traçara e recaídos na inútil observância de alguns preceitos da lei antiga, interpela indignado (Gal. 3:1-5):

- Ó insensatos gálatas! Quem vos fascinou a vós a cujos olhos se apresentou Jesus crucificado? Quero saber de vós uma coisa: recebestes o espírito pelas obras da lei ou pela fé na pregação? Tão insensatos sois? Começando pelo espírito terminais agora em carne? Haveis passado em vão por essas experiências? Pois bem, tudo seria em vão! O que vos outorga, pois, o espírito e opera milagres entre vós fá-lo porque observais a lei ou por que tendes fé na pregação?

Depreende-se, pois, que a Igreja da Galácia, depois de experimentar tantos fenômenos mediúnicos notáveis, recai na prática antiga, voltando à observação das "obras da lei." Para que, se já tem um testemunho muito superior que é a manifestação mediúnica, o intercâmbio com os amigos da espiritualidade?

Na primeira carta a Timóteo, Paulo dá notícia de uma observação colhida no mundo espiritual:
- O Espírito diz claramente – escreve ele no capítulo 4, versículos 1 e seguintes – que nos últimos tempos alguns abandonarão a fé entregando-se a espíritos enganadores que têm marcada a fogo sua própria consciência (I Tim. 4:1-2).
E como estava certo o espírito que transmitiu essa mensagem!

Aliás, Timóteo também fora iniciado na prática mediúnica e conhecia bem os mecanismos da mediunidade abençoada pela fé. Também recebera orientação espiritual quanto à sua vida. É o que diz Paulo, ainda na primeira Epístola, capítulo 1, versículos 18 e seguintes:
- Esta é a recomendação, filho meu. Timóteo, que te faço de acordo com as profecias pronunciadas sobre ti anteriormente.
Na segunda Epístola ao discípulo amado, já nos últimos dias da sua vida terrena, consta ainda a recomendação extrema para que continue a prática mediúnica:
Por isto te recomendo que reavives o carisma de Deus que está em ti pela imposição de minhas mãos. (II Tim. 1:6).
Em linguagem moderna, Paulo diria: recomendo que pratiques a mediunidade com Deus, o qual despertei em ti por meio de passes.

Aos hebreus, lembra Paulo que, nos tempos bíblicos da lei antiga, os anjos que anunciavam acontecimentos futuros e traziam advertências e ensinamentos não eram senão "espíritos servidores com a missão de assistir os que hão de herdar a salvação." (Hebr. 1:14). A não ser o conceito de salvação que o Espiritismo reformulou, a expressão é do mais perfeito e atualizado contexto espírita: os antigos anjos são Espíritos servidores com a missão de assistir os homens... Aliás, a palavra grega correspondente a anjo quer dizer mensageiro.

Só isso bastaria pata testemunhar o profundo conhecimento que Paulo alcançou dos mecanismos da mediunidade, mas há mais, muitíssimo mais. Este repositório, de enorme valor histórico e doutrinário, está contido nos capítulos 12, 13 e 14 da sua notável Epístola aos Coríntios, a primeira. Esse texto foi, na realidade, o precursor de ‘O Livro dos Médiuns’, que aparece mil e novecentos anos depois, sob a responsabilidade de Allan Kardec.

Ao que se depreende da sua epístola, as práticas mediúnicas na Igreja de Corinto estavam ficando tumultuadas. Paulo resolve então fixar cuidadosamente as normas, no que revela um conhecimento extraordinariamente avançado para aqueles tempos. Essa experiência somente poderia decorrer da longa prática e atenta observação por parte de seu penetrante espírito.

Quanto aos dons espirituais, não quero, irmãos, que estejais na ignorância – começa ele o capítulo 12.

Previne contra os Espíritos que desejam semear a dúvida e a discórdia, dizendo que nenhum mensageiro "sob o influxo do espírito de Deus" falaria contra Jesus e nenhum reconheceria a autoridade dele, se não viesse da parte de Deus.

