segunda-feira, 7 de maio de 2018

No correio afetivo

No correio afetivo

Irmão X.



Você, meu caro, assevera que se vê fatigado consigo mesmo.

As imperfeições, as nossas velhas imperfeições!...

Diz você que acaba de ler um volume edificante e articula promessas de melhoria, ouve uma preleção nobre e reafirma votos de elevação... Horas depois da expectativa brilhante, ei-lo que se estira no erro ou na negação de tudo o que assegurou a si próprio em matéria de burilamento moral. Em seguida, a exagerada noção de inferioridade pessoal, as ideias de culpa e, com isso, os sofrimentos íntimos e as aflições vazias.

O tempo que poderia despender em atividades úteis se lhe foge das mãos, inaproveitado.

E você pergunta o porquê de semelhante antagonismo. De um lado, a santidade do intento; de outro, a impossibilidade da execução.

Entretanto, meu amigo, esse conflito nos pertence a todos, a todos nós, os espíritos em evolução e acrisolamento no regaço maternal da Terra, - desde milênios.

Contra o pingo de esforço que sustentamos a favor do auto-aperfeiçoamento, surpreendemos o caudaloso rio de nossos impulsos instintivos que nos arrastam para a animalidade de que somos egressos.

A necessidade de paciência até mesmo conosco se nos patenteia, no clima da vivência comum, em qualquer parte. Paciência de repetir pequeninos gestos de tolerância e diminutas renunciações, hora por hora, dia por dia, manejando incessantemente o buril da
disciplina sobre a pedra de nossas qualidades virtuais, de modo a nela esculpir a individualidade que aspiramos a ser.

Creia que isso ocorre à maioria das criaturas em estágio educativo no Planeta, estejam ou não vinculadas à carteira do corpo físico. Escalamos o monte da sublimação, a passo e passo, muita vez de coração agoniado e pés sangrentos.

A nosso ver, não padecem guerra íntima unicamente aqueles que se anestesiam, de maneira temporária, em superioridade falsa, acreditando-se realizadas em paraísos de ilusão, copiando a convicção das crianças que se admitem habitando castelos em suas construções de papel ou de areia.

Essa terrível disparidade entre o que ainda somos e o que devemos ser é peculiar a todas as criaturas que despertam para as exigências da ascensão espiritual. O próprio Paulo de Tarso, refletindo sobre semelhante problema, declara no versículo 19 do capítulo 7, de sua Epístola aos Romanos: “Não faço o bem que desejo; contudo, o mal que não quero, esse faço”.

A propósito, no entanto, confortemo-nos com a certeza de que, apalpando as nossas chagas morais, formamos mais seguro conhecimento de nós mesmos, o que é muito importante.

Conta-se que Israel Ben Eliezer, apelidado por Baal Shem-Toy, nome comumente abreviado por Besht, renomado pensador judaico do século XVIII, foi procurado por certo devoto, que a ele se queixou, amargamente confessando:

- Mestre, que será de mim? Entreguei-me fervorosamente ao serviço do Senhor, por longos anos, e, depois de tanto tempo, reconheço hoje que não melhorei... Continuo a ser um homem imperfeito e ignorante...

O Besht, porém, sorriu e respondeu, compassivo:

- Se chegaste, meu filho, a compreender que és imperfeito e ignorante, isto representa, por si só, um progresso admirável.

Reflitamos, desse modo, em nossas fraquezas, sem autocondenação. Não adianta cobrir-nos de cinzas, ao verificar nossas faltas. Vale enfrentá-las e corrigi-las à custa de nossa própria retificação.

Que somos espíritos endividados, perante as Leis Divinas, é uma realidade, e que precisamos servir ao próximo com esquecimento de nós mesmos, para dissipar as trevas
do egoísmo que ainda nos envolvem a alma, é nossa obrigação. Observando, assim, com o escalpelo do raciocínio próprio, as deficiências e desequilíbrios que ainda nos pesam no ser, estamos naturalmente curando nossa multimilenária cegueira de espírito e, com isso, meu caro, já nos cabe render graças a Deus.



Irmão X. por Chico Xavier do livro: - Estante da Vida







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