O porquê do sofrimento humano
Clóvis Tavares
Não vos enganeis; Deus não se deixa escarnecer, pois tudo o que o homem semear, isso mesmo ceifará. (Gal - 6:7)
Caros ouvintes:
Um distinto amigo, que se refugiou em desguardado anonimato, me pergunta por carta, para resposta em microfone, o porquê dessas diferenças tão notáveis e constantes da vida humana. Por que, indaga, uns gemem debaixo de padecimentos insuportáveis, ao passo que outros parecem sofrer menos, ou sofrer muito pouco e estão cercados, estes últimos, de recursos que lhes minoram rápida e facilmente os padecimentos?
Dizes bem, amigo: “outros parecem sofrer menos”. Sim, porque realmente todos sofrem. Hoje, uns, amanhã outros, sem nos esquecermos que ontem já sofreram também outros. Sofreram, sofrem, sofrerão todos...
O que estranhas contudo, parece-me, não é propriamente a universalidade da dor e sim, amigo, a desproporção com que o sofrimento é distribuído entre os homens. Sim amigo, são tristes as paisagens humanas que contemplamos por toda a parte: viúvas na miséria ou entre os esconderijos da pobreza envergonhada. Infelizes leprosos, abandonados humilhados e tristes. Tuberculosos sem recursos, a caminho da morte. Criancinhas sem pão, sem fé e sem carinho na putrescência dos bairros miseráveis, ou já pivetes de sarjetas e dos bulevares. Os desequilibrados mentais, repudiados pelos próprios familiares, em número assustadoramente crescente. Os farrapos humanos abandonados nas salas de indigentes dos hospitais, ou nas esteiras podres de cortiços, ou estirados as portas de grandes edifícios, ante a indiferença dos poderes públicos e da sociedade bem nascida e bem posta, a mostrar o esquecimento da parábola do bom samaritano. As populações abandonadas, enfermiças, ignorantes, supersticiosas, delinquentes do interior, sem amparo para o seu trabalho, sem
alfabeto para seus pequeninos, sem higiene, sem educação, sem a benção dos sentimentos religiosos e verdadeiros... Corações crucificados em dores morais e ninguém vê... E o que mais estranhas, acima de tudo, é a existência de criaturas dignas e generosas, conhecendo os rigores de vidas difíceis, ao lado de indivíduos desalmados e desonestos que prosperam rapidamente. Uns conhecem de perto a amargura dos salários de escárnio. Outros se refestelam no conforto que não lhes custou suor nem trabalho.
Diante de quadros de aparente desajustamento, muitos perguntam aflitos ou revoltados: “Se Deus é justo, porque essas injustiças?”
Já que crês em Deus, meu amigo desconhecido, deixa-me repetir-te: Deus é justo, sim Deus é a suprema justiça, intangível, inefável, e uma lei de justiça suprema preside os destinos dos homens. Não vejamos iniquidade nessas paisagens desoladoras da sociedade terrestre. Não há injustiça, meu amigo, nesses contrastes chocantes. Crê, por Deus, crê que em tudo se manifesta o cumprimento de leis soberanas e sábias que nossas inteligências acanhadas ainda não alcançam totalmente, nem imediatamente. Existem causas ignoradas nas tribulações mais ásperas. O supremo tribunal dos céus nunca funcionou com parcialidade. Podes crer que lá no alto, onde a verdade mora e a justiça pontifica, não há tiranos caprichosos nem juízes venais.
Não há senão aparência de injustiça no capítulo da dor que atinge o homem.
Não sei se soará bem aos teus ouvidos o nome de Allan Kardec. É possível que não. Conto, porém, com sua mentalidade arejada. Confio no teu coração bem dotado de sentimentos evangélicos. Podes, assim, ouvir a magnífica advertência apostólica de São Paulo aos cristãos tessalonicenses: “Examinais tudo; retende o bem”. (I Tes. 5:21).
Lembra-te, amigo, de que o nome de Jesus Cristo não soava bem aos ouvidos dos sacerdotes de Jerusalém, ciosos dos ensinos dos profetas e orgulhosos da cátedra de Moisés. O nome do meigo Nazareno, nosso Salvador, também não era agradável aos ouvidos dos escribas de seu tempo, ortodoxos, dogmáticos, pretensiosos, agarrados fanaticamente a “letra que mata” das Escrituras Sagradas. O nome de Paulo de Tarso, o grande São Paulo, para as comunidades jamaicas (*) de sua época, simbolizava também a heresia sinistra e perigosa. E através dos séculos, para os religiosos autossuficientes e endurecidos de coração, todos os missionários de Deus, todos os espíritos mais nobres, que trazem a bênção do alto, uma palavra reformadora, um poder desconhecido, um coração consagrado no bem, são sempre “hereges”, “demônios”, “infiéis”, “satanazes”... Todos sofrem o desprezo de seu tempo, todos recebem no coração os dardos inflamados das perseguições cruentas ou incruentas. Basta recordarmos alguns expoentes da Hora Cristã, verdadeiros enviados de Deus: João, o Evangelista, Crisóstomo, Francisco de Assis, Joana D’Arc, João Huss, Teresa D’Ávila, João da Cruz, Martinho Lutero, Giordano Bruno, Vicente de Paulo, Savonarola, Allan Kardec, Sundar Singh.