Passa, em seguida, com genial sutileza, à explicação da diversidade das faculdades mediúnicas, ao mesmo tempo em que explica que provém todas as variedades da mesma origem divina. 
— Há diversidade de carismas, mas o espírito é o mesmo; diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo: diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera em todos.
Em alguns se manifesta a palavra de sabedoria, isto é, prestam-se melhor às comunicações de elevado teor filosófico; em outros, a palavra da ciência ou seja, de conhecimento; em outros, a fé. É bom lembrar, aliás, que foi nesse tripé que se montou a Doutrina Espirita: filosofia, ciência e religião. Que Paulo tivesse tido o conhecimento disso há quase dois mil anos é um testemunho impressionante da autenticidade da Doutrina Espirita, que tem sido duma coerência inabalável ao longo dos milênios, mesmo antes de receber o nome que Kardec lhe outorgou.

Mas Paulo ainda prossegue falando da mediunidade de cura, da profecia, da vidência, da xenoglossia (uso de línguas estranhas) e vai mais além, porque sua experiência lhe assegurava que não bastava ter médiuns em torno de uma mesa: era preciso ter quem, em estado permanente de lucidez, orientasse os trabalhos, dialogasse com os Espíritos e interpretasse depois o que haviam dito. 

Outro problema, no entanto, ele previa: é que num grupo assim reunido, com faculdades tão extraordinárias e tão diferentes, seria inevitável, entre criaturas ainda inexperientes e imperfeitas, que surgissem rivalidades miúdas em prejuízo do trabalho. Os grupos mediúnicos — sabemos muito bem, hoje, graças ao Espiritismo — só podem funcionar de maneira satisfatória em clima de perfeita harmonia e afeição entre os seus participantes. É uma tarefa que não admite vedetismos, nem vaidades pessoais, nem divergências. As desinteligências e desarmonias afetam o trabalho a ponto de inutilizá-lo totalmente. Emmanuel conta que, em Antioquia, na época em que se levantou a polêmica entre judeus e gentios, o clima espiritual perturbou-se de tal forma que "as vozes se calaram". 

Paulo sabia disso. Como transmitir, porém, seus ensinamentos de forma que todos compreendam e não haja rivalidades, nem polêmicas, nem endeusamento de médiuns? Seus amigos em Corinto são ainda imaturos e despreparados. Ainda há pouco, nesta mesma Epístola (3:2), diria ele. Paulo, que lhes falava como a "crianças em Cristo" e por isso lhes dava apenas leite, pois não podiam ainda suportar alimentos sólidos, ou seja, conhecimentos mais avançados. Usa, então, de uma imagem de grande beleza e de fácil inteligência. Compara as diversas formas de mediunidade aos diferentes membros de um mesmo corpo: é a ideia da pluralidade na unidade. O corpo não se compõe de um só membro, mas de muitos e sem eles não está completo. Pelo simples fato de não ser igual a mão. Não pode o pé dizer que não pertence ao corpo. Se todo o corpo fosse apenas o olho, onde ficaria o ouvido? E se fosse todo ouvido, onde o olfato? Ninguém poderia dizer à mão: Não preciso de você! Ao contrário, todos os membros do corpo, por mais fracos, são indispensáveis... Quer dizer com isto que todas as formas de mediunidade são necessárias, preciosas mesmo, e integram o Grupo mediúnico. Nenhuma faculdade é superior a outra; são todas indispensáveis ao bom funcionamento do trabalho, até as mais humildes. "E as partes que nos parecem mais vis do corpo rodeamos de maior honra. Assim a nossas partes desonestas — diz na sua deliciosa linguagem — vestimos com maior honestidade." Não há, assim, ninguém sem importância num grupo mediúnico, nem ninguém importante, porque são todos importantes. Agora, cada um tem de ter a sua tarefa especificada em favor da disciplina, pois tudo teria que ser feito dentro da mais absoluta ordem, Em primeiro lugar, naturalmente, os apóstolos; em seguida, os profetas, isto é, os médiuns de incorporação; em terceiro lugar, aqueles a quem ele chama de mestres, isto é, os doutrinadores e intérpretes dos Espíritos; depois, os que hoje chamamos de "passistas", ou seja, os médiuns que se incumbem da administração dos passes magnéticos ou espiritas; e, finalmente, os demais, que ele designa como assistência, governo e diversidade de línguas. Incumbiam-se da assistência e governo aqueles que dirigiam os trabalhos na sua parte, por assim dizer, humana, material, no trato de problemas administrativos, como a coleta e aplicação de recursos, obras assistenciais, trabalhos manuais, etc. É curioso observar que ele coloca no fim a mediunidade a que hoje chamamos de xenoglossia. A razão está provavelmente em que não era fácil encontrar quem pudesse entender e traduzir na hora uma comunicação mediúnica dada em língua desconhecida dos presentes. 