Nota:(*) Comunidades Jamaicas: - Habitantes nativos da região.RDB
Espero pois, que ouças, sem desequilíbrios de paciência, alguma coisas do grande sábio francês, filosofo eminente, reformador religioso, que codificou a doutrina Espírita – Allan Kardec.
No capítulo 5 de seu maravilhoso O Evangelho Segundo o Espiritismo (livro que podes ler com grande proveito para tua alma), Kardec nos ensina que as tribulações da vida terrestre são de duas espécies, ou, se preferirmos, “promanam de duas fontes bem diferentes, que importa distinguir. Uma tem sua causa na vida presente; outras fora desta vida”.
Lembra em seguida o codificador, os sofrimentos que tem sua origem no caráter e no procedimento daqueles que o suportam:
“Quantos homens caem por sua própria culpa! Quantos são vitimas de sua imprevidência, de seu orgulho e de sua ambição! Quantos se arruínam por falta de ordem, de perseverança, pelo mal proceder, ou por não terem sabido limitar seus desejos! Quantas uniões desgraçadas, porque resultaram de um cálculo de interesse ou vaidade e nas quais o coração não tomou parte alguma! Quantas dissensões e funestas disputas se teriam evitado com um pouco de moderação e menos suscetibilidade! Quantas doenças e enfermidades decorrem da intemperança e dos excessos de todo gênero! Quantos pais são infelizes em seus filhos porque não lhes combateram desde o princípio as más tendências! Por fraqueza, ou indiferença, deixaram que neles se desenvolvessem os germes do orgulho, do egoísmo, e da tola vaidade, que produzem a secura no coração; depois mais tarde, quando colhem o que semeiam, admiram-se e se afligem da falta de deferência com que são tratados e da ingratidão deles.”
Não são justas essas declarações de Allan Kardec?
Não creia, pois, nas ideias de alguns espiritistas, mais ou menos simplórios e alérgicos ao estudo e ao raciocínio, que buscam sempre “uma causa no passado” para explicar todas as dores do homem sobre a terra...
Muitas e muitas vezes, na verdade, existem raízes dos males presentes em anteriores encarnações da alma, em pretéritos às vezes bem distante. Contudo, são inumeráveis as aflições consequentes do mau procedimento do homem, nos mesmos dias desta sua vida.
Os exemplos que Kardec cita são admiráveis. Não conheces, por ventura, muitos casos de sofrimento originados do orgulho? A autossuficiência é uma fabrica de lágrimas...
Não sabes que há legiões de enfermos, vitimas de cruéis padecimentos – da tuberculose à loucura - porque se entregaram, animalescamente, às emoções inferiores, aos excessos e desvios sexuais de todo o gênero?
Não conheces, por acaso, a estatística dolorosa dos lares infelizes, porque nascidos apenas de magnetizante sedução carnal ou da ambição da fortuna do sogro? O sex appeal e a auri sacra fames tem arruinado milhões de homens e de mulheres...
E os padecimentos de pais e mães, resultante de sua ternura cega e vazia, ou dessa criminosa hipertrofia de liberdade em que vivem meninos e meninas? Não há de fato, muitas lágrimas que são filhas da sedução familiar?
E os resultados, sempre fatais, da avareza? E as funestas surpresas da prodigalidade? E os rebentos amargos de ódios cozinhados na mente revoltada? E o doloroso ensarilhar de armas depois das batalhas domésticas? E os sofrimentos oriundos da preguiça, da tirania patronal, do autoritarismo político, da desonestidade profissional, da indisciplina revolucionária, da hipocrisia religiosa?
Não são sofrimentos que tem suas causas nesta mesma existência presente?
Permite agora, amigo, que nos distanciemos em busca de outros quadros reais da vida.
Que me dizes desses acontecimentos dolorosos que não se explicam por causas nem motivos conhecidos?