Essa classificação, porém, é bom insistir, é apenas uma divisão disciplinar de tarefas que não conferia a ninguém o direito de julgar-se superior aos demais. Acresce, prosseguia Paulo, que não podiam ser apóstolos ou profetas ou mestres.

Nesse ponto, Paulo faz uma pausa na sua interessantíssima dissertação sobre mediunidade e escreve o seu hino ao amor: 
- Aspirai aos carismas superiores! Vou ainda mostrar-vos um caminho mais excelente.
O seu caminho mais excelente é o exercício ilimitado do amor. É uma página genial, sublime, que dificilmente poderia ser ultrapassada, tanto na forma como no conteúdo. Suas palavras finais são de uma poesia e uma transcendência verdadeiramente sobre-humanas: 
- Em suma, subsistem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior de todos é o amor.
Tinha razão Paulo quando dizia a Barnabé, nos idos da primeira missão, que não hesitava em afirmar que a posteridade haveria de rebuscar muitas vezes a tarefa que lhes foi confiada. É que os trabalhos de que se desincumbiram aqueles homens tão dedicados a causa de Jesus continham lições que somente muito mais tarde seriam entendidas em toda a sua realidade. Eles praticaram uma forma de Cristianismo vivo e ativo, alimentado pelas fontes originais. Estavam ligados às legiões espirituais incumbidas pelo Cristo da preservação e propagação da Sua mensagem. À medida que os homens se distanciaram daqueles padrões, a mensagem recolheu-se e o movimento esvaziou-se de seu conteúdo espiritual, transformando-se num simples e poderoso instrumento de mando, completamente divorciado de suas origens, esquecido delas deliberadamente. A Reforma Protestante do século XVI seria mais uma tentativa de retorno às origens, mas faltou-lhe o componente mediúnico que iluminou os caminhos dos primeiros cristãos e que transformava perseguidores implacáveis em servidores admiráveis. 

Por tudo isso, entendia Paulo, e os espíritas de hoje lhe dão plena razão, que muita lição preciosa preservar-se-ia naquilo que estavam realizando. O Espiritismo não tem praticamente reparos a fazer ao "Livro dos Médiuns" que Paulo escreveu e mandou aos Coríntios, mas que endereçava ao futuro. Que admirável intuição daquele homem extraordinário! Classifica a mediunidade, dispõe sobre a hierarquia das funções e escreve sobre a necessidade do amor, e depois prossegue, no capítulo 14, falando sobre o exercício da mediunidade. Por que o ensaio sobre o amor encaixado ali no meio de uma dissertação objetiva sobre a mediunidade? É que Paulo sabia muito bem que, sem o amor, de nada valem as outras conquistas, nem mesmo a fé, porque a fé sem o amor pode degenerar em fanatismo; nem a esperança, porque, sem o amor, para que a esperança? Com o amor, porém, a fé se ilumina e consolida-se a esperança. "O amor tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor não acaba nunca...", diria ele.

Que profundas e eternas verdades em cada linha dessas, em cada expressão. Nunca se disse tão belo!  

O exercício da mediunidade sem amor é frio e inócuo. Os Espíritos, que sentem mais as nossas vibrações interiores do coração do que as palavras que pronunciamos, sabem se estamos realmente interessados nas suas dores e angústias ou se estamos apenas recitando palavras ocas de consolo estéril. Se atrás das palavras não está a sustentação do amor, eles não produzem os frutos da misericórdia, do despertamento, do arrependimento.

E, assim, a exposição que Paulo iniciou declarando que iria "mostrar um caminho mais excelente", ele a retoma para dizer que todos deveriam "buscar o amor, mas também aspirar aos dons espirituais".

Com isso, assegura que nem a mediunidade e nem o amor podem ficar estáticos, de braços cruzados; são dinâmicos. O amor é o caminho mais excelente, mas não prescinde da mediunidade como um dos seus veículos de atuação.

Entra o apóstolo, a seguir, nos conselhos de ordem prática, dizendo por que prefere o dom da profecia, ou seja, a mediunidade de incorporação. É que a faculdade de falar em línguas estrangeiras a ninguém aproveita, se não estiver também presente quem possa interpretar e traduzir o pensamento expresso pelo Espírito manifestante.
- Desejo que faleis todos em línguas – diz ele em 14:15 -; prefiro, no entanto, que profetizeis. Pois, o que profetiza, supera o que fala em línguas, a não ser que também interprete, para que a assembleia se edifique.
E, assim, o capítulo 14 é todo dedicado à classificação das faculdades, não quanto às pessoas que as exercem, de vez que Paulo já explicou que são todos membros do mesmo corpo, mas quanto à utilidade que tem tais faculdades para os que participam dos trabalhos mediúnicos.

Sua preocupação maior aí é com o fenômeno das línguas desconhecidas que, ao que parece, estava assumindo certa predominância em Corinto, sem proveito para ninguém. Sua linguagem é extremamente engenhosa e precisa.
- Porque se oro em línguas (estranhas) meu espírito ora, mas minha mente permanece sem proveito. Então, que fazer? Orarei com o espírito mas orarei também com a mente (14: 14-15).
Na verdade, se o Espírito transmite uma comunicação ou uma prece em língua desconhecida, o espírito do médium que está ligado ao manifestante certamente aproveita a mensagem, mas não consegue trazê-la para a sua consciência, a que Paulo chama de mente. Ao despertar, não sabe o médium o que disse o Espírito por seu intermédio, nem ninguém à sua volta sabe: “meu espírito ora, mas minha mente permanece sem proveito.”

Ademais, prossegue Paulo, o fenômeno da mediunidade xenoglóssica impressionava muito aos descrentes, a que ele chama de infiéis, pela sua espetaculosidade, mas, para os crentes, era melhor a incorporação tranquila de um Espírito que, usando a língua corrente, transmitia a sua mensagem de edificação e estímulo, trazendo ensinamentos, advertências e instruções.
- Se, pois, se reúne uma assembleia e todos falam línguas e entram nela os não iniciados ou infiéis, não dirão que estais loucos? Pelo contrário, se todos se profetizam e entra um infiel ou não iniciado, será convencido por todos, julgado por todos. Os segredos do seu coração ficarão descobertos e, prostrado com o rosto em terra, adorará a Deus, confessando que Deus está verdadeiramente entre vós (14: 23-25).
Paulo adverte aqui quanto à inconveniência de se dedicarem todos à xenoglossia, especialmente do efeito sobre os assistentes não familiarizados com as práticas da mediunidade cristã. Ao passo que, falando em linguagem que todos entendam, os resultados seriam muito melhores, de vez que os Espíritos, muito frequentemente, vão buscar nos assistentes os mais secretos pensamentos, o que causa grande impacto e mudanças de atitude pessoal.