Já pensastes nas catástrofes coletivas, multiplicando sofrimentos crudelíssimos? Onde o porquê dos acidentes imprevisíveis, dos desastres dolorosos, em que centenas e até milhares de criaturas são arremessadas no país do horror?
Podes explicar também todas as enfermidades de nascença? Explicação ou justificação de ordem moral, espiritual, é lógico. Pensa bem: por que os pequeninos monstros, surpresas amargas num ninho doméstico? Por que os sofrimentos insuportáveis num corpinho infantil? Que mal, que pecado, que crime cometeu essa criança... para sofrer tanto? – indagarás, como perguntam tantos, como interroga Afonso Celso no seu soneto famoso... “Em verdade é um doloroso mistério a morte de uma criança”, sente Anatole France. E que me dizes, se essa morte tem um prefácio de padecimentos torturantes, na mesa fria de um cirurgião incompetente ou na esteira suja de um barracão?
Escuta uma vez mais Allan Kardec, meu amigo, sobre esses problemas que, diz o eminente pensador:
“Ainda nenhuma filosofia pode resolver, anomalias que nenhuma religião pode justificar e que seriam a negação da bondade, da justiça e da providência de Deus, e se verificasse a hipótese de ser criada a alma ao mesmo tempo que o corpo e de estar a sua sorte irrevogavelmente indeterminada após a permanência de alguns instantes na terra... Todavia, em virtude do axioma segundo o qual “todo efeito tem uma causa”, tais misérias são efeitos que hão de ter uma causa, e desde que se admita um Deus justo, essa causa também há de ser justa.”
Quais serão pois, as causas dos efeitos dolorosos (que são os padecimentos humanos) se não as achas, dentro da lógica, na vida presente?
Sei que tua inteligência não faria do Criador do universo um ditador caprichoso, nem concluiria levianamente e totalmente que os filhos pagam pelos pecados dos pais e dos bisavós...
Se cremos que Deus é justo, havemos de aceitar que as causas são naturalmente justas. E se não as encontramos a motivação de determinado sofrimento na vida atual, “há de ser anterior a esta vida, isto é, há de estar em existência precedente”, diz Allan Kardec:
“Por outro lado, diz o codificador, não podendo Deus punir alguém pelo que fez, nem, pelo mal que não fez, se somos punidos é que fizemos o mal; se esse mal não o fizemos na presente vida, tê-lo-emos feito noutra. É uma alternativa a que ninguém pode fugir e nem que a lógica decide de que parte se acha a justiça de Deus. O homem, pois, nem sempre é punido completamente em sua existência atual; mas, não escapa nunca às consequências de suas faltas. A prosperidade do mau é apenas momentânea; se ele não expiar hoje, expiará amanhã, ao passo de que aquele que sofre está expiando o seu passado. O infortúnio, que, a primeira vista, parece imerecido, tem sua razão de ser e aquele que se encontra em sofrimento pode sempre dizer: “Perdoa-me Senhor, porque pequei”.
Terminando, meu amigo, quero dizer-te que a lei da reencarnação, se a estudares bem, oferecerá à tua mente sequiosa, as verdadeiras soluções dos problemas humanos.
O que muitos filósofos antigos e modernos não te podem ofertar ao espírito insatisfeito, encontrarás na admirável filosofia científica do Espiritismo Evangélico, que te oferece a Água da Vida, daquela mesma fonte Divina, que é Jesus Cristo.
Estuda a abençoada doutrina que destruiu a morte, exilou o materialismo e abriu aos corações humanos as portas de Ouro da Vida Imortal, oferecendo-lhes uma síntese que é ciência, filosofia e religião.
Estuda-a, meu amigo. E esse montão de problemas que te inquietam – o mistério da consciência, a manifestação dos instintos, sensações e percepções, os problemas da personalidade e do caráter, da mediunidade e do misticismo, os enigmas da vida e da morte – todas as inquietantes perguntas que fazes à ti mesmo e as páginas dos livros, terão respostas que te deslumbrarão.
Levantarás o véu de Isis. Descobrirás um Novo Mundo, Subirás Himalaias. Teus joelhos se dobrarão no cume da montanha dessa Nova Luz e teu coração glorificará o Deus Vivo, Criador do céu e da terra. Entoarás um novo Magnificante no silencio de teu encantamento... Possuirás, finalmente, aquela “riqueza que o ladrão não rouba e a traça não roí”, de que fala Jesus em seu Evangelho. Estarás feliz no seio da Grande Luz Que não se Apaga e Deus estará contigo, tanto quanto estarás com Ele, para sempre!
(Na Rádio Continental, em 30 de janeiro de 1960)
Clóvis Tavares do livro:
Sal da Terra
- Antologia organizada por Flávio Mussa Tavares
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