No seu admirável “Livro dos Médiuns”, Paulo não deixou de regulamentar nem mesmo a ordenação dos trabalhos. Todas as mediunidades poderiam ser exercitadas, desde que para edificação dos presentes. Apenas dois ou, no máximo três deveriam falar em línguas estranhas e que houvesse sempre um intérprete. Se não houver intérprete, o médium deve guardar silêncio, ou seja, em jargão espírita: não deve “dar passividade” ao Espírito manifestante, pois que a ninguém aproveitaria a sua comunicação.

Quanto aos profetas, ou seja, médiuns de incorporação, que falem dois ou três "e os demais julguem". As comunicações não devem, pois, ser recebidas e aceitas sem análise e crítica, para evitar enganos, fraudes e mistificações. Se alguém tem ainda algum Espírito a receber, cale-se o primeiro, ou seja, o que estava falando, pois todos devem exercitar suas faculdades com ordem e metodicamente, cada um por sua vez. E mais:
- Os Espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas, pois Deus não é um Deus de confusão, mas de paz.
Notável advertência essa, em tão poucas palavras. Realmente, o médium não deve deixar que o Espírito faça com ele o que bem entenda; na mediunidade disciplinada, os Espíritos manifestantes estão sob o controle dos médiuns, pois Deus não é um Deus de confusão, mas de paz e, nos trabalhos realizados sob a proteção divina, não seriam admitidos tumultos.

Ninguém mais na assistência deveria tomar a iniciativa de falar; regra que até hoje é observada nos bons grupos mediúnicos, nos quais são designados aqueles que devem conversar com os Espíritos, não sendo permitido a ninguém mais dirigir-lhes a palavra, mesmo quando interpelados pelos manifestantes, a não ser que para isso autorizados.

E conclui:
- Portanto, irmãos, aspirai ao dom da profecia e não embaraceis que se fale em línguas, mas faça-se tudo com decoro e ordem.
Assim termina Paulo seu "Livro dos Médiuns", roteiro preciosíssimo que teria garantido à Igreja nascente uma segura trilha evolutiva através dos séculos. Onde estaríamos, hoje, em adiantamento espiritual, se a mediunidade tivesse sido preservada de acordo com os padrões que Paulo lhe fixou? Foi uma pena que esse filão ficasse abandonado tão cedo; as paixões humanas do poder temporal assim o determinaram. Nem tudo, porém, está perdido, porque sempre poderemos voltar sobre os nossos passos e remontar às fontes incontaminadas daqueles tempos iluminados. Mas quanto tempo se perdeu, quantos Espíritos se transviaram, quantas dores foram experimentadas, quantas sombras envolveram a terra, apenas porque alguns espíritos desavisados acharam que nem a mediunidade precisava do Cristianismo nem o Cristianismo, como movimento, precisava da mediunidade.

Allan Kardec retomou a ideia, no século XIX. É bom, pois, que os Espíritas do século XX reexaminem as fontes do Cristianismo primitivo, buscando ali, como previu Paulo, as lições que se preservaram intactas. O Apóstolo dos Gentios teve a intuição divina do futuro e o senso maravilhoso da História. Não é sem razão que o Cristo dizia dele que era um vaso escolhido. Jesus conhecia muito bem as dimensões daquele espírito e Paulo deu perfeito testemunho da confiança que o Mestre depositou nele, de tal maneira se integrou no pensamento de Jesus. Essa identidade profunda de propósitos e de entendimento, ele a expressaria numa das suas sínteses mais belas e mais geniais:
- Não sou eu quem vivo, é o Cristo que vive em mim...
Hermínio C. Miranda
Fonte: Reformador (FEB) Fev.1974, 
 na ocasião, capítulo inédito do livro: 
As Marcas do Cristo - Paulo, o Apóstolo dos Gentios
Volume 1 - Cap. 7 - Mediunidade

Nota:  Utilizamos a versão atualizada com grifos e pequenas alterações feitas pelo autor, que constam do livro: As Marcas do Cristo - Paulo, o Apóstolo dos Gentios - Volume 1.


Foto da publicação na Revista Reformador Fev. 1974

